sábado, 27 de dezembro de 2008
Ideologia do género e Humanae Vitae
O vaticanista Sandro Magister no seu blog, traduzido para espanhol, escreve o seguinte: Para una ecología del hombre y del hombre creado varón y mujer. En el discurso por Navidad a la curia romana Benedicto XVI discute la ideología del "gender". Y rompe una lanza en defensa de la más debatidas de las encíclicas, la "Humanae Vitae". Pode ler o resto aqui.
Inverno demográfico - É urgente baixar a idade do casamento
Uma das coisas mais funestas programadas e conseguidas pelos controladores populacionais nos últimos 30-40 anos foi sem dúvida alguma o adiamento da idade do casamento. As consequências nefastas da generalização do consórcio tardio são muitas e graves.
Consideremos algumas:
1 – O cada vez maior distanciamento entre o fim da puberdade – que não se sabe exactamente porquê tem surgido mais precocemente – e o matrimónio tende a aumentar a promiscuidade sexual. Esta por sua vez provoca um incremento das doenças sexualmente transmissíveis (muitas delas incuráveis), do recurso à esterilização, à contracepção e ao aborto;
2 – O facto de, desde cedo, não se assumirem responsabilidades esponsais e parentais dificulta o amadurecimento, dilatando o individualismo, que tende a cristalizar. Estas características estorvam a criação de vínculos, as “uniões” instáveis ou de facto, a recusa da procriação, o menosprezo da família;
3 – Por não se terem “adestrado” numa comunhão de vida e na construção de um projecto comum quando a idade jovem, pelas suas características de flexibilidade, o permitiria, têm uma dificuldade muito acrescida de viverem uma comum união, tendendo antes a uma sobreposição. O que facilita o divórcio, que por sua vez destrói a família.
4 – O divórcio favorece a poligamia sucessiva desprotegendo a mulher e os filhos. O que aumenta a pobreza e o desamparo integral. Os filhos experimentam a fragmentação interior e baixos níveis de auto-estima; são mais susceptíveis de se deprimir e de terem insucesso escolar; ganham medo ao casamento, adiando-o sucessivamente até idade tardia ou substituindo-o por formas de coabitação sem compromisso; têm, ainda, se casados, uma probabilidade muito maior de, virem, também a divorciar-se.
5 – Não terem aproveitado a pujança da fertilidade nos anos mais jovens, terem vivido muitos anos tomando a pílula ou terem até realizado um ou mais abortos obstaculiza a geração de filhos. Esta dificuldade pode transformar-se numa verdadeira obsessão desnorteando o casal a ponto de recorrer à procriação tecnicamente assistida, a qual provoca um número incontável de mortes em seus filhos na fase embrionária. Muitos destes filhos, na sua fase inicial, serão abandonados a uma cruel crio preservação (congelação) ou/e a uma horrenda experimentação. Por outro lado, os casais, em especial a mulher, são submetidos a uma violência brutal.
6 – Tendo perdido o vigor próprio dos anos mais jovens não se atrevem a ter muitos filhos, dando-se também por este motivo um decréscimo da natalidade.
7 – O decréscimo demográfico devido à quebra de natalidade é gerador de graves problemas:
a) Não havendo renovação das gerações a pirâmide geracional tende a inverter-se. O vértice diminuto, agora constituído por jovens, assenta no solo enquanto que a larga base de idosos passa para o topo. Esta situação torna sempre cada vez mais difícil o regresso à posição natural uma vez que é necessário que cada vez menos jovens tenham cada vez mais filhos.
b) Uma vez que há cada vez menos jovens a trabalhar para um número cada vez maior de velhos as pensões tenderão a tornar-se insustentáveis. E uma vez que o produto maioritário do trabalho irá para os reformados e não para os próprios produtores ou seus filhos isso gerará inevitavelmente tensões sociais que conduzirão à reivindicação da eutanásia. Aliás, como excelentemente observou M Schooyaans “se se autoriza os pais a matar os filhos, tarde ou cedo terá de se autorizar os filhos a matarem seus pais”.
c) Uma vez que o peso eleitoral dos mais idosos, por serem multidão, é maior, serão eles a decidir o destino dos dinheiros. Sendo que o seu estado de saúde é, devido à idade avançada, mais precário e exige investimentos cada vez maiores, em material e pessoal de saúde cada vez mais sofisticados, diminuirá o orçamento para outras coisas também importantes tais como o armamento que garanta a defesa dos países (nem o número de jovens será suficiente para organizar forças armadas eficazes.) Não tendo, estes, capacidade de dissuasão transformam-se numa tentação apetecível e numa presa fácil para nações mais populosas, dando ocasião a guerras e invasões.
d) A queda da natalidade provoca uma escassez ou mesmo, inúmeras vezes, o desaparecimento de irmãos, primos, tios. Desaparecendo esta rede de vínculos humanos a socialização e educação tornam-se cada vez mais árduas na família e terá de ser o estado a tomar conta das crianças, desde a mais tenra idade, com todos os graves inconvenientes que daí advirão Por outro lado, na velhice os pais e avós não terão um calor humano que os rodeie, mas viverão cada vez mais sós, entregues a um sofrimento que conduzirá muitos ao suicídio.
e) Para fazer face às necessidades terá de se abrir as portas à imigração o que, sendo seguramente um valor, poderá, no entanto, acarretar graves problemas. Uma afluência rápida, maciça e sem controlo não possibilitará uma integração adequada. Se os imigrantes não forem bem integrados e não se respeitarem os seus direitos dar-se-ão inevitavelmente confrontos raciais e xenófobos que poderão degenerar em tumultos, batalhas tribais, guerras civis ou em tiranias totalitárias. As gerações daqueles que nascem em subúrbios degradados e desumanizados poderão ceder mais facilmente à tentação de viver do crime.
f) Os países ricos procurarão jovens quadros qualificados nos países mais rejuvenescidos, embora mais pobres. Sem esse pessoal habilitado essas nações mergulharão cada vez mais na pobreza.
g) A memória civilizacional - cultural, científica e técnica - para perdurar precisa de um suporte humano suficiente, isto é, de muita gente nova, de renovação de gerações, se não tenderá a extinguir-se. Sem memória ou com uma memória esclerosada a humanidade regredirá.
h) Como é hoje sobejamente sabido a criatividade e novidade dependem não só da memória viva mas também de uma multidão muito abundante de jovens que interajam e comuniquem entre si e com as gerações mais velhas. Sem esta criatividade e novidade o futuro e o progresso ficam comprometidos.
i) Minguando o número de pessoas diminui o mercado e aumenta o desemprego, com todas as consequências negativas que isso acarreta.
8 – Não será fácil mudar uma mentalidade construída fria e sistematicamente ao longo destas últimas décadas. Tanto mais que ela se organizou política e socialmente atabafando as possibilidades de regeneração. Mas a verdade é que estamos num caminho suicidário que tem provocado imenso sofrimento e cujo final só pode desembocar na morte. Creio, no entanto, que se tomarmos consciência da gravidade do problema encontraremos as soluções adequadas. Talvez se pudesse começar por facilitar a entrada no mercado de trabalho mais cedo. Não se percebe, por exemplo, porque é que toda a gente tem de tirar cursos tão longos e porque é que muitos cursos estão organizados de maneira a que não possibilitem uma aprendizagem/trabalho que possa ser remunerada. Importa também uma viragem cultural e de mentalidades. Creio que, neste ponto, o contributo da Igreja será fundamental.
Consideremos algumas:
1 – O cada vez maior distanciamento entre o fim da puberdade – que não se sabe exactamente porquê tem surgido mais precocemente – e o matrimónio tende a aumentar a promiscuidade sexual. Esta por sua vez provoca um incremento das doenças sexualmente transmissíveis (muitas delas incuráveis), do recurso à esterilização, à contracepção e ao aborto;
2 – O facto de, desde cedo, não se assumirem responsabilidades esponsais e parentais dificulta o amadurecimento, dilatando o individualismo, que tende a cristalizar. Estas características estorvam a criação de vínculos, as “uniões” instáveis ou de facto, a recusa da procriação, o menosprezo da família;
3 – Por não se terem “adestrado” numa comunhão de vida e na construção de um projecto comum quando a idade jovem, pelas suas características de flexibilidade, o permitiria, têm uma dificuldade muito acrescida de viverem uma comum união, tendendo antes a uma sobreposição. O que facilita o divórcio, que por sua vez destrói a família.
4 – O divórcio favorece a poligamia sucessiva desprotegendo a mulher e os filhos. O que aumenta a pobreza e o desamparo integral. Os filhos experimentam a fragmentação interior e baixos níveis de auto-estima; são mais susceptíveis de se deprimir e de terem insucesso escolar; ganham medo ao casamento, adiando-o sucessivamente até idade tardia ou substituindo-o por formas de coabitação sem compromisso; têm, ainda, se casados, uma probabilidade muito maior de, virem, também a divorciar-se.
5 – Não terem aproveitado a pujança da fertilidade nos anos mais jovens, terem vivido muitos anos tomando a pílula ou terem até realizado um ou mais abortos obstaculiza a geração de filhos. Esta dificuldade pode transformar-se numa verdadeira obsessão desnorteando o casal a ponto de recorrer à procriação tecnicamente assistida, a qual provoca um número incontável de mortes em seus filhos na fase embrionária. Muitos destes filhos, na sua fase inicial, serão abandonados a uma cruel crio preservação (congelação) ou/e a uma horrenda experimentação. Por outro lado, os casais, em especial a mulher, são submetidos a uma violência brutal.
6 – Tendo perdido o vigor próprio dos anos mais jovens não se atrevem a ter muitos filhos, dando-se também por este motivo um decréscimo da natalidade.
7 – O decréscimo demográfico devido à quebra de natalidade é gerador de graves problemas:
a) Não havendo renovação das gerações a pirâmide geracional tende a inverter-se. O vértice diminuto, agora constituído por jovens, assenta no solo enquanto que a larga base de idosos passa para o topo. Esta situação torna sempre cada vez mais difícil o regresso à posição natural uma vez que é necessário que cada vez menos jovens tenham cada vez mais filhos.
b) Uma vez que há cada vez menos jovens a trabalhar para um número cada vez maior de velhos as pensões tenderão a tornar-se insustentáveis. E uma vez que o produto maioritário do trabalho irá para os reformados e não para os próprios produtores ou seus filhos isso gerará inevitavelmente tensões sociais que conduzirão à reivindicação da eutanásia. Aliás, como excelentemente observou M Schooyaans “se se autoriza os pais a matar os filhos, tarde ou cedo terá de se autorizar os filhos a matarem seus pais”.
c) Uma vez que o peso eleitoral dos mais idosos, por serem multidão, é maior, serão eles a decidir o destino dos dinheiros. Sendo que o seu estado de saúde é, devido à idade avançada, mais precário e exige investimentos cada vez maiores, em material e pessoal de saúde cada vez mais sofisticados, diminuirá o orçamento para outras coisas também importantes tais como o armamento que garanta a defesa dos países (nem o número de jovens será suficiente para organizar forças armadas eficazes.) Não tendo, estes, capacidade de dissuasão transformam-se numa tentação apetecível e numa presa fácil para nações mais populosas, dando ocasião a guerras e invasões.
d) A queda da natalidade provoca uma escassez ou mesmo, inúmeras vezes, o desaparecimento de irmãos, primos, tios. Desaparecendo esta rede de vínculos humanos a socialização e educação tornam-se cada vez mais árduas na família e terá de ser o estado a tomar conta das crianças, desde a mais tenra idade, com todos os graves inconvenientes que daí advirão Por outro lado, na velhice os pais e avós não terão um calor humano que os rodeie, mas viverão cada vez mais sós, entregues a um sofrimento que conduzirá muitos ao suicídio.
e) Para fazer face às necessidades terá de se abrir as portas à imigração o que, sendo seguramente um valor, poderá, no entanto, acarretar graves problemas. Uma afluência rápida, maciça e sem controlo não possibilitará uma integração adequada. Se os imigrantes não forem bem integrados e não se respeitarem os seus direitos dar-se-ão inevitavelmente confrontos raciais e xenófobos que poderão degenerar em tumultos, batalhas tribais, guerras civis ou em tiranias totalitárias. As gerações daqueles que nascem em subúrbios degradados e desumanizados poderão ceder mais facilmente à tentação de viver do crime.
f) Os países ricos procurarão jovens quadros qualificados nos países mais rejuvenescidos, embora mais pobres. Sem esse pessoal habilitado essas nações mergulharão cada vez mais na pobreza.
g) A memória civilizacional - cultural, científica e técnica - para perdurar precisa de um suporte humano suficiente, isto é, de muita gente nova, de renovação de gerações, se não tenderá a extinguir-se. Sem memória ou com uma memória esclerosada a humanidade regredirá.
h) Como é hoje sobejamente sabido a criatividade e novidade dependem não só da memória viva mas também de uma multidão muito abundante de jovens que interajam e comuniquem entre si e com as gerações mais velhas. Sem esta criatividade e novidade o futuro e o progresso ficam comprometidos.
i) Minguando o número de pessoas diminui o mercado e aumenta o desemprego, com todas as consequências negativas que isso acarreta.
8 – Não será fácil mudar uma mentalidade construída fria e sistematicamente ao longo destas últimas décadas. Tanto mais que ela se organizou política e socialmente atabafando as possibilidades de regeneração. Mas a verdade é que estamos num caminho suicidário que tem provocado imenso sofrimento e cujo final só pode desembocar na morte. Creio, no entanto, que se tomarmos consciência da gravidade do problema encontraremos as soluções adequadas. Talvez se pudesse começar por facilitar a entrada no mercado de trabalho mais cedo. Não se percebe, por exemplo, porque é que toda a gente tem de tirar cursos tão longos e porque é que muitos cursos estão organizados de maneira a que não possibilitem uma aprendizagem/trabalho que possa ser remunerada. Importa também uma viragem cultural e de mentalidades. Creio que, neste ponto, o contributo da Igreja será fundamental.
Nuno Serras Pereira
07. 12. 2004
A Gravidez é uma Presença, não uma Doença
É cousa conhecida e sabida que o uso de mensagens subliminares é o melhor meio de alcançar os objectivos da propaganda – basta lembrar Goebbels. Estas mensagens de tão subtis parecem que o não são, ou seja, que não existem, e de tão repetidas tornam-se «evidências» indiscutíveis.
Isto é claro, por exemplo, no que diz respeito à anticoncepção ou, como hoje costuma dizer-se, contracepção. Nos dias que correm, há uma convicção generalizada de que estas substâncias e artefactos, a que se recorre para evitar a concepção, são medicamentos. Por isso o Estado os subsidia, com o dinheiro dos nossos impostos; os médicos - nos hospitais, nos centros de saúde, nas consultas da caixa, na clínica privada - receitam-nos largamente; as farmácias promovem-nos e vendem-nos; algumas consultas de «planeamento familiar» distribuem-nos gratuitamente; os meios de comunicação social publicitam-nos; os «educadores sexuais» recomendam-nos com insistência desusada... Por outro lado, quem contra ela (a anticoncepção) bradar é tido como retrógrado, perigoso fundamentalista, hostilizador da ciência, adverso ao progresso, inimigo da medicina.
Ora, convém lembrar que um medicamento é uma substância a que se recorre para curar ou aliviar enfermidades. A mensagem que passa é, pois, a seguinte: a gravidez, pelo menos a «não desejada», é uma doença. «Uma doença sexualmente transmissível». Isto que é dito, implicitamente, através desta mentalidade, destes usos e costumes, é afirmado (as citações são muito abundantes) explicitamente e com todas as letras pelos ideólogos que décadas atrás começaram a promover este estado de coisas.
E no entanto, uma mulher saudável é naturalmente fértil. Enquanto que uma outra que não consiga ter filhos, por padecer de esterilidade ou de infertilidade, procura ansiosamente tratamento para a sua enfermidade. De onde se conclui que há muitas mulheres que tomam substâncias para adoecer o seu corpo de modo a que não possam conceber. É caso para perguntar quem é retrógrado e inimigo da medicina.
Porém, o mais grave é que a aceitação desta mentalidade faz com que consideremos a pessoa humana concebida, essencialmente, uma doença – como consequência lógica se falha a contracepção recorre-se ao aborto. De tão habituados que estamos a definir a gravidez a partir da mãe, esquecemo-nos de que o mais importante é reconhecê-la a partir daquilo que faz com que a mulher se torne mãe. Este «aquilo» é um «aquele» ou «aquela», isto é, alguém - um filho ou uma filha. De facto, a gravidez só secundariamente é um estado da mulher adulta, porque esse estado é consequência de uma presença. A presença de uma pessoa pequenina que está a crescer no seio de sua mãe. Isto é, a nossa presença, alguns anos, poucos ou muitos, atrás.
Desde o primeiro instante, ou seja, desde a concepção, quando se uniram o património genético do nosso pai e da nossa mãe, que começámos a ser, com uma identidade genética única, singular e irrepetível. Iniciámos a nossa jornada da vida sendo uma só célula, quase invisíveis a olho nu, incipientes, extremamente vulneráveis, desabrochando para a vida com a inocência mais absoluta que se possa imaginar, frágeis, indefesos, totalmente confiados à protecção da mãe, e fomos crescendo numa continuidade, sem dissolução, sem saltos qualitativos, sendo que a única coisa que se nos «acrescentou» foi a alimentação. Por isso a «interrupção voluntária da gravidez» é um homicídio na forma de aborto, uma morte violenta e cruel, de que não poucas vezes, a mulher, por muitas e variadas razões, na altura não se apercebe, mas que mais tarde virá a pagar caro, tornando-se também uma vítima do crime perpetrado.
Nuno Serras Pereira
29. 05. 2001
Isto é claro, por exemplo, no que diz respeito à anticoncepção ou, como hoje costuma dizer-se, contracepção. Nos dias que correm, há uma convicção generalizada de que estas substâncias e artefactos, a que se recorre para evitar a concepção, são medicamentos. Por isso o Estado os subsidia, com o dinheiro dos nossos impostos; os médicos - nos hospitais, nos centros de saúde, nas consultas da caixa, na clínica privada - receitam-nos largamente; as farmácias promovem-nos e vendem-nos; algumas consultas de «planeamento familiar» distribuem-nos gratuitamente; os meios de comunicação social publicitam-nos; os «educadores sexuais» recomendam-nos com insistência desusada... Por outro lado, quem contra ela (a anticoncepção) bradar é tido como retrógrado, perigoso fundamentalista, hostilizador da ciência, adverso ao progresso, inimigo da medicina.
Ora, convém lembrar que um medicamento é uma substância a que se recorre para curar ou aliviar enfermidades. A mensagem que passa é, pois, a seguinte: a gravidez, pelo menos a «não desejada», é uma doença. «Uma doença sexualmente transmissível». Isto que é dito, implicitamente, através desta mentalidade, destes usos e costumes, é afirmado (as citações são muito abundantes) explicitamente e com todas as letras pelos ideólogos que décadas atrás começaram a promover este estado de coisas.
E no entanto, uma mulher saudável é naturalmente fértil. Enquanto que uma outra que não consiga ter filhos, por padecer de esterilidade ou de infertilidade, procura ansiosamente tratamento para a sua enfermidade. De onde se conclui que há muitas mulheres que tomam substâncias para adoecer o seu corpo de modo a que não possam conceber. É caso para perguntar quem é retrógrado e inimigo da medicina.
Porém, o mais grave é que a aceitação desta mentalidade faz com que consideremos a pessoa humana concebida, essencialmente, uma doença – como consequência lógica se falha a contracepção recorre-se ao aborto. De tão habituados que estamos a definir a gravidez a partir da mãe, esquecemo-nos de que o mais importante é reconhecê-la a partir daquilo que faz com que a mulher se torne mãe. Este «aquilo» é um «aquele» ou «aquela», isto é, alguém - um filho ou uma filha. De facto, a gravidez só secundariamente é um estado da mulher adulta, porque esse estado é consequência de uma presença. A presença de uma pessoa pequenina que está a crescer no seio de sua mãe. Isto é, a nossa presença, alguns anos, poucos ou muitos, atrás.
Desde o primeiro instante, ou seja, desde a concepção, quando se uniram o património genético do nosso pai e da nossa mãe, que começámos a ser, com uma identidade genética única, singular e irrepetível. Iniciámos a nossa jornada da vida sendo uma só célula, quase invisíveis a olho nu, incipientes, extremamente vulneráveis, desabrochando para a vida com a inocência mais absoluta que se possa imaginar, frágeis, indefesos, totalmente confiados à protecção da mãe, e fomos crescendo numa continuidade, sem dissolução, sem saltos qualitativos, sendo que a única coisa que se nos «acrescentou» foi a alimentação. Por isso a «interrupção voluntária da gravidez» é um homicídio na forma de aborto, uma morte violenta e cruel, de que não poucas vezes, a mulher, por muitas e variadas razões, na altura não se apercebe, mas que mais tarde virá a pagar caro, tornando-se também uma vítima do crime perpetrado.
Nuno Serras Pereira
29. 05. 2001
O Acontecimento
O cristianismo é um facto, um acontecimento, uma presença que provoca encontros dos quais brota uma amizade que se vive na companhia.
O acontecimento é a encarnação do Verbo. O Mistério que cria todas as coisas torna-se um de nós, uma presença visível, palpável, audível o eterno comunica-se no tempo, a divindade dá-se na humanidade, o imutável no histórico. Esta Presença, Jesus Cristo, provoca encontros, isto é, embates com a Sua excepcionalidade que dá sentido à existência, que explica a vida. O encontro gera a amizade com Aquele que é a consistência de todas as coisas. Esta amizade vive-se e alimenta-se na companhia daqueles que dela participam. Essa companhia que se prolonga na História é a Igreja. Na companhia, na koinonia, Cristo torna-se presente à vida de cada um. Evangelizar significa testemunhar e irradiar essa amizade universalmente. Sendo, de si, reconciliadora e inclusiva ela vai ao encontro do inimigo distinguindo bem o erro ou o mal a combater daquele que erra ou que peca para transformá-lo em amigo, do distante para torná-lo vizinho, do escravo para convertê-lo em filho.
Amizade verdadeira é a solicitude diligente pelo destino do outro. A benevolência querer o bem, a beneficência fazer o bem e a reciprocidade são lhe essenciais. A amizade é um amor mútuo, afectivo e efectivo, feito ajuda recíproca no caminhar para a meta para a qual fomos criados a santidade, a perfeição, a felicidade, em suma, a bem-aventurança.
Nuno Serras Pereira
O acontecimento é a encarnação do Verbo. O Mistério que cria todas as coisas torna-se um de nós, uma presença visível, palpável, audível o eterno comunica-se no tempo, a divindade dá-se na humanidade, o imutável no histórico. Esta Presença, Jesus Cristo, provoca encontros, isto é, embates com a Sua excepcionalidade que dá sentido à existência, que explica a vida. O encontro gera a amizade com Aquele que é a consistência de todas as coisas. Esta amizade vive-se e alimenta-se na companhia daqueles que dela participam. Essa companhia que se prolonga na História é a Igreja. Na companhia, na koinonia, Cristo torna-se presente à vida de cada um. Evangelizar significa testemunhar e irradiar essa amizade universalmente. Sendo, de si, reconciliadora e inclusiva ela vai ao encontro do inimigo distinguindo bem o erro ou o mal a combater daquele que erra ou que peca para transformá-lo em amigo, do distante para torná-lo vizinho, do escravo para convertê-lo em filho.
Amizade verdadeira é a solicitude diligente pelo destino do outro. A benevolência querer o bem, a beneficência fazer o bem e a reciprocidade são lhe essenciais. A amizade é um amor mútuo, afectivo e efectivo, feito ajuda recíproca no caminhar para a meta para a qual fomos criados a santidade, a perfeição, a felicidade, em suma, a bem-aventurança.
Nuno Serras Pereira
O Amor
1. “Deus é amor”. Uno na Sua essência, não é solitário, mas é comunhão de três Pessoas iguais e distintas. O Pai dá-se totalmente, gerando eternamente, nessa dádiva de Si mesmo, o Filho, que é total acolhimento e resposta de amor ao amor que o gerou. Nessa união dos dois, o Pai espira eternamente pelo Filho e com o Filho o ‘entre’, o ‘nós’ ou a comunhão, que é o Espírito Santo.
2. Deus criou o homem, em Cristo, à Sua imagem. Ser feito à imagem é-lhe constitutivo, não algo que se lhe junta. A imagem é o próprio homem, a sua identidade, a sua estrutura. Só no amor é ele mesmo, porque é imagem do amor, amor participado, feito pelo amor, para o amor. (A imagem pelo pecado deformada é em Cristo restaurada.) Amor é relação, diálogo, comunicação, doação e acolhimento incondicionais. Por isso, o homem só se encontra e realiza no “dom sincero de si mesmo” e no acolhimento incondicional dos outros. O amor não exclui, pois, ninguém.
Dando-se a todos, serve, com uma entrega radical, como Cristo, em especial os que mais precisam. A vida mais sofrida é a que mais carece de ser acolhida; a vida mais desamparada ou desgraçada é a que mais necessita de ser amada. “A dignidade da vida não está ligada só às suas origens, ao seu vir de Deus, mas também ao seu fim, ao seu destino de comunhão com Deus ...”.
Sendo o homem amor criado, se faz alguma coisa incompatível com o amor, contradiz a sua identidade, deformando-a. Eliminar voluntária e directamente qualquer ser humano inocente é sempre incompatível com a justiça e o amor. Quem o faz é gravemente injusto e violento para com o outro, imagem de Deus, e simultaneamente contraria, desfigurando-a, a própria identidade de ser racional e social, feito para amar, não para matar.
3. A Igreja, ao proclamar que toda a vida humana inocente, sem excepção absolutamente nenhuma, é sagrada e inviolável desde o momento da concepção, não faz mais do que servir o homem, recordando-lhe a sua verdade, lembrando o que Deus revelou e Cristo exemplificou.
Nuno Serras Pereira
2. Deus criou o homem, em Cristo, à Sua imagem. Ser feito à imagem é-lhe constitutivo, não algo que se lhe junta. A imagem é o próprio homem, a sua identidade, a sua estrutura. Só no amor é ele mesmo, porque é imagem do amor, amor participado, feito pelo amor, para o amor. (A imagem pelo pecado deformada é em Cristo restaurada.) Amor é relação, diálogo, comunicação, doação e acolhimento incondicionais. Por isso, o homem só se encontra e realiza no “dom sincero de si mesmo” e no acolhimento incondicional dos outros. O amor não exclui, pois, ninguém.
Dando-se a todos, serve, com uma entrega radical, como Cristo, em especial os que mais precisam. A vida mais sofrida é a que mais carece de ser acolhida; a vida mais desamparada ou desgraçada é a que mais necessita de ser amada. “A dignidade da vida não está ligada só às suas origens, ao seu vir de Deus, mas também ao seu fim, ao seu destino de comunhão com Deus ...”.
Sendo o homem amor criado, se faz alguma coisa incompatível com o amor, contradiz a sua identidade, deformando-a. Eliminar voluntária e directamente qualquer ser humano inocente é sempre incompatível com a justiça e o amor. Quem o faz é gravemente injusto e violento para com o outro, imagem de Deus, e simultaneamente contraria, desfigurando-a, a própria identidade de ser racional e social, feito para amar, não para matar.
3. A Igreja, ao proclamar que toda a vida humana inocente, sem excepção absolutamente nenhuma, é sagrada e inviolável desde o momento da concepção, não faz mais do que servir o homem, recordando-lhe a sua verdade, lembrando o que Deus revelou e Cristo exemplificou.
Nuno Serras Pereira
Contra a Sábado, em defesa da Virgem Maria
Acerca do artigo “O Código Secreto da Virgem Maria”
Publicado na Revista Sábado na passada quinta-feira, 18-12-2008.
Fonte: Infovitae
Serve o presente texto para corrigir uma série de erros factuais e interpretativos que surgem no referido artigo da revista Sábado. As citações do artigo surgem entre aspas e a azul, enquanto que os comentários e correcções surgem a preto, logo a seguir a cada citação. O autor deste texto agradece a quem identificar eventuais erros nas correcções que aqui são feitas.
«Maria poderia ser consagrada co-redentora e isso significaria que Jesus teria tido a ajuda da mãe na salvação da Humanidade. Algo impensável para a Igreja mais conservadora»
Porquê “impensável”?
É uma consequência lógica da doutrina cristã: sem o “fiat” voluntário de Maria, Cristo não teria nascido. Logo, Maria desempenha um papel decisivo na salvação da Humanidade. O prefixo “co” em “co-redentora” vem do latim “cum”, ou seja, “com”. Não implica igualdade entre Maria e Cristo, mas sim uma cooperação entre ambos.
«Os evangelhos canónicos (…) quase não falam dela. (…) Em todo o Novo Testamento, o seu nome é designado uma dezena de vezes (…)»
Trata-se de um erro factual. O nome concreto de Maria surge dezanove vezes, o dobro do indicado no artigo. Mas se procurarmos por “mãe de Jesus” ou por “sua mãe” (de Jesus), surgem trinta e três ocorrências, o triplo do indicado no artigo. Ver no Anexo o elenco completo das referências à mãe de Jesus em todo o Novo Testamento.
«Paulo, o apóstolo mais importante no desenvolvimento do cristianismo e autor de 14 dos 27 textos que constituem o Novo Testamento, nunca se refere a Maria.»
São Paulo não conheceu Maria pessoalmente. São Paulo não teve contacto com o Evangelho de São Lucas (o evangelista que mais escreve sobre Maria) nem com a tradição mariana que foi posteriormente fixada por escrito pelo evangelista, o que explica a quase ausência de Maria das epístolas paulinas. Mas ao mesmo tempo, São Lucas foi companheiro de viagem de São Paulo, pelo que certamente teriam tido ampla oportunidade para debater a figura de Maria e o seu papel na salvação. São Lucas só escreve os Actos dos Apóstolos e o seu Evangelho depois dos anos que passou com São Paulo em viagem.
São Paulo refere (Gálatas 4, 4) que Cristo nasceu de uma mulher tendo em mente a promessa de Deus feita acerca da Mulher e da serpente (Génesis, 3, 15): que seria através de uma mulher que se venceria o Mal, devido à perpétua inimizade fixada por Deus entre a descendência de Eva e a da serpente e da superioridade daquela em relação a esta. Por isso, esse único ponto em que Paulo fala concretamente sobre Maria é crucial porque demonstra que São Paulo tinha bem presente o carácter central e providencial de Maria para a salvação da Humanidade.
«”A imagem que conhecemos de Nossa Senhora ao colo tem origem nas imagens de Ísis com o filho Horus”, explica Paulo Mendes Pinto.»
A imagem de uma mãe com o filho ao colo é suficientemente universal na cultura da humanidade para ser necessário especular ligações ao Antigo Egipto. Para mais, nos primeiros séculos do cristianismo, a religião egípcia era quase uma relíquia do passado. As conquistas de Alexandre, o Grande, espalharam a cultura grega pela bacia do Mediterrâneo e pelo Médio Oriente. Nos primeiros séculos da nossa era, Alexandria era a capital da cultura grega, cultura essa que sem dúvida marcou o cristianismo muito mais do que a egípcia. É muito duvidoso que o cristianismo se tenha inspirado em Ísis e Horus para o modelo da Virgem com o Menino: porque precisaria de o fazer, quando a maternidade é algo de universal?
«Os cristãos dividiam-se em facções e uma delas, a dos arianos, defendia mesmo que Jesus era o filho natural de Maria e José e só depois se tornara o Messias»
É correcto falar em facção ariana, mas esta era minoritária, como se vê logo pela sua derrota esmagadora, por voto, no Concílio de Niceia em 325. As ideias do bispo Ário contrariavam a tradição apostólica, e por isso mesmo, foram rejeitadas pela clara maioria dos bispos reunidos em Niceia. De um total aproximado de 220 bispos, apenas são conhecidos dois apoiantes de Ário: Teónas de Marmarica e Segundo de Ptolemais.
«Perante uma situação que ameaçava tornar-se incontrolável, era urgente definir o culto a Jesus e reduzir o papel de Maria. Foi com este objectivo que, no ano de 325, se convocou o primeiro concílio fundador da Igreja – que só podia acabar da pior maneira, com uma demonstração radical de força. Os bispos reuniram em Niceia (Turquia) e, por maioria, afirmaram Jesus como filho de Deus.»
• O Concílio de Niceia não se reuniu para definir o culto a Jesus ou reduzir o papel de Maria, mas sim para condenar as ideias heréticas do bispo Ário, que contra a tradição apostólica, pretendia reduzir a divindade de Cristo; o Concílio definiu ainda a forma de calcular a data da Páscoa, uma festa móvel[1];
• Porquê “demonstração radical de força”? Uma votação “inter pares”, entre bispos, sobre questões de doutrina é uma demonstração radical de força?
• Em Niceia, não se votou Jesus como Deus: votou-se a condenação dos que não o viam plenamente como tal, os seguidores da heresia de Ário, tendo o Concílio sugerido a palavra “consubstancial” (em grego «homoousios») como garante da unidade divina (em substância) do Pai com o Filho; Jesus sempre foi visto como Deus pelos seus seguidores: um bom exemplo está na obra de Santo Ireneu, datada do final do século II[2], e portanto, anterior ao Concílio de Niceia;
«Atanásio, Bispo de Alexandria, aproveitou o momento e determinou os textos que fariam parte do cânone da Igreja. (…) Sem surpresa, ficou de fora o texto que mais se refere a Maria, o Proto-Evangelho de Tiago.»
• O Concílio de Niceia em 325 não determinou os textos do cânone: o tema nem sequer constou da ordem de trabalhos;
• Os textos do Novo Testamento datam do século I d.C, conforme o acordo dos especialistas; quando muito, o Evangelho de São João e o Livro do Apocalipse de São João datarão do início do século II;
• As compilações do Novo Testamento já estavam consolidadas no final do século II d.C. (o Codex Muratori[3], a mais antiga compilação conhecida dos textos neotestamentários, é datada quase unanimemente entre 180-200 d.C.);
• Proto-evangelho de Tiago: este texto não foi deixado de parte por se referir a Maria, mas sim por não ser considerado factual; o proto-evangelho de Tiago não apresenta problemas doutrinais, e de facto, não poucos dos seus elementos passaram a integrar a tradição popular cristã; o texto foi excluído do cânone por conter detalhes fantasiosos e inverosímeis[4].
«De tal forma que, no século V, a Igreja foi obrigada a reconhecê-lo. (…) E, em 10 dias, Maria passaria de segredo envergonhado a rainha da Igreja»
Custa a acreditar que uma transformação tão profunda, a ter ocorrido, como se pretende no artigo, teria ocorrido em apenas dez dias. Qual é a base histórica para esta afirmação? Porque razão seria a mãe de Cristo (Deus para os cristãos) um “segredo envergonhado”? A conclusão de Éfeso, de que Maria é Mãe de Deus (“teotokos”), é a conclusão lógica e necessária para todo aquele que defende que Cristo é Deus.
«O concílio decorreu em Julho de 431 na cidade de Éfeso (Turquia) e foi no mínimo escandaloso. Cirilo, que partia em desvantagem, uma vez que o imperador apoiava Nestório, enviou agentes a Constantinopla e distribuiu prendas e subornos entre os bispos. Depois, aproveitou a sorte. Foi o primeiro a chegar a Éfeso e nem esperou pelos bispos partidários de Nestório. Sem autorização imperial, abriu o concílio e, recorrendo-se de todos os textos antigos, mesmo dos não reconhecidos pela Igreja, contou a história de Maria e acrescentou novidades. Apresentou-a como virgem perpétua e garantiu que, depois de morrer, fora elevada ao céu ali mesmo, em Éfeso.»
• Porque razão se diz que o concílio “foi no mínimo escandaloso”?
• Porque razão se diz que “Cirilo partia em desvantagem”, quando era o séquito de Cirilo (50 bispos) o maior, quando comparado com os apoiantes de Nestório (16 bispos)? Para mais, o papa Celestino I, numa carta de 11 de Agosto de 430, encarrega o Patriarca Cirilo da responsabilidade de dirigir o Concílio; o imperador bizantino, não tendo autoridade em teologia, tomou inicialmente o partido de Nestório, mas após o fecho do concílio, aceitou as suas conclusões;
• Quais são as evidências históricas dos ditos “subornos”?
• “Foi o primeiro a chegar a Éfeso” é um erro factual: Nestório chegou antes de Cirilo, ou na melhor das hipóteses, chegou no mesmo dia que este (vide Actas Coptas), um pouco antes do Pentecostes;
• O papa Celestino I, tendo declarado heréticas as ideias de Nestório, deu-lhe dez dias para as repudiar; a intenção do Papa era usar o concílio para julgar as ideias de Nestório; no entanto, este não quis comparecer nas sessões: foi três vezes convocado para comparecer, e recusou todas; o mandato de Cirilo dava-lhe poder para iniciar o concílio após os dez dias concedidos a Nestório; Cirilo deu um prazo maior, tendo iniciado o concílio apenas a 22 de Junho;
• Não se sabe se o atraso do Patriarca João de Antioquia, amigo de Nestório, foi um atraso propositado ou acidental; ao chegar ao concílio apenas no dia 27 de Junho, João decidiu acusar Cirilo de heresia, mas a sua posição foi rejeitada por todos os restantes bispos, e foi o próprio João a ver-se excomungado pelo Concílio[5].
«Maria tinha as características necessárias para ser uma figura divina: era mulher e mãe (…)», explica o professor de Ciência das Religiões Paulo Mendes Pinto.
Esta afirmação é incompreensível no contexto cristão. Sabe-se que, em certos politeísmos, certas deusas eram associadas à sexualidade e à maternidade. Mas no cristianismo, só há um Deus, e Deus não tem sexo, nem masculino nem feminino. Maria não é nenhuma “deusa”, nem nunca foi definida como divina pela doutrina cristã.
A doutrina cristã é muito explícita no considerar Maria como mulher, ou seja, plenamente humana. A doutrina da Imaculada Conceição, definindo que Maria desde o seu início não foi tocada pelo pecado original, na prática equipara-a ao estado de Adão e Eva antes de pecarem, pelo que essa doutrina não a eleva a um estatuto divino. A doutrina da sua”dormição” e ascensão aos céus também não altera a sua natureza humana, bem como a doutrina da sua virgindade perpétua. Ser declarada mãe de Deus também não a torna divina: ela é a progenitora humana de Cristo, que é Deus feito Homem.
«Os primeiros indícios desta teoria surgiram por volta do ano 178 d.C. No texto Da Verdadeira Doutrina, o filósofo grego Celso escreveu que Maria “engravidara de um soldado romano chamado Panthera”»
É preciso dizer que a dita obra Alethes Logos, do filósofo platónico Celso (que seria romano e não grego), está desaparecida há séculos e só a conhecemos através da extensa obra (oito volumes) de refutação escrita pelo escritor cristão Orígenes em 248, Contra Celsum[6]. Orígenes teve tanto cuidado na sua refutação que foi possível a partir dela reconstruir a quase totalidade do texto original de Celso. Este facto vai contra a ideia geral do artigo, que seria a de que a Igreja teria tentado ocultar verdades sobre Maria e sobre Jesus. Ora a verdade é que só sabemos desta teoria de Celsus acerca do soldado romano Panthera porque um autor cristão, Orígenes, a contestou por escrito. Se o objectivo fosse a ocultação do segredo, porque não teria Orígenes ficado calado?
Para mais, a teoria proposta por Celso é uma corruptela de uma teoria hebraica mais antiga. Segundo algumas fontes hebraicas que visavam desacreditar o relato cristão[7], Jesus seria filho de Pandira (ou Panthira) e Stada e teria vivido no tempo dos Macabeus, ou seja, um século antes de Cristo. Ele teria aprendido magia no Egipto, teria sido um “sedutor do povo” e teria sido enforcado numa árvore na véspera da Páscoa. O objectivo desta propaganda hebraica anticristã estava em situar a vida de Cristo um século antes da destruição do Segundo Templo, para contrariar a associação de Cristo às profecias do Antigo Testamento acerca do destino do Templo.
«Mas em 1859 foi descoberta na Alemanha uma nova peça do puzzle. Num cemitério romano foi encontrada uma lápide de um soldado romano chamado Tiberius Julius Abdes Pantera. No epitáfio lia-se que Pantera era de Sídon, uma vila a norte da Galileia, e prestara serviço na primeira coorte de arqueiros, a mesma que segundo registos romanos esteve presente na Rebelião da Galileia, no ano 4 a.C. – o que coloca Panthera perto de Nazaré na altura em que Maria teria engravidado»
Não compreendemos como é que isto pode ser considerado sequer um indício histórico. Em História não se trabalha com bases tão frágeis. Pantera era um apelido muito frequente, sobretudo entre soldados romanos[8]. Descobrir um soldado de apelido Pantera na província da Galileia por altura do nascimento de Cristo não faz desse soldado pai de Cristo.
«A Igreja ensina que, mesmo depois de dar à luz Jesus, Maria permaneceu virgem até morrer. Uma ideia estranha se pensarmos que no tempo de Jesus o conceito de voto de virgindade não existia na cultura judaica. “Permanecer virgem era impensável, todas as mulheres judias sonhavam em conceber o Messias”, explica Rui Alberto Silva.»
A ideia não é estranha, tendo em conta que Maria casou muito nova com José, sendo este já bastante idoso, o que permite pensar que Maria terá sido viúva muito nova. Para permanecer virgem, bastaria não ter voltado a casar. O que é estranho nas palavras de Rui Alberto Silva, mesmo admitindo um contexto cultural adverso ao celibato, é que este parece sugerir que, entre o povo judeu ao tempo de Jesus, não existiria nem um só caso de uma mulher que tivesse permanecido virgem durante toda a vida!
«Outros responsabilizam o autor do evangelho por ter traduzido mal a palavra grega adelfós, que significaria primos.»
Trata-se de um equívoco: a palavra grega “adelphos” deve ser traduzida literalmente como “irmão”[9]. Pode significar, quer um irmão biológico, quer um “irmão” na fé cristã. Os primeiros cristãos não se chamavam a si mesmos “cristãos” mas sim “irmãos”[10]. Sem factos que o comprovem, não há razões para interpretar a palavra “adelphos” em São Marcos 6 no sentido biológico.
Em relação à frase do artigo, há ainda outro equívoco: o Evangelho segundo São Marcos é já uma obra grega no seu original. Logo, o autor do evangelho escreveu-o em grego, e portanto, não fez qualquer tradução. Os problemas de tradução surgem muito depois, com o latim (usando na Vulgata) e com as línguas vernaculares.
«Tiago seria o verdadeiro sucessor de Jesus, e não Pedro, como acabou por acontecer. Uma das provas reside no Evangelho de Tomé, descoberto no Egipto em 1945, e onde está escrito que Jesus designou Tiago como seu sucessor.»
Não se trata de uma prova: o facto de os autores do texto gnóstico intitulado “Evangelho de Tomé” atribuírem tais palavras a Jesus[11] não prova que tal tenha ocorrido de facto. O dito Evangelho de Tomé é a segunda obra do códice II de Nag Hammadi, está escrito em copta e data do século IV. Provavelmente, foi composto na Síria. É quase certo que este texto se baseou parcialmente em textos ou fragmentos mais antigos[12], mas a datação e identificação das fontes usadas no Evangelho de Tomé é um tema ainda em aberto. Nenhum historiador sério afirma que este texto é da autoria do apóstolo Tomé.
Bernardo Sanchez da Motta
(bernardo@observit.com.pt)
ANEXO – Referências a Maria, mãe de Cristo, no Novo Testamento
1. São Mateus 1,16
2. São Mateus 1,18
3. São Mateus 1,20
4. São Mateus 2,11
5. São Mateus 2,13
6. São Mateus 2,14
7. São Mateus 2,20
8. São Mateus 2,21
9. São Mateus 12,46
10. São Mateus 13,55
11. São Marcos 6,3
12. São Lucas 1,27
13. São Lucas 1,30
14. São Lucas 1,34
15. São Lucas 1,38
16. São Lucas 1,39
17. São Lucas 1,41
18. São Lucas 1,46
19. São Lucas 1,56
20. São Lucas 2,5
21. São Lucas 2,16
22. São Lucas 2,19
23. São Lucas 2,33
24. São Lucas 2,34
25. São Lucas 2,48
26. São Lucas 2,51
27. São João 2,1
28. São João 2,3
29. São João 2,5
30. São João 2,12
31. São João 19,25
32. São João 19,26
33. Actos dos Apóstolos 1,14
34. Carta de São Paulo aos Gálatas 4, 4
________________________________________
[1] Mais detalhes sobre o Concílio de Niceia e o pensamento de Ário podem ser encontrados na obra de Hefele, Histoire des Conciles, Tomo I, primeira parte, Paris, Letouzey et Ané, 1907, pp. 335-362.
[2] “Provas, a partir dos escritos apostólicos, de que Jesus Cristo era um e o mesmo, o único Filho de Deus, Deus perfeito e homem perfeito”, em Adversus Haereses (Book III, Chapter 16), by St. Irenaeus of Lyons, do site da Catholic Encyclopedia, em http://www.newadvent.org.
[3] O Codex Muratori deve o seu nome ao seu descobridor, e primeiro editor, Luigi Antonio Muratori (1672-1750), que em 1740 publica em Milão a obra Antiquitates italicae, em cujo livro terceiro é editado pela primeira vez o dito códice. Trata-se da compilação mais antiga que é conhecida do cânone do Novo Testamento. O Codex Muratori encontra-se na Biblioteca Ambrosiana de Milão. Para mais detalhes, consultar o artigo Muratorian Canon no site da Catholic Encyclopedia.
[4] Ver, por exemplo, o relato da natividade, embelezado com inúmeros detalhes de pura fantasia: http://www.newadvent.org/fathers/0847.htm
[5] Detalhes históricos sobre o Concílio de Niceia retirados da Catholic Encyclopedia, em http://www.newadvent.org/cathen/05491a.htm. Para um relato mais pormenorizado e com referência às fontes primárias e secundarias, ver Hefele, Histoire des Conciles, Tomo II, primeira parte, pp. 219-419.
[6] Ver http://books.google.pt/books?id=wsKLIV3TpOYC.
[7] Estudadas por John Owen, em An Exposition of the Epistle to the Hebrews, vol. I (1668), na segunda edição de George Wright, 1812, pp. 378-380, http://books.google.pt/books?id=PdEUAAAAYAAJ.
[8] É a conclusão do estudo Der Name Panthera, de Deissmann, estudo publicado em Orient. Stud. f. Nöldeke (1906), pp.871 e ss., cfr. edição crítica de Henry Chadwick da obra de Orígenes, Contra Celsum (http://books.google.pt/books?id=wsKLIV3TpOYC&printsec=frontcover&dq=contra+celsum#PPA32,M1).
[9] “Adelphoi” como “irmãos”, “adelphe” como “irmã” e “adelphai” como “irmãs”.
[10] Ver o estudo de Michael Marlowe, em http://www.bible-researcher.com/adelphos.html. Existem trinta referências nos Actos dos Apóstolos e centro e trinta nas cartas de São Paulo, do uso de “adelphos” como irmão na fé.
[11] Ver o lógion 12, na Biblioteca de Nag Hammadi, vol. II, p. 83, Ésquilo, Lisboa, 2005.
[12] Há, por exemplo, fortes paralelos com os fragmentos de Oxyrrinco.
Dilemas do diagnóstico pré-natal
Pode ler aqui um interessante artigo, traduzido para espanhol, de Margaret Somervill, sobre os dilemas do diagnóstico pré-natal. M. Somerville é directora do Centro de Medicina, Ética e Dereito da Universidade de McGill em Montreal, Canadá.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Patriarca de Lisboa contra Eutanásia
Da mensagem de Natal do Cardeal Patriarca: «Penso particularmente nos doentes, sobretudo aqueles para quem o sofrimento se torna tão pesado que lhes tira a alegria de viver. Alguns desistem mesmo de viver e suplicam que os ajudem a morrer. Abram-se à esperança de que Jesus é a fonte; aceitem que a vida é uma batalha a ser travada com coragem e generosidade, que a nossa vida é um mistério que só Deus conhece. Peçam-nos que vos ajudemos a vencer essa batalha, peçam-nos para vos ajudar a viver, mitigando, se possível, o vosso sofrimento. Ninguém tem o direito de ajudar os outros a morrer. A coragem da última etapa da vida pode resumir e salvar essa vida.»
O Menino roubado
Na noite escura e fria de 24 de Dezembro, pela hora de jantar, estavam as ruas desertas quando Pedro se deparou com mais um presépio numa praça da capital. Explodiu então uma irritação subterrânea que durava desde o início das luminosidades em Novembro.
- Arre,! que é demais! Porcaria de superstição! Cambada de alienados!
E num furor trepou pelo estrado, pontapeou duas ovelhas, esbarrou num pastor e, literalmente, esmurrou um rei mago. Chegado à beira de S. José empurrou-o com ambas as mãos exclamando: vai trabalhar ó carpinteiro! Depois, com um riso sarcástico, trejeitou uma vénia a Nossa Senhora dizendo: com sua licença, ó virgem, tásse mesmo a ver… E arrebatou o Menino Jesus, imagem pouco maior que um palmo. Olhou-o de frente e falou com ele como se o pudesse ouvir: escusas de estar com esse sorrisinho idiota e com essa atitude lamechas de bracinhos abertos, que não te gramo nem com molho de tomate. E num acto de cólera tresloucada deitou-lhe a língua de fora e esbugalhou-lhe os olhos. O Menino continuou a sorrir e dos seus olhos irrompeu uma ternura inexplicável que espantou o jovem. Num susto, sem querer pensar no assunto colocou o Menino num dos bolsos do seu Gore-tex xxl. Mal acabara de fechar o blusão com as tiras de velcro deu de caras com dois polícias que na sua ronda dobravam a esquina. Com o ar mais simpático do mundo, logo os saudou:
- Então boas-festas! Um feliz Natal!
- Obrigado. Igualmente para si.
- Azar o vosso, não poderem estar com as famílias. Mas estejam certos que nós reconhecemos o vosso sacrifício, e estamos agradecidos. Olhem, já agora, estranhei passar por aquele presépio e ver imagens derrubadas e o Jesus desaparecido. É incrível a vandalismo, já não há respeito por nada!
E, despedindo-se, seguiu caminho pensando: cretinos, em vez de serem como os seus antepassados romanos… Agora dão em guardar o que deviam crucificar. Alienados.
Crescia nele um tumulto de raiva e ódio, era uma erupção de cólera, um delírio de agressividade violenta. Desatou, então, numa correria desenfreada lançando gritos desarticulados até dar com uma rua escura numa zona em que rareavam as casas de habitação. Como não visse ninguém, tirou do bolso a imagem e com arrebatamento atirou-a ao chão. Para seu espanto, não partiu. Ao pontapeá-la, apesar das botas, sentiu dor nos dedos dos pés. Resolveu, por isso, espezinhá-la saltando-lhe em cima com os dois pés. Porém, a imagem era feita destes materiais modernos que parecem inquebráveis. Ofegante, reconhecendo-se impotente para destruir o menino, olhou ao redor e deparou com um grande caixote do lixo. O lixo é o teu lugar!, pensou com rancor. E num ímpeto de ferocidade abriu a tampa do mesmo e arremessou furiosamente o Menino. Fechou-a de seguida com estrondo e imprecações à mistura. Sentiu-se aliviado embora lhe doesse fortemente a cabeça e vacilasse nos primeiros passos. De repente pareceu-lhe ouvir um choro de bebé. Atribui-o porém à imaginação. Mas à medida que avançava o pranto persistia.
Estacou então. Susteve a respiração para apurar o ouvido. Não havia dúvida, eram gemidos de bebé. Começou, por isso, curioso e ansioso a procurar de onde ele vinha. De pressa chegou à conclusão que o som dos lamentos vinha do caixote do lixo. O coração começou então a bater-lhe fortemente no peito, teve vontade de fugir, as pernas tremiam-lhe, os braços e as mãos convulsivos ora avançavam para a tampa ora retrocediam. Começou a experimentar falta de ar, uma forte ansiedade apoderou-se dele, sobrevieram-lhe suores frios, sentiu-se desfalecer, caiu prostrado na calçada.
Procurou reagir, levantou-se com custo amparado ao contentor, abriu-o, olhou para dentro mas como estivesse quase vazio não conseguiu enxergar o seu conteúdo. Derrubou-o então e lembrando-se que tinha uma led no porta-chaves enfiou-se pela boca do pequeno contentor com ela acesa. Viu então o Menino de costas para cima, deitado ou abraçado a qualquer coisa que o fazia mover-se. A medo retirou a imagem e deparou com um recém-nascido ali abandonado. A visão paralisou-o. De gatas, dentro do caixote, emudecido olhava pasmado para o bebé chorando e para o Menino sorrindo. Ao despertar do letargo, procurou agitado o telemóvel para chamar o 112. Mas por mais que procurasse não dava com ele.
Certamente teria ficado esquecido em casa. Nesse comenos escutou o rumor de um automóvel. Levantou-se ágil, correu para o meio da rua agitando os braços e urrou: pare, pare, urgência. O automobilista assustado pelos esgares e pelo contentor derrubado com o lixo derramado, pôs os máximos, carregou na buzina e acelerou. Como o jovem não se movesse do meio da estrada, o condutor travou a fundo com uma grande chiadeira, engatilhou a marcha atrás enquanto o moço corria ao seu encontro gesticulando aflitivamente. Mas o automóvel foi mais rápido acabando por desaparecer na esquina. Desconsolado, olhou de novo o bebé e sentiu uma profunda e estranha comoção. Nunca tinha experimentado nada parecido. Era uma atracção fortíssima, um sentimento protector, um estar polarizado por aquela presença tão débil e inocente. Num impulso pegou-lhe ao colo, aconchegou-o a si, beijou-o na fronte e desatou num pranto convulsivo. Aqueles olhos eram duas fontes que jorravam rios de lágrimas.
Nunca chorara tanto na sua vida, nem nunca vira ninguém fazê-lo. Enquanto soluçava com grandes clamores todas aquelas emoções revoltas e furibundas de que padecia desapareciam para dar lugar a uma paz até então desconhecida. De repente, despegou numa corrida desenfreada. Tinha de levar urgentemente a criança ao hospital.
Prorrompeu pela Urgência do hospital de Santa Maria, o mais vizinho dos sítios onde se encontrava, esquivando-se aos seguranças que o seguiram numa correria, só parando quando deparou com uma médica de bata branca e estetoscópio ao pescoço a quem entregou o menino encontrado. Seguiu-se uma balbúrdia de explicações e questionamentos enquanto a criança era limpa, agasalhada e encaminhada para o local adequado.
Depois de identificado e interrogado pela polícia despediram-no com a promessa de poder vir a visitar, quando as condições o permitissem, o bebé que tinha salvado.
À medida que se ia afastando experimentava uma alegria nova, um júbilo inteiramente puro, uma ledice tranquila. Olhava para a noite com satisfação e contentamento. Lembrou-se entretanto que tinha deixado o Menino no lixo do caixote tombado no meio da rua. Apressou o passo e voltou à rua deserta. Um cão vadio focinhava nos restos de comida espalhados no chão. Do outro lado da rua a imagem do Menino encostada ao lancil olhava divertido a refeição do animal.
Abeirando-se do Menino, o jovem baixou-se fazendo menção de agarrá-lo, mas o cão que parecia não ter notado até aí a sua chegada, virou-se ladrando, correu, abocanhou o Menino e colocou-o em posição idêntica no lancil oposto. Depois sentou-se e começou nuns latidos nada ameaçadores, mas difíceis de decifrar. Pasmado, no lado oposto, sem saber o que fazer encostou-se a uma parede. Como o cão silenciasse permanecendo embora no mesmo lugar, fez uma nova tentativa de apanhar o Menino. Mas o bicho tinha-se feito guardião do Menino e não o deixava aproximar-se.
Neste lance deu-se um apagão na cidade. O jovem sentou-se na beira da calçada com ar desconsolado, e como não tivesse com que desabafar começou a narrar os acontecimentos dessa noite ao cão que pelos movimentos das orelhas e as expressões do focinho dava ares de escutá-lo atentamente. Quando chegou à parte de contar que ali tinha voltado com o propósito de restituir o Menino ao presépio, o cão abanou a cauda, deu dois breves latidos, abocanhou o menino e colocou-o no regaço do mancebo.
Estupefacto com o sucedido afagava o animal em gesto de agradecimento enquanto com a outra mão levava o Menino aos lábios para o beijar. Em seguida, ergueu-se decidido a devolver a imagem. Mas a escuridão era tanta que não sabia como orientar-se. Depois de uns passos indecisos sentiu que alguma coisa o repuxava pelas calças. Olhando viu o cão que parecia querer indicar-lhe o caminho. Resolveu-se a segui-lo e reparou então que um grande clarão iluminava intensamente o céu. O rafeiro guiava-o na direcção dessa luminosidade. À medida que ela ia crescendo foi reconhecendo os lugares por onde passava até chegar à praça do presépio. Este estava rodeado de uma multidão de desabrigados que contemplavam maravilhados um Menino mais belo que o sol que a todos abençoava da manjedoura. Num silêncio religioso todos se ajoelharam enquanto embevecidos escutavam uns cânticos misteriosos que esvoaçavam numas asas de fogo. Enlevado naquele milagre, ignoto aos que estavam em suas casas, não reparou numa moça a seu lado que de tanto chorar já tinha os longos cabelos ensopados. Foi o cão que o despertou repuxando-o novamente. Ouvindo os soluços e olhando exclamou: Madalena! Ela como se o seu olhar o atravessasse sem o ver continuava inconsolável.
Ele aproximou-se, abraçou-a, mas ela estremeceu e repulsou-o. Dando um passo atrás, estendeu-lhe timidamente o Menino. Ao vê-lo, ansiada, apertou-o ao peito, pediu-lhe perdão, rogou-lhe milagres. Neste lance, seis asas de fogo envolveram-nos formando uma espécie de redoma viva. Contemplando-se reciprocamente viram a verdade toda em cada um. Choravam mas a agora de alegria, de gratidão.
Tinham tido namoro. Ela engravidara. Ele pressionou-a fortemente, juntamente com os pais dela, para abortar. Resistiu até às nove semanas. Finalmente sob ameaça de ser expulsa de casa por parte do pai, decidiu-se. Foi à “clínica”, sem aceitar companhia. Já na preparação quis desistir. Disseram-lhe que já não era possível. Num momento de distracção do pessoal, escapou-se e fugiu. Chegou a casa e disse secamente que o trabalhinho estava feito. Telefonou ao namorado comunicando o mesmo e dizendo que nunca mais o queria ver. Não podia amar um homem que a obrigava a matar seus filhos. Escondera a gravidez e partejou sozinha nessa noite de 24 de Dezembro, nas traseiras do prédio onde morava. Como chegasse a hora de jantar e não quisesse ser denunciada pelo choro do bebé, envolveu-o em jornais e colocou-o no contentor do lixo para ficar ao abrigo do frio e de ratazanas ou outros animais que pudessem ser nocivos. Quando lá voltara vira o caixote derrubado e destampado.
Os dois polícias com quem Pedro tinha quase chocado, maravilhados por aqueles fenómenos extraordinários, tiraram os bonés e aproximaram-se com reverência. O Menino que tinha permanecido nas mãos de Pedro elevou-se e alargando a redoma que era o seu amor abarcou nela os dois polícias.
Terminados estes mistérios logo se conjuraram em encontrar uma solução que não incriminasse ninguém e que fosse a contento de todos. Como os guardas fossem da esquadra fronteira ao colégio de S. Tomás, na Paróquia do P. Duarte, estavam ao facto do generosíssimo trabalho a favor da vida que ele com o seu Ponto de Apoio à Vida tem desenvolvido. Acharam, por isso, por bem dirigirem-se lá. Uma vez que era noite de Natal seguramente o encontrariam por causa da Missa do Galo. Ao chegarem, pela meia-noite, estava esta a começar. A Igreja abarrotava de gente mas como era mais quente lá dentro do que fora e a noite estava gélida decidiram-se a assistir à Missa coisa que não faziam desde a meninice.
Tudo os encantou. Os cânticos, a atenção das pessoas, a simpatia do P. Duarte, o fogo das suas palavras, os penitentes que iam e vinham dos confessionários. Tocados pela graça sentiram um impulso para se confessarem. Felizmente puderam fazê-lo ao mesmo tempo. Um ao P. Rui e outro ao P. Bento. Depois da absolvição sentiram-se renovados, ressuscitados. Quando o P. Duarte levantou a Hóstia Consagrada pronunciando as palavras rituais - Eis o Cordeiro de Deus; Eis Aquele que tira o pecado do mundo -, o Pedro viu o Menino de braços abertos, sorrindo e penetrando-o com o Seu olhar de amor.
Acabada a celebração. O P. Duarte quis conhecer a criança. Como no hospital lhes dissessem que o bebé estava em estado crítico. Foi baptizado nessa mesma noite. O padrinho foi o polícia mais velho e a madrinha a médica que assistia a criança a quem foi dado o nome de Menino. Depois de uma breve estada na casa de Santa Isabel, conseguida a reconciliação com os pais, a Madalena voltou ao lar. Ela e o Pedro estão em vias de se casar. E a imagem do Menino roubado foi oferecida ao Pedro e está num oratório no seu quarto.
Nuno Serras Pereira
22. 12. 2008
- Arre,! que é demais! Porcaria de superstição! Cambada de alienados!
E num furor trepou pelo estrado, pontapeou duas ovelhas, esbarrou num pastor e, literalmente, esmurrou um rei mago. Chegado à beira de S. José empurrou-o com ambas as mãos exclamando: vai trabalhar ó carpinteiro! Depois, com um riso sarcástico, trejeitou uma vénia a Nossa Senhora dizendo: com sua licença, ó virgem, tásse mesmo a ver… E arrebatou o Menino Jesus, imagem pouco maior que um palmo. Olhou-o de frente e falou com ele como se o pudesse ouvir: escusas de estar com esse sorrisinho idiota e com essa atitude lamechas de bracinhos abertos, que não te gramo nem com molho de tomate. E num acto de cólera tresloucada deitou-lhe a língua de fora e esbugalhou-lhe os olhos. O Menino continuou a sorrir e dos seus olhos irrompeu uma ternura inexplicável que espantou o jovem. Num susto, sem querer pensar no assunto colocou o Menino num dos bolsos do seu Gore-tex xxl. Mal acabara de fechar o blusão com as tiras de velcro deu de caras com dois polícias que na sua ronda dobravam a esquina. Com o ar mais simpático do mundo, logo os saudou:
- Então boas-festas! Um feliz Natal!
- Obrigado. Igualmente para si.
- Azar o vosso, não poderem estar com as famílias. Mas estejam certos que nós reconhecemos o vosso sacrifício, e estamos agradecidos. Olhem, já agora, estranhei passar por aquele presépio e ver imagens derrubadas e o Jesus desaparecido. É incrível a vandalismo, já não há respeito por nada!
E, despedindo-se, seguiu caminho pensando: cretinos, em vez de serem como os seus antepassados romanos… Agora dão em guardar o que deviam crucificar. Alienados.
Crescia nele um tumulto de raiva e ódio, era uma erupção de cólera, um delírio de agressividade violenta. Desatou, então, numa correria desenfreada lançando gritos desarticulados até dar com uma rua escura numa zona em que rareavam as casas de habitação. Como não visse ninguém, tirou do bolso a imagem e com arrebatamento atirou-a ao chão. Para seu espanto, não partiu. Ao pontapeá-la, apesar das botas, sentiu dor nos dedos dos pés. Resolveu, por isso, espezinhá-la saltando-lhe em cima com os dois pés. Porém, a imagem era feita destes materiais modernos que parecem inquebráveis. Ofegante, reconhecendo-se impotente para destruir o menino, olhou ao redor e deparou com um grande caixote do lixo. O lixo é o teu lugar!, pensou com rancor. E num ímpeto de ferocidade abriu a tampa do mesmo e arremessou furiosamente o Menino. Fechou-a de seguida com estrondo e imprecações à mistura. Sentiu-se aliviado embora lhe doesse fortemente a cabeça e vacilasse nos primeiros passos. De repente pareceu-lhe ouvir um choro de bebé. Atribui-o porém à imaginação. Mas à medida que avançava o pranto persistia.
Estacou então. Susteve a respiração para apurar o ouvido. Não havia dúvida, eram gemidos de bebé. Começou, por isso, curioso e ansioso a procurar de onde ele vinha. De pressa chegou à conclusão que o som dos lamentos vinha do caixote do lixo. O coração começou então a bater-lhe fortemente no peito, teve vontade de fugir, as pernas tremiam-lhe, os braços e as mãos convulsivos ora avançavam para a tampa ora retrocediam. Começou a experimentar falta de ar, uma forte ansiedade apoderou-se dele, sobrevieram-lhe suores frios, sentiu-se desfalecer, caiu prostrado na calçada.
Procurou reagir, levantou-se com custo amparado ao contentor, abriu-o, olhou para dentro mas como estivesse quase vazio não conseguiu enxergar o seu conteúdo. Derrubou-o então e lembrando-se que tinha uma led no porta-chaves enfiou-se pela boca do pequeno contentor com ela acesa. Viu então o Menino de costas para cima, deitado ou abraçado a qualquer coisa que o fazia mover-se. A medo retirou a imagem e deparou com um recém-nascido ali abandonado. A visão paralisou-o. De gatas, dentro do caixote, emudecido olhava pasmado para o bebé chorando e para o Menino sorrindo. Ao despertar do letargo, procurou agitado o telemóvel para chamar o 112. Mas por mais que procurasse não dava com ele.
Certamente teria ficado esquecido em casa. Nesse comenos escutou o rumor de um automóvel. Levantou-se ágil, correu para o meio da rua agitando os braços e urrou: pare, pare, urgência. O automobilista assustado pelos esgares e pelo contentor derrubado com o lixo derramado, pôs os máximos, carregou na buzina e acelerou. Como o jovem não se movesse do meio da estrada, o condutor travou a fundo com uma grande chiadeira, engatilhou a marcha atrás enquanto o moço corria ao seu encontro gesticulando aflitivamente. Mas o automóvel foi mais rápido acabando por desaparecer na esquina. Desconsolado, olhou de novo o bebé e sentiu uma profunda e estranha comoção. Nunca tinha experimentado nada parecido. Era uma atracção fortíssima, um sentimento protector, um estar polarizado por aquela presença tão débil e inocente. Num impulso pegou-lhe ao colo, aconchegou-o a si, beijou-o na fronte e desatou num pranto convulsivo. Aqueles olhos eram duas fontes que jorravam rios de lágrimas.
Nunca chorara tanto na sua vida, nem nunca vira ninguém fazê-lo. Enquanto soluçava com grandes clamores todas aquelas emoções revoltas e furibundas de que padecia desapareciam para dar lugar a uma paz até então desconhecida. De repente, despegou numa corrida desenfreada. Tinha de levar urgentemente a criança ao hospital.
Prorrompeu pela Urgência do hospital de Santa Maria, o mais vizinho dos sítios onde se encontrava, esquivando-se aos seguranças que o seguiram numa correria, só parando quando deparou com uma médica de bata branca e estetoscópio ao pescoço a quem entregou o menino encontrado. Seguiu-se uma balbúrdia de explicações e questionamentos enquanto a criança era limpa, agasalhada e encaminhada para o local adequado.
Depois de identificado e interrogado pela polícia despediram-no com a promessa de poder vir a visitar, quando as condições o permitissem, o bebé que tinha salvado.
À medida que se ia afastando experimentava uma alegria nova, um júbilo inteiramente puro, uma ledice tranquila. Olhava para a noite com satisfação e contentamento. Lembrou-se entretanto que tinha deixado o Menino no lixo do caixote tombado no meio da rua. Apressou o passo e voltou à rua deserta. Um cão vadio focinhava nos restos de comida espalhados no chão. Do outro lado da rua a imagem do Menino encostada ao lancil olhava divertido a refeição do animal.
Abeirando-se do Menino, o jovem baixou-se fazendo menção de agarrá-lo, mas o cão que parecia não ter notado até aí a sua chegada, virou-se ladrando, correu, abocanhou o Menino e colocou-o em posição idêntica no lancil oposto. Depois sentou-se e começou nuns latidos nada ameaçadores, mas difíceis de decifrar. Pasmado, no lado oposto, sem saber o que fazer encostou-se a uma parede. Como o cão silenciasse permanecendo embora no mesmo lugar, fez uma nova tentativa de apanhar o Menino. Mas o bicho tinha-se feito guardião do Menino e não o deixava aproximar-se.
Neste lance deu-se um apagão na cidade. O jovem sentou-se na beira da calçada com ar desconsolado, e como não tivesse com que desabafar começou a narrar os acontecimentos dessa noite ao cão que pelos movimentos das orelhas e as expressões do focinho dava ares de escutá-lo atentamente. Quando chegou à parte de contar que ali tinha voltado com o propósito de restituir o Menino ao presépio, o cão abanou a cauda, deu dois breves latidos, abocanhou o menino e colocou-o no regaço do mancebo.
Estupefacto com o sucedido afagava o animal em gesto de agradecimento enquanto com a outra mão levava o Menino aos lábios para o beijar. Em seguida, ergueu-se decidido a devolver a imagem. Mas a escuridão era tanta que não sabia como orientar-se. Depois de uns passos indecisos sentiu que alguma coisa o repuxava pelas calças. Olhando viu o cão que parecia querer indicar-lhe o caminho. Resolveu-se a segui-lo e reparou então que um grande clarão iluminava intensamente o céu. O rafeiro guiava-o na direcção dessa luminosidade. À medida que ela ia crescendo foi reconhecendo os lugares por onde passava até chegar à praça do presépio. Este estava rodeado de uma multidão de desabrigados que contemplavam maravilhados um Menino mais belo que o sol que a todos abençoava da manjedoura. Num silêncio religioso todos se ajoelharam enquanto embevecidos escutavam uns cânticos misteriosos que esvoaçavam numas asas de fogo. Enlevado naquele milagre, ignoto aos que estavam em suas casas, não reparou numa moça a seu lado que de tanto chorar já tinha os longos cabelos ensopados. Foi o cão que o despertou repuxando-o novamente. Ouvindo os soluços e olhando exclamou: Madalena! Ela como se o seu olhar o atravessasse sem o ver continuava inconsolável.
Ele aproximou-se, abraçou-a, mas ela estremeceu e repulsou-o. Dando um passo atrás, estendeu-lhe timidamente o Menino. Ao vê-lo, ansiada, apertou-o ao peito, pediu-lhe perdão, rogou-lhe milagres. Neste lance, seis asas de fogo envolveram-nos formando uma espécie de redoma viva. Contemplando-se reciprocamente viram a verdade toda em cada um. Choravam mas a agora de alegria, de gratidão.
Tinham tido namoro. Ela engravidara. Ele pressionou-a fortemente, juntamente com os pais dela, para abortar. Resistiu até às nove semanas. Finalmente sob ameaça de ser expulsa de casa por parte do pai, decidiu-se. Foi à “clínica”, sem aceitar companhia. Já na preparação quis desistir. Disseram-lhe que já não era possível. Num momento de distracção do pessoal, escapou-se e fugiu. Chegou a casa e disse secamente que o trabalhinho estava feito. Telefonou ao namorado comunicando o mesmo e dizendo que nunca mais o queria ver. Não podia amar um homem que a obrigava a matar seus filhos. Escondera a gravidez e partejou sozinha nessa noite de 24 de Dezembro, nas traseiras do prédio onde morava. Como chegasse a hora de jantar e não quisesse ser denunciada pelo choro do bebé, envolveu-o em jornais e colocou-o no contentor do lixo para ficar ao abrigo do frio e de ratazanas ou outros animais que pudessem ser nocivos. Quando lá voltara vira o caixote derrubado e destampado.
Os dois polícias com quem Pedro tinha quase chocado, maravilhados por aqueles fenómenos extraordinários, tiraram os bonés e aproximaram-se com reverência. O Menino que tinha permanecido nas mãos de Pedro elevou-se e alargando a redoma que era o seu amor abarcou nela os dois polícias.
Terminados estes mistérios logo se conjuraram em encontrar uma solução que não incriminasse ninguém e que fosse a contento de todos. Como os guardas fossem da esquadra fronteira ao colégio de S. Tomás, na Paróquia do P. Duarte, estavam ao facto do generosíssimo trabalho a favor da vida que ele com o seu Ponto de Apoio à Vida tem desenvolvido. Acharam, por isso, por bem dirigirem-se lá. Uma vez que era noite de Natal seguramente o encontrariam por causa da Missa do Galo. Ao chegarem, pela meia-noite, estava esta a começar. A Igreja abarrotava de gente mas como era mais quente lá dentro do que fora e a noite estava gélida decidiram-se a assistir à Missa coisa que não faziam desde a meninice.
Tudo os encantou. Os cânticos, a atenção das pessoas, a simpatia do P. Duarte, o fogo das suas palavras, os penitentes que iam e vinham dos confessionários. Tocados pela graça sentiram um impulso para se confessarem. Felizmente puderam fazê-lo ao mesmo tempo. Um ao P. Rui e outro ao P. Bento. Depois da absolvição sentiram-se renovados, ressuscitados. Quando o P. Duarte levantou a Hóstia Consagrada pronunciando as palavras rituais - Eis o Cordeiro de Deus; Eis Aquele que tira o pecado do mundo -, o Pedro viu o Menino de braços abertos, sorrindo e penetrando-o com o Seu olhar de amor.
Acabada a celebração. O P. Duarte quis conhecer a criança. Como no hospital lhes dissessem que o bebé estava em estado crítico. Foi baptizado nessa mesma noite. O padrinho foi o polícia mais velho e a madrinha a médica que assistia a criança a quem foi dado o nome de Menino. Depois de uma breve estada na casa de Santa Isabel, conseguida a reconciliação com os pais, a Madalena voltou ao lar. Ela e o Pedro estão em vias de se casar. E a imagem do Menino roubado foi oferecida ao Pedro e está num oratório no seu quarto.
Nuno Serras Pereira
22. 12. 2008
Condenada por se recusar a abortar?
Luís Botelho Ribeiro conta o estranho caso de uma mãe que por denunciar as pressões a que foi sujeita para abortar seu filho foi condenada em tribunal.
Que Natal?
1. S. Francisco de Assis, na esteira de S. João Crisóstomo, chamava ao Natal a Festa das Festas, porque nesse dia tinha começado a nossa Salvação. Por isso, apesar de aqueles tempos serem de penitências e mortificações rigorosas, como frei Rufino lhe perguntasse se seria lícito comer carne no Natal caso este se celebrasse num sexta-feira, respondeu-lhe que Deus lhe perdoasse por tal interrogação, pois não só o era como se deveria esfregar as paredes toscas, os muros rudes e as pedras campestres com a mesma carne para que também eles se nutrissem e alegrassem com tamanha festividade. E mais adiantava que se determinava a ir falar com o Imperador para convencê-lo a mandar que, nesse dia, todos os que possuíssem vacas e burros lhes dessem uma ração dupla em honra e memória daqueles animais que com o seu bafo acalentaram o Menino Deus na manjedoura; e que os camponeses espalhassem pelos caminhos sementes e cereais para que também as aves do céu, em especial as cotovias, participassem da alegria da festividade.
S. Francisco é rotulado por alguns autores cristãos como fazendo parte daqueles que eles consideram os santos loucos. De facto, um homem de Deus que em vez de se rodear de escribas para lhes ditar graves, eruditas e densas sentenças que serão estudadas, memorizadas, debatidas, investigadas, contraditadas, reafirmadas, explicitadas, desenvolvidas, interpretadas, durante séculos, se põe num bosque a pregar aos pássaros não será sinal que tem grande pancada? Seja-o ou não, é uma grande consolação saber que a loucura não é necessariamente inconciliável com a santidade.
Este varão de Deus não foi como tanto se apregoa o inventor do presépio, já existia o costume de edificá-los nos mosteiros. A sua inovação consiste em revivê-lo eucaristicamente, numa gruta com o povo da aldeia de Greccio, um jumento e uma vaca. Depois os franciscanos tornaram-se os seus grandes divulgadores.
2. Todas estas lembranças franciscanas me vieram à memória ao passo que ia escutando aquele jovem que tinha diante de mim.
Dizia-me que sempre passara o Natal em família alargada rodeado de fartura e de carinho. Desde as refeições opíparas às decorações luminosas até aos presentes quantiosos, tudo lhe abundara. Mas esse ano tinha-se recusado a celebrar com a família o jantar e a ceia de Natal. Ficara em casa sozinho enquanto todos os outros tinham ido para os avós. Resolvera-se a passar todo o dia em jejum e oração numa atitude de comunhão com aquela mole imensa de humanidade sofredora que não poderia participar da alegria das celebrações e festejos. Fechou-se numa sala austera, sentou-se a uma mesa e meditou longamente várias passagens dos Evangelhos e das epístolas. No silêncio que o rodeava peregrinou espiritualmente até às mais longínquas paragens ao encontro de todos os desditosos e desgraçados, abraçando-os com as suas preces. Depois, carregando-os em seu coração levou-os à Missa da meia-noite, entregando-os ao Senhor. À Comunhão suplicou ao Deus humanado que recebia no Seu íntimo que visitasse com a Sua graça e o Seu favor todos aqueles que nele trazia. Em seguida vagueou pelas ruas desejando Boas-festas e entregando santinhos aos solitários com que se deparava, fossem mendigos, desabrigados, polícias de serviço. Não contente, apanhou vários autocarros e táxis como pretexto para poder desejar Feliz Natal e levar um pouco de companhia a quem trabalhava. Finda essa ronda pegou no automóvel e percorreu troços de auto-estrada de modo a poder felicitar todos os que trabalhavam nas portagens.
Confessava-me então com júbilo que tinha sido o Natal mais feliz de toda a sua vida. Depois franzindo a testa contou-me que muitos na família o recriminaram, que ele se manteve em silêncio e que só lhe vinha à memória o texto evangélico quem amar o pai e a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim. Se um dia este jovem for canonizado, pensei para comigo, também será incluído no catálogo dos loucos?
3. Quando era jovem, após a minha conversão, recordo-me de nas proximidades do Natal ouvir alguns sacerdotes invectivar do púlpito a árvore de Natal, as iluminações, as prendas e o Pai Natal. Mas uma vez escutei um padre que na homilia surpreendeu toda a gente ao afirmar categoricamente que o Natal era a árvore, as iluminações, os presentes e o Pai Natal. Ouviu-se um suspiro de alívio quando acrescentou o presépio.
A propósito das luzes que alumiam as noites longas deste período dizia-nos que eram sinal da Luz verdadeira que veio ao mundo e que a todo o homem ilumina; Luz que expulsa as trevas do pecado, alegrando os corações e capacitando-nos para ver a Verdade.
Depois refutou com erudição que a árvore de Natal tivesse origens pagãs e citando graves mestres e doutores demonstrou tratar-se da Árvore da Vida reencontrada. Aquela, de que os nossos primeiros pais podiam comer no paraíso, tendo assim acesso à imortalidade, vieram a perdê-la após a expulsão devida ao pecado. Mas na plenitude dos tempos de uma outra árvore, a da Cruz, de que a anterior era prefiguração, pende um Fruto que concede a Vida eterna a quem o comer dignamente. Esse fruto disse de Si mesmo quem comer a Minha carne e beber o Meu sangue terá a vida eterna. Este Fruto desta Cruz dá-se-nos em alimento quando o Comungamos Glorioso e Ressuscitado na Eucaristia. O pinheiro que se mantém verde durante todo o ano simboliza a mesma eternidade. As bolas dependuradas, o sacramento da Eucaristia; os Anjos, a corte celestial; as estrelas, aquela que guiou os magos ao presépio; os Pai Natal, os santos. À raiz da árvore muitas famílias colocam o presépio a indicar que Aquele que agora nasce veio para ser crucificado na árvore da Cruz, isto é, veio para nos salvar. Mas que essa árvore que é Ele mesmo está agora verdejante e iluminada pela Ressurreição. No presépio está presente e anuncia-se a Páscoa.
A origem do Pai Natal, continuava na sua pregação o presbítero, está em S. Nicolau um Bispo representado na iconografia de longas barbas brancas e revestido das cores episcopais que foi muito amigo das crianças tendo salvo várias moças da prostituição e ressuscitando três crianças assassinadas. Como morreu no dia 6 de Dezembro a Igreja celebrava, e celebra, nessa data a sua festa. O seu culto foi-se estendendo passando à Grécia, subindo aos Balcãs, à Alemanha, Dinamarca e Países Escandinavos. Como era muito amigo das crianças era costume, no seu dia, colocar os sapatinhos debaixo da chaminé, pois ele passava deixando os seus presentes. Nalguns sítios reunia-se toda a aldeia colocando as crianças os brinquedos velhos num grande saco. Depois chegava S. Nicolau com o seu. Distribuía os presentes que trazia e pegava nos antigos para os entregar aos meninos mais pobres. Mais tarde esta figura foi associada a uma da mitologia pagã produzindo o santa klaus com o seu trenó e as suas renas. A Coca-Cola viu aí uma oportunidade comercial e transformou-o no Pai Natal que agora por aí vadia com “mães natal” de mini-saia, ou mesmo saia nenhuma, e perna ao léu… Aqui o sacerdote fez-se muito corado e pediu desculpa pelo excesso de linguagem, apesar de, adiantou, ser verdade o que dissera, como estava à vista de todos.
Dado que no 25 de Dezembro se celebra o maior dos dons ou presentes que Deus deu à humanidade ao fazer-Se um de nós faz todo o sentido que se ofereçam prendas que rememorem e sejam um sinal desse único e verdadeiro Presente que é Jesus Cristo. Uma vez que o dia 6 é próximo do dia 25 a oferta dos presentes passou para a noite de Natal. As crianças aprenderam então a pedir ao Menino Jesus, por intercessão de S. Nicolau, o que queriam receber. E o Menino Deus vem com o Seu ajudante, S. Nicolau/Pai Natal, dar aos pais a possibilidade de presentearem seus filhos. Mas os adúlteros, disse o padre engasgando-se, quero dizer os adultos, emendou. Haveis de perdoar, continuou, mas sabereis que quando era menino trocava estas palavras sem saber o seu significado e de tanto o repetir na infância, por vezes tenho este lapso… Mas os adulto… Bem, de facto, talvez não esteja mal dizer os adúlteros já que pelo pecado cometemos adultério contra Deus renegando-O como a verdadeiro Esposo das nossas almas, preferindo o amor das criaturas ao do Criador. Mas, dizia, os adultos também fazem bem em trocar-se presentes. Quando dou um presente estou a dizer, por obra, ao outro que ele é importante para mim. Por isso perdi tempo a pensar no que lhe agradaria e a procurá-lo, e despendi dinheiro. É um modo de dizer: que bom que é que tu existas! Tu és um dom, um presente, de Deus na minha vida e este presente que te ofereço é uma prova de gratidão para contigo e ao mesmo tempo um sinal de que quero estar presente na tua vida, em todas as circunstâncias, também nas difíceis. Eu quero ser para ti um dom de Deus. Ora para afirmar isto não é preciso entrar numa lógica consumista. Pode-se perfeitamente oferecer dádivas carregadas de simbolismo e personalizadas. Algumas famílias que gastavam muito dinheiro em presentes passaram a despender esse valor em contribuições para obras caritativas e sociais, no Natal, e combinaram um montante insignificante, que não poderia ser ultrapassado, para que cada um com essa precisa quantia “inventasse” uma oferta para os familiares. Em muitos lares têm sido impressionantes as revelações de criatividade e os contentamentos assim suscitados.
Será este padre também um dos tais malucos?
4. De há uns anos a esta parte, por invenção do demónio – só pode ser, magotes de jovens, pelo menos em Lisboa e alguns arredores, depois do jantar do dia de Natal abandonam as famílias e vão “para a noite”. Parecem uma espécie de vampiros incapazes de passar sem a escuridade das trevas, onde inebriados de álcool e estupefacientes se entretêm a sugar as almas uns dos outros. Pois, noite por noite, proponho-vos uma outra noite.
Já referimos que o presépio remete para o calvário, o Natal para a Páscoa. A madeira da manjedoura anuncia a da Cruz, o Menino enfaixado em paninhos anuncia o sudário que envolverá Jesus Cristo sepultado. A mirra oferecida pelos magos anuncia a Sua Paixão e morte. A própria liturgia da Igreja nos ensina isto mesmo ao celebrar no dia imediato o martírio de S. Estêvão e três dias depois a matança dos Santos Inocentes.
Quer viver o Natal com uma profundidade que nunca viveu? Quer mesmo estar com Cristo onde Ele menino foi desamparado e crucificado. Quer ter-Lhe aquele amor lacrimoso de S. Francisco que queria percorrer o mundo inteiro chorando a Paixão do meu Senhor porque o Amor que Ele é não é amado?
Queira então mandar-se estar com algum dos muitos grupos de cristãos rezando pela vida diante de hospitais e “clínicas” onde Cristo menino é abortado. À hora do costume nos lugares do costume, a 25 de Dezembro, rezaremos para que haja Natal (= nascimento) para todos os bebés concebidos e ainda não nascidos. Lembre-se que desde o dia 1 de Julho foram impedidos de nascer em Portugal, por uma morte violenta, cinco mil e seiscentas crianças (números redondos). Queira mandar-se persuadir os seus para esta hora de oração na noite do dia de Natal. Vale mesmo a pena amar Aquele que tanto nos amou.
Nuno Serras Pereira
09. 12. 2008
S. Francisco é rotulado por alguns autores cristãos como fazendo parte daqueles que eles consideram os santos loucos. De facto, um homem de Deus que em vez de se rodear de escribas para lhes ditar graves, eruditas e densas sentenças que serão estudadas, memorizadas, debatidas, investigadas, contraditadas, reafirmadas, explicitadas, desenvolvidas, interpretadas, durante séculos, se põe num bosque a pregar aos pássaros não será sinal que tem grande pancada? Seja-o ou não, é uma grande consolação saber que a loucura não é necessariamente inconciliável com a santidade.
Este varão de Deus não foi como tanto se apregoa o inventor do presépio, já existia o costume de edificá-los nos mosteiros. A sua inovação consiste em revivê-lo eucaristicamente, numa gruta com o povo da aldeia de Greccio, um jumento e uma vaca. Depois os franciscanos tornaram-se os seus grandes divulgadores.
2. Todas estas lembranças franciscanas me vieram à memória ao passo que ia escutando aquele jovem que tinha diante de mim.
Dizia-me que sempre passara o Natal em família alargada rodeado de fartura e de carinho. Desde as refeições opíparas às decorações luminosas até aos presentes quantiosos, tudo lhe abundara. Mas esse ano tinha-se recusado a celebrar com a família o jantar e a ceia de Natal. Ficara em casa sozinho enquanto todos os outros tinham ido para os avós. Resolvera-se a passar todo o dia em jejum e oração numa atitude de comunhão com aquela mole imensa de humanidade sofredora que não poderia participar da alegria das celebrações e festejos. Fechou-se numa sala austera, sentou-se a uma mesa e meditou longamente várias passagens dos Evangelhos e das epístolas. No silêncio que o rodeava peregrinou espiritualmente até às mais longínquas paragens ao encontro de todos os desditosos e desgraçados, abraçando-os com as suas preces. Depois, carregando-os em seu coração levou-os à Missa da meia-noite, entregando-os ao Senhor. À Comunhão suplicou ao Deus humanado que recebia no Seu íntimo que visitasse com a Sua graça e o Seu favor todos aqueles que nele trazia. Em seguida vagueou pelas ruas desejando Boas-festas e entregando santinhos aos solitários com que se deparava, fossem mendigos, desabrigados, polícias de serviço. Não contente, apanhou vários autocarros e táxis como pretexto para poder desejar Feliz Natal e levar um pouco de companhia a quem trabalhava. Finda essa ronda pegou no automóvel e percorreu troços de auto-estrada de modo a poder felicitar todos os que trabalhavam nas portagens.
Confessava-me então com júbilo que tinha sido o Natal mais feliz de toda a sua vida. Depois franzindo a testa contou-me que muitos na família o recriminaram, que ele se manteve em silêncio e que só lhe vinha à memória o texto evangélico quem amar o pai e a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim. Se um dia este jovem for canonizado, pensei para comigo, também será incluído no catálogo dos loucos?
3. Quando era jovem, após a minha conversão, recordo-me de nas proximidades do Natal ouvir alguns sacerdotes invectivar do púlpito a árvore de Natal, as iluminações, as prendas e o Pai Natal. Mas uma vez escutei um padre que na homilia surpreendeu toda a gente ao afirmar categoricamente que o Natal era a árvore, as iluminações, os presentes e o Pai Natal. Ouviu-se um suspiro de alívio quando acrescentou o presépio.
A propósito das luzes que alumiam as noites longas deste período dizia-nos que eram sinal da Luz verdadeira que veio ao mundo e que a todo o homem ilumina; Luz que expulsa as trevas do pecado, alegrando os corações e capacitando-nos para ver a Verdade.
Depois refutou com erudição que a árvore de Natal tivesse origens pagãs e citando graves mestres e doutores demonstrou tratar-se da Árvore da Vida reencontrada. Aquela, de que os nossos primeiros pais podiam comer no paraíso, tendo assim acesso à imortalidade, vieram a perdê-la após a expulsão devida ao pecado. Mas na plenitude dos tempos de uma outra árvore, a da Cruz, de que a anterior era prefiguração, pende um Fruto que concede a Vida eterna a quem o comer dignamente. Esse fruto disse de Si mesmo quem comer a Minha carne e beber o Meu sangue terá a vida eterna. Este Fruto desta Cruz dá-se-nos em alimento quando o Comungamos Glorioso e Ressuscitado na Eucaristia. O pinheiro que se mantém verde durante todo o ano simboliza a mesma eternidade. As bolas dependuradas, o sacramento da Eucaristia; os Anjos, a corte celestial; as estrelas, aquela que guiou os magos ao presépio; os Pai Natal, os santos. À raiz da árvore muitas famílias colocam o presépio a indicar que Aquele que agora nasce veio para ser crucificado na árvore da Cruz, isto é, veio para nos salvar. Mas que essa árvore que é Ele mesmo está agora verdejante e iluminada pela Ressurreição. No presépio está presente e anuncia-se a Páscoa.
A origem do Pai Natal, continuava na sua pregação o presbítero, está em S. Nicolau um Bispo representado na iconografia de longas barbas brancas e revestido das cores episcopais que foi muito amigo das crianças tendo salvo várias moças da prostituição e ressuscitando três crianças assassinadas. Como morreu no dia 6 de Dezembro a Igreja celebrava, e celebra, nessa data a sua festa. O seu culto foi-se estendendo passando à Grécia, subindo aos Balcãs, à Alemanha, Dinamarca e Países Escandinavos. Como era muito amigo das crianças era costume, no seu dia, colocar os sapatinhos debaixo da chaminé, pois ele passava deixando os seus presentes. Nalguns sítios reunia-se toda a aldeia colocando as crianças os brinquedos velhos num grande saco. Depois chegava S. Nicolau com o seu. Distribuía os presentes que trazia e pegava nos antigos para os entregar aos meninos mais pobres. Mais tarde esta figura foi associada a uma da mitologia pagã produzindo o santa klaus com o seu trenó e as suas renas. A Coca-Cola viu aí uma oportunidade comercial e transformou-o no Pai Natal que agora por aí vadia com “mães natal” de mini-saia, ou mesmo saia nenhuma, e perna ao léu… Aqui o sacerdote fez-se muito corado e pediu desculpa pelo excesso de linguagem, apesar de, adiantou, ser verdade o que dissera, como estava à vista de todos.
Dado que no 25 de Dezembro se celebra o maior dos dons ou presentes que Deus deu à humanidade ao fazer-Se um de nós faz todo o sentido que se ofereçam prendas que rememorem e sejam um sinal desse único e verdadeiro Presente que é Jesus Cristo. Uma vez que o dia 6 é próximo do dia 25 a oferta dos presentes passou para a noite de Natal. As crianças aprenderam então a pedir ao Menino Jesus, por intercessão de S. Nicolau, o que queriam receber. E o Menino Deus vem com o Seu ajudante, S. Nicolau/Pai Natal, dar aos pais a possibilidade de presentearem seus filhos. Mas os adúlteros, disse o padre engasgando-se, quero dizer os adultos, emendou. Haveis de perdoar, continuou, mas sabereis que quando era menino trocava estas palavras sem saber o seu significado e de tanto o repetir na infância, por vezes tenho este lapso… Mas os adulto… Bem, de facto, talvez não esteja mal dizer os adúlteros já que pelo pecado cometemos adultério contra Deus renegando-O como a verdadeiro Esposo das nossas almas, preferindo o amor das criaturas ao do Criador. Mas, dizia, os adultos também fazem bem em trocar-se presentes. Quando dou um presente estou a dizer, por obra, ao outro que ele é importante para mim. Por isso perdi tempo a pensar no que lhe agradaria e a procurá-lo, e despendi dinheiro. É um modo de dizer: que bom que é que tu existas! Tu és um dom, um presente, de Deus na minha vida e este presente que te ofereço é uma prova de gratidão para contigo e ao mesmo tempo um sinal de que quero estar presente na tua vida, em todas as circunstâncias, também nas difíceis. Eu quero ser para ti um dom de Deus. Ora para afirmar isto não é preciso entrar numa lógica consumista. Pode-se perfeitamente oferecer dádivas carregadas de simbolismo e personalizadas. Algumas famílias que gastavam muito dinheiro em presentes passaram a despender esse valor em contribuições para obras caritativas e sociais, no Natal, e combinaram um montante insignificante, que não poderia ser ultrapassado, para que cada um com essa precisa quantia “inventasse” uma oferta para os familiares. Em muitos lares têm sido impressionantes as revelações de criatividade e os contentamentos assim suscitados.
Será este padre também um dos tais malucos?
4. De há uns anos a esta parte, por invenção do demónio – só pode ser, magotes de jovens, pelo menos em Lisboa e alguns arredores, depois do jantar do dia de Natal abandonam as famílias e vão “para a noite”. Parecem uma espécie de vampiros incapazes de passar sem a escuridade das trevas, onde inebriados de álcool e estupefacientes se entretêm a sugar as almas uns dos outros. Pois, noite por noite, proponho-vos uma outra noite.
Já referimos que o presépio remete para o calvário, o Natal para a Páscoa. A madeira da manjedoura anuncia a da Cruz, o Menino enfaixado em paninhos anuncia o sudário que envolverá Jesus Cristo sepultado. A mirra oferecida pelos magos anuncia a Sua Paixão e morte. A própria liturgia da Igreja nos ensina isto mesmo ao celebrar no dia imediato o martírio de S. Estêvão e três dias depois a matança dos Santos Inocentes.
Quer viver o Natal com uma profundidade que nunca viveu? Quer mesmo estar com Cristo onde Ele menino foi desamparado e crucificado. Quer ter-Lhe aquele amor lacrimoso de S. Francisco que queria percorrer o mundo inteiro chorando a Paixão do meu Senhor porque o Amor que Ele é não é amado?
Queira então mandar-se estar com algum dos muitos grupos de cristãos rezando pela vida diante de hospitais e “clínicas” onde Cristo menino é abortado. À hora do costume nos lugares do costume, a 25 de Dezembro, rezaremos para que haja Natal (= nascimento) para todos os bebés concebidos e ainda não nascidos. Lembre-se que desde o dia 1 de Julho foram impedidos de nascer em Portugal, por uma morte violenta, cinco mil e seiscentas crianças (números redondos). Queira mandar-se persuadir os seus para esta hora de oração na noite do dia de Natal. Vale mesmo a pena amar Aquele que tanto nos amou.
Nuno Serras Pereira
09. 12. 2008
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