sábado, 14 de janeiro de 2012

Maternidade de Substituição – um Retrocesso Social - por Pedro Vaz Patto

A chamada «maternidade de substituição» (vulgarmente designada por “barriga de aluguer”, em inglês por “surrogate mothers” e em francês por “mères porteuses”), isto é, a situação em que a mulher se dispõe a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade, é vedada pela legislação portuguesa vigente, que declara nulos os contratos a ela relativos, gratuitos ou onerosos (artigo 8º da Lei nº 32/2006, de 26 de Julho), e que pune a conduta de quem concretizar algum desses contratos a título oneroso ou promover essa prática por qualquer meio, designadamente através de convite directo ou por interposta pessoa, ou de anúncio publicitário, também quando se trate de uma prática onerosa (artigo 39º da Mesma Lei). É natural, porém, que a questão da sua legalização venha a ser discutida no futuro. Trata-se de uma prática actualmente proibida em França, em Itália, na Alemanha, em Espanha, na Suíça e na Áustria, mas admitida no Reino Unido, na Bélgica, na Dinamarca, na Grécia, na Rússia, na Ucrânia, em vários Estados norte-americanos, no Canadá, em Israel, na Índia e noutros países. As facilidades de deslocação tornam cada vez mais próspero o chamado “turismo procriativo” com destino a estes países e em vista dessa prática. Recentemente, a minha atenção para com esta realidade foi despertada por uma notícia de eventual deslocação de casais portugueses à Índia com esse objectivo. À Índia, por ser aí que se praticam preços mais acessíveis, bem longe dos preços exorbitantes das luxuosas clínicas norte-americanas.

A questão é actualmente objecto de discussão em França. Também despertou a minha atenção para este tema a leitura de um documento. Mères Porteuses; Extension du Domaine de l´Aliénation (elaborado no âmbito de uma fundação, Terra Nova – La Fondation Progressiste), em que a análise dos desafios que coloca a legalização da maternidade de substituição no plano ético é feita de modo particularmente completo e bem fundamentado. E despertou a minha atenção, a ponto de reproduzir e divulgar nestas linhas as teses aí expostas, pelo seguinte.

Nas tão discutidas questões de bioética, é habitual apresentar como progressistas as perspectivas que mais acentuam o valor da liberdade. Romper uma barreira moral tradicional, um interdito, é visto como sinal de progresso social. Neste caso, em especial, invoca-se, para justificar a legalização desta prática, a liberdade de os casais estéreis e de os pares homossexuais poderem ter acesso à procriação, tal como o respeito pelas escolhas pessoais livres das “mães de substituição”. Os maiores travões a este tipo de mentalidade libertária são habitualmente associados às posições do magistério da Igreja Católica, que acentua o valor da dignidade da pessoa humana como limite ao da autonomia individual.

Assim, e quanto a esta questão, é clara, e já conhecida, a oposição desse magistério à maternidade de substituição. Na instrução da Congregação para a Doutrina da Fé Domum Vitae, «sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação» de 1987, afirma-se (II, A, 3) que se trata de uma prática «contrária à unidade de matrimónio e à dignidade da pessoa humana». E também: «A maternidade substitutiva representa falta objectiva contra as obrigações do amor materno, da fidelidade conjugal e da maternidade responsável; ofende a dignidade e o direito do filho a ser concebido, levado no seio, posto ao mundo e educado pelos próprios pais; em detrimento da família, instaura divisão entre os elementos físicos, psíquicos e morais que a constituem». Mais genericamente, também aí se afirma (II, B, 8), a respeito do pretenso “direito ao filho” frequentemente invocado para justificar esta prática: «Um verdadeiro e próprio direito ao filho seria contrário e sua dignidade e à sua natureza. O filho não é algo devido e não pode ser considerado como objecto de propriedade; è um dom, “o maior” e o mais gratuito dom do matrimónio, e é testemunho vivo da doação recíproca dos seus pais.»

Em França, a legalização da maternidade de substituição tem sido defendida por personalidades de vários quadrantes, mas sobretudo por sectores ditos “progressistas” e “de esquerda”. Consta dos documentos preparatórios do Partido Socialista relativos à revisão das leis de bioética. A Fundação Terra Nova propõe-se «refundar a “matriz ideológica” da esquerda progressista e promover os seus ideais» e um outro documento surgido no seu seio também tomou posição a favor da legalização da maternidade de substituição. Ora, o documento em causa (subscrito por trinta académicos, médicos e políticos, entre os quais os antigos primeiros-ministros socialistas Michel Rocard e Lionel Jospin) pretende reagir a estas posições e afirmar, de forma muito categórica, que, pelo contrário, essa causa não pode ser considerada “progressista” e “de esquerda” e representa um verdadeiro retrocesso social. E serve-se de uma argumentação que acaba por aproximar-se da do magistério da Igreja Católica em alguns aspectos importantes. É o que veremos de seguida, podendo daqui extrair-se a conclusão de que princípios frequentemente apresentados como reflexos de “conservadorismo” ou “progressismo” não o são verdadeiramente, que aquilo que se quer fazer passar por progresso social é, no fundo, um grave retrocesso, e que as questões da bioética e da justiça social não estão desligadas.

Em síntese, o documento sustenta que a maternidade de substituição representa «a mais recente e a mais chocante das extensões do domínio da alienação», ou seja, da “coisificação” e instrumentalização da pessoa, assim ferida na sua iminente dignidade. Traduz-se na mercantilização do corpo feminino e na exploração de mulheres pobres (sistematicamente são pobres as mulheres candidatas a “mães de substituição”; não é por caso que o fenómeno se difunde na Índia), sujeitas a um controlo intrusivo do seu corpo e a uma relação contratual desigual e alienante com empresas e clientes abastados. É equiparada à escravatura e à prostituição (também esta apresentada como exploração alienante e contrária à dignidade da pessoa, cuja legalização representa um retrocesso social, contra o que possam afirmar sectores também tidos por “progressistas”). À “mercantilização do sexo” é equiparada a “mercantilização do útero”, domínio igualmente íntimo e estreitamente ligado à dignidade e afirmação pessoais. O corpo é igualmente instrumentalizado, neste caso de forma não temporária e com a particularidade de essa instrumentalização ser destinada à obtenção de um “produto”: o bebé.

Para além dos riscos e danos psicológicos que envolve – e que, como veremos, são denunciados com vigor – a maternidade de substituição é condenável, antes de mais, por isso mesmo: por representar uma “etapa suplementar” de alienação, de “coisificação” da pessoa e de uma sua capacidade intrínseca, neste caso a sua função procriativa. Do mesmo modo que não foram, enquanto tal, os danos físicos, psicológicos ou económicos envolvidos, os seus efeitos patogénicos, a conduzir à abolição da escravatura, mas, antes de tudo, um postulado de respeito pela dignidade da pessoa, assim deve proceder-se quanto a esta prática. É, a este propósito, evocado o artigo XVIII da Declaração dos Direitos de Homem e do Cidadão de 24 de Junho de 1793: «nenhum homem pode vender-se ou ser vendido, a sua pessoa não é uma propriedade alienável». E é lançado o desafio da plena consagração do princípio da inalienabilidade da pessoa humana no século XXI.

A mercantilização do corpo é, desde há muito, vedada pela ordem jurídica. Nos termos do artigo 16º, nº 1, do Código Civil francês, «o corpo não pode ser objecto de direitos patrimoniais». E é também esse o princípio proclamado em 1991 pela Organização Mundial de Saúde. Há quem defenda que a proibição da maternidade de substituição deve restringir-se às situações de exploração económica e lucrativa, deixando de lado as da sua prática desinteressada e altruísta. Mas a investigação empírica vem demonstrando que estas situações são raríssimas. Compreende-se que o sejam e que só situações de grande carência económica levem mulheres a sujeitar-se a tão traumatizante experiência. Algumas legislações (como a britânica) proíbem os pagamentos, mas prevêem a “compensação de despesas” que acabam por ter efeito idêntico. E será sempre difícil o controlo judicial de compensações indirectas ou não monetárias (bens em espécie, férias, possibilidades de trabalho, etc.).

A exploração comercial desta prática vem assumindo facetas chocantes. Há empresas norte-americanas que, a troco de preços exorbitantes, garantem a supervisão rigorosa das condições de alimentação e saúde das gestantes e até, nalguns casos, o recurso ao aborto em caso de insatisfação com o “produto” (o preço total só é pago a final: “no product, no payment”). No outro extremo, na Índia, os preços são muitíssimo mais baratos e a oferta de “mães” também muito mais abundante. A estas são proporcionadas “férias pagas” com a exigência de total separação da família, com a garantia de rendimentos correspondentes a vários anos de trabalho e sem o estigma associado à prostituição, que seria uma alternativa para essas mulheres. O chamado dumping social (a concorrência na base de mais desvantajosas condições laborais) estende-se, assim, ao domínio tão precioso da vida e da maternidade. As empresas indianas publicitam o baixo custo dos seus serviços, o exotismo da viagem e a vantagem do “desapego emocional” em relação a uma mãe culturalmente estranha aos clientes. Contra a concorrência indiana, alegam as empresas ucranianas mais garantias de boas condições sanitárias. A lógica mercantil da concorrência afirma-se, pois, em toda a sua dimensão.

Mas mesmo que a exploração comercial esteja afastada (o que é difícil e raro, diga a lei o que disser), não estão afastados os danos psicológicos que esta prática necessariamente envolve e que a seguir se analisarão.

O valor da autonomia individual, dos clientes e das mulheres prestadoras do serviço é enfatizado pelos partidários da legalização da maternidade de substituição. Mas sobre essa direito prevalece – afirma o documento - «o direito à dignidade da pessoa humana, a obrigação da sociedade de proteger os direitos dos indivíduos, mesmo contra eles mesmos, sobretudos dos mais frágeis». Citando o Comité de Orientação da Agência de Biomedicina, também aí se salienta que «do princípio da dignidade humana deriva a ideia de que o Estado deve proteger os cidadãos contra eles mesmos quando exercem a sua autonomia em sentido contrário à sua dignidade, e isto apesar do seu consentimento. Neste caso, o consentimento é provavelmente distorcido, quer pelas características necessariamente imperfeitas da informação disponível quanto ao desenrolar imprevisível da gravidez, quer pela perspectiva atraente de uma indemnização financeira que, em muitos casos, altera a liberdade de escolha». Eu acrescentarei que, por idênticos motivos, pode considerar-se irrelevante o consentimento no caso da prostituição ou da venda de órgãos, tal como seria irrelevante uma escravidão consentida, mesmo que esta (como sucedeu em muitas épocas e pode suceder ainda hoje) pudesse assegurar a sobrevivência económica do escravo, de outro modo posta em causa. E também pode considerar-se irrelevante o consentimento no caso da eutanásia, também ele distorcido pela fragilidade própria da situação existencial que normalmente lhe subjaz.

Tal como na instrução Donum Vitae e no excerto acima transcrito, neste documento também se afirma que não há um “direito ao filho”, mas antes os “direitos do filho”. E estes são o de não ser objecto de qualquer convenção ou contrato, de não ser tratado como uma mercadoria e de conhecer as condições do seu nascimento. Cita-se a resposta da antropóloga Françoise Héritier à revista L´Express, de 25/2/2020, a propósito da maternidade de substituição: «Confunde-se muitas vezes o “direito ao filho” com o “direito do filho”. Eu sei que a nossa sociedade não tolera a frustração, mas esse direito ao filho não existe, porque, neste caso, o filho não surge automaticamente». Negar o “direito ao filho” tem outras implicações –acrescento eu – em matéria de bioética e de regime da procriação medicamente assistida: pode levar à rejeição da procriação heteróloga, por exemplo.

Como também tem sido salientado pelo magistério da Igreja Católica, rejeita-se a ideia de que tudo o que é tecnicamente possível é lícito («tout ce qui se peut se doive»), de forma peremptória: «O combate humanista obriga a sair deste cientismo que, conjugado com a tentação de fazer do direito do indivíduo a obter o que quer o fim último de tudo, prognostica um futuro temível».

O documento debruça-se sobre os danos psicológicos que a maternidade de substituição pode acarretar para o filho, para a “mãe de substituição” e para os outros filhos desta, sublinhado, antes de mais, que se trata de matéria em que deve ser liminarmente rejeitada qualquer ideia de experimentação ou de assunção de riscos de ocorrência desses danos.

O filho não deixa de sentir o abandono da “mãe de substituição”. Cada vez se conhecem melhor os intercâmbios entre a mãe gestante e o feto e a importância desse intercâmbio para o salutar desenvolvimento físico, psicológico e afectivo deste. Esse intercâmbio chega a ter uma dimensão genética e ajuda a construir a própria identidade da criança. Esta não poderá experimentar a segurança de reconhecer, depois do nascimento, o odor, o calor, o tom de voz e os batimentos cardíacos da mãe em cujo corpo habitou durante vários meses. Por outro lado, quando vier a saber que foi objecto de um contrato, há-de sofrer com isso.

A “mãe de substituição” também sofre graves danos porque uma qualquer mulher não fica indiferente ao que lhe acontece quando está grávida. Este estado não é uma actividade, mas um acontecimento simultaneamente biológico e biográfico. Transforma a sua vida na sua integralidade: fisica, psicologica e moralmente. Não se trata de uma actividade que possa ser realizada num dia e interrompida no outro. A mulher não pode deixar de viver a gravidez como sua e de sofrer com o abandono do filho. É, por isso, compreensível que, mais tarde, queira ter o direito de visitar o seu filho (e o que lhe responder, então, quando a lei lhe nega esse direito?). O útero é inseparável do corpo e da pessoa, não é um alojamento temporário, ou um instrumento técnico.

Os outros filhos da mulher poderão sofrer danos psicológicos quando souberem que o corpo da mãe albergou um estranho à família e recear que também eles possam um dia ser abandonados e vendidos.

Dir-se-á que tudo isto já sucede quando uma criança é abandonada ou “dada” para adopção. Mas essa é uma situação que não pode ser evitada (se tal fosse possível, seria evitada). Aqui, estamos perante um abandono deliberadamente programado. Mais: é a própria lei que institucionaliza o abandono. É como se a lei vedasse a obrigação mais natural que existe: a de assumir a vida de que se é autor.

A maternidade de substituição tem dado origem a problemas de ordem jurídica de muito difícil solução. Poderão ser um interessante campo de estudo para estudantes de Direito, mas os dramas humanos que lhes estão associados não podem deixar de suscitar inquietação.

O documento em análise elenca os vários problemas possíveis, começando por salientar que a maior parte deles nem sequer se relaciona com questões de ordem monetária (de onde se conclui que não basta proibir a onerosidade dos contratos para afastar os problemas a que pode dar origem a maternidade de substituição). Mesmo quando a “substituição” se dá entre pessoas com relações familiares (o que por vezes sucede), ocorrem conflitos com graves repercussões nessas relações.

Um primeiro grupo de problemas surge quando a “mãe de substituição” muda de ideias e quer assumir a maternidade ou abortar. No caso In Re Baby M, de 1988, o Supremo Tribunal de Nova Jersey, salientando os inconvenientes da prática da maternidade de substituição na perspectiva do interesse do filho, deu razão à gestante que quis ficar com a criança, Mary Beth Withehead, a qual veio a tornar-se, depois, uma militante opositora dessa prática. No entanto, será difícil sustentar esta posição quando a lei não veda a possibilidade de os contratos em questão negarem à gestante este direito .

Ainda que a “mãe de substituição” não queira ficar com a guarda da criança, pode querer visitá-la ou obter informações sobre ela. Devem tais direitos ser-lhe negados?

Outro tipo de problemas surge quando são os clientes a mudar de opinião, designadamente porque a criança sofre de alguma doença ou não corresponde às suas expectativas, porque nascem gémeos ou porque o casal se separa entretanto.

Há conflitos relativos às imposições dos clientes a respeito da conduta da “mãe de substituição” durante a gravidez: regime alimentar, proibições de fumar ou de viajar.

E há, também, conflitos relativos às condições de pagamento. A ameaça de não entrega da criança é uma forma de pressão de que a gestante por vezes se serve para fazer valer os seus pretensos direitos de conteúdo patrimonial.

Ao tomar conhecimento destes problemas, a conclusão que retiro é a de que eles serão sempre prováveis, que nenhuma das soluções possíveis pode ser satisfatória e que o melhor será sempre evitar que eles surjam, cortando o “mal pela raiz”, proibindo a maternidade de substituição.

Nesta, como noutras questões, há quem defenda que a legalização se impõe para enquadrar uma prática que necessariamente há-de ocorrer, no próprio país ou em países estrangeiros onde ela é legal, evitando-se, desse modo, a precariedade da situação jurídica das crianças que venham a nascer. A este tipo de argumentação responde o documento, salientando que os problemas assim suscitados podem ser resolvidos sem a legalização da maternidade de substituição e, sobretudo, afirmando categoricamente que a função do Direito não é a de ceder ao “facto consumado”, responder a qualquer desejo ou acompanhar acriticamente qualquer tipo de evolução social. O Direito tem uma missão pedagógica de tutela de valores. Não é a circunstância de determinadas práticas puderem ocorrer no estrangeiro (pornografia infantil, ou o tráfico de órgãos), ou até aí serem legais (a poligamia, por exemplo, que também pode suscitar problemas de precariedade da situação jurídica do cônjuge), que exime o sistema jurídico nacional de cumprir essa sua missão pedagógica.

Este é um princípio que me parece oportuno relembrar e que tem aplicação noutro tipo de situações como o aborto, a eutanásia ou outras práticas relativas à procriação medicamente assistida, questões que os vários Estados vão regulando de forma mais ou menos permissiva. As crescentes facilidades de deslocação internacional podem frustrar uma intenção restritiva do legislador nacional, mas este não tem que submeter-se ao “facto consumado” e à inevitabilidade de uma cada vez maior permissividade. Quanto mais não seja, porque se mantém sempre o seu papel pedagógico.

O documento em análise não ignora os dramas dos casais inférteis, que estão quase sempre na base da procura da maternidade de substituição . A resposta a esses dramas há-de passar pela facilitação do acesso e do processo de adopção. Uma resposta que – acrescento eu – deve estar presente sempre que se defendem restrições à legitimidade ética de práticas de procriação medicamente assistida propostas como resposta a esses dramas.

O documento conclui reforçando a ideia de que causa da legalização da maternidade de substituição não pode ser considerada uma causa “progressista” ou “de esquerda”. Pelo contrário, representa uma regressão social, uma degradação das mulheres, de modo especial as mais pobres. Tem subjacente uma lógica ultra-liberal: basta o interesse recíproco numa transacção para a legitimar, sem que se reconheça uma comunidade de valores e normas; as leis do mercado estendem-se ao corpo humano, ignorando o papel protector e civilizador da Lei. É estranho que pessoas habitualmente tão críticas da extensão da lógica do mercado aos domínios da saúde e da cultura, aceitem tão facilmente essa extensão ao domínio da mercantilização do corpo. É sintoma de egoísmo social a indiferença perante a situação de mulheres pobres que, só por serem pobres, se sujeitam a algo a que ninguém gostaria de ver sujeitas a esposa ou a filha.

Alguns limites tenho que apontar, porém, a este documento.

Um deles é o de que parte do princípio de que o aborto é um direito da mulher e um sinal de progresso social. Esse direito seria posto em causa pela limitação que os contratos de maternidade de substituição colocam à livre gestão do corpo da mulher. Ora, se há exemplo flagrante de instrumentalização e “coisificação” de outrem, mais até do que a maternidade de substituição, esse é o do aborto, em que se suprime a vida de outrem, forma mais extrema de atentar contra os seus direitos e a sua dignidade de sujeito.

Por outro lado, o documento não toma posição quanto à adopção por uniões homossexuais, questão que divide os seus subscritores. Ora, também essa questão surge como reivindicação de um “direito ao filho”, direito que não existe, como afirma o documento. É o direito do filho e o seu interesse que devem prevalecer sobre as pretensões dos candidatos à adopção e são esse direito e esse interesse que reclamam que àquele seja proporcionada a situação que mais se aproxima da filiação natural, a que mais se aproxima da situação da das outras crianças, a presença de um pai e de uma mãe. Se assim não for, se prevalecer o pretenso “direito ao filho” dos candidatos à adopção, também estaremos perante uma instrumentalização e “coisificação” da criança.

Com estes e outros limites, parece-me de realçar a postura deste documento, sobretudo porque, como disse acima, mostra como causas frequentemente apresentados como “progressistas” não o são verdadeiramente, que aquilo que se quer fazer passar por progresso social é, no fundo, um grave retrocesso, e que as questões da bioética e da justiça social não estão desligadas. E que princípio defendidos pelo magistério da Igreja Católica podem sê-lo com vigor idêntico (porque têm uma dimensão universal, e não estritamente confessional) por sectores à partida dela bem distintos.

Pedro Vaz Patto
Juiz de Direito

Barriga de Aluguer - por Isilda Pegado


1 – Barriga de aluguer é a expressão corrente que identifica com precisão o que por vezes também se designa por “maternidade de substituição” (como faz a lei portuguesa) mas que em nosso entender não diz com clareza do que se trata.

2 – Trata-se na verdade de um processo de reprodução artificial em que uma mulher cede o seu útero para que nele seja implantado um óvulo já fecundado, comprometendo-se a gerar uma criança e a entregá-la no final da gestação, à dadora do óvulo ou a uma terceira pessoa que lhe encomenda tal gestação. Independentemente de haver ou não dinheiro envolvido neste processo o certo é que se trata de um contrato com direitos e encargos para ambas as partes. Por isso estamos perante um verdadeiro negócio, cujo objecto é uma criança.

3 – A literatura e o cinema estão cheios de “casos” que mostram a dramaticidade resultante de tais negócios. Mas não é só ficção. Países como os Estado Unidos da América têm já vastos e complexos casos judiciais trazidos a público, onde mães (de aluguer) na hora do parto dizem – este filho é meu – e não o entrego…; casais que confiantes em contratos muito bem elaborados por advogados, pagos a peso de ouro, se vêem chantageados no final para que lhes seja entregue aquela criança em quem tanta esperança depositaram; ou nascendo a criança com alguma doença ou malformação é rejeitada pelo casal, que não a reconhece como sendo “a encomendada”. Acrescem os relatos de mulheres que, por dificuldades económicas, vêem na “barriga de aluguer” uma fonte de receita – quase como uma profissão – obtida com o aluguer do seu útero. Muitos são os casos, e outros que a imaginação pode intuir.

4 – Se há uns anos atrás a expressão remetia para uma prática desumana e contra-natura a que a larga maioria da população se opunha, hoje a sensibilidade comum parece estar a mudar. Para isso, foi feito, tal como nas outras matérias da Bioética (aborto, eutanásia, etc.), um caminho que se pauta, como sempre, por clássicas abordagens. Assim,

a) Começa por só se admitir nos casos extremos, de grande necessidade e raros. Um exemplo – só se admite se for para um casal cuja mulher teve um cancro no útero e por isso pede à irmã que a ajude... Como se uma lei fosse feita para os casos particulares, particularíssimos…

b) Depois, diz-se que ainda que moralmente censurável, ninguém é obrigado a recorrer a esta técnica….

c) Em terceiro lugar destina-se “sempre” a pessoas muito infelizes que precisam do nosso apoio e compreensão…

d) Em último lugar, “já se faz” porque não legalizar…

5 – Isto é, a abordagem nunca se faz pela essência da questão ética e ontológica mas por particulares muito particulares que ofuscam a questão.

Ora, o que está em questão na barriga de aluguer quanto a nós, são três dimensões que importa reflectir:

- Em primeiro lugar estamos a falar da gestação de um ser humano que tem direito a uma identidade genética (no sentido mais amplo e que recebe, por um lado os genes de duas pessoas e por outro a nutrição e comunicação vital intra-uterina (com consequências psíquicas) de uma outra pessoa, a mãe de substituição (quando a medicina hoje identifica como sendo de fundamental importância a transmissão de afectos, vivências, conhecimento e doenças, etc. nesta relação intra-uterina).

- Em segundo lugar, num tempo em que tanto se fala de Direitos da Mulher, de Dignidade da Mulher, perguntamo-nos porque se admite na lei, que uma mulher passe 9 meses a gerar uma criança, criando laços de afecto (corpo do meu corpo) e vivências, e no final lhe seja arrancado esse filho.

- Em terceiro lugar pensamos no adolescente que não sendo gerado pela mãe com quem vive, nem resulta do óvulo desta, vem a saber que geneticamente é filho de outra mulher (é filho de três mulheres – a que deu o óvulo, a que o gerou e a que socialmente é tida por mãe)… que questões de identidade se lhe colocam? Tem direito a conhecer as doenças hereditárias transmissíveis que aquela mãe genética tinha?

6 – Está no Parlamento uma Proposta de lei apresentada pelo Bloco de Esquerda que pretende fazer aquele “caminho” acima referido, “agora para alguns casos muito específicos … devemos ter “caridade”, etc., etc..

Hoje legisla-se para abrir a possibilidade da “barriga de aluguer” em alguns casos de altruísmo. Amanhã, se já se faz em certos casos (precedente) porque não admiti-lo sempre que uma pessoa o deseje (homossexuais inclusive)?

7 – Será esta mais uma das leis da “Ideologia de Género” que pretende desvincular a mulher da maternidade porque só assim, esta será mais livre e igual?

Oxalá o legislador saiba qual a função da lei. Basta de leis que não respeitando a natureza humana tornam cada vez mais o homem escravo de si próprio, das ideologias e em última instância escravo do Poder.

Isilda Pegado
Presidente Federação Portuguesa pela Vida

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

BARRIGAS DE ALUGUER - NÃO - Comunicado da FPV

A Federação Portuguesa pela Vida vem apresentar o seu mais profundo protesto relativamente a uma eventual legalização da chamada “Barriga de Aluguer”, ainda que sujeita a condições e restrições (de duvidosa constitucionalidade), pelas seguintes razões:

1 – A Barriga de Aluguer é uma opção de Bioética profundamente fracturante e que vai contra a sensibilidade genuína do Povo Português.

2 – O País e muito em concreto as famílias portuguesas estão a sofrer uma crise com custos pessoais gravíssimos.

3 – O Estado tem de ter critérios claros no uso dos recursos, proveito dos nossos impostos. Por isso, é profundamente questionável que se invista em técnicas (PMA) de reduzida eficácia (inferior a 20%) e de custos elevadíssimos (tecnologia altamente sofisticada). Em matéria de saúde a legalização de uma prática implica sempre face ao SNS um encargo para o Estado.

4 – O actual Conselho Nacional da Procriação Medicamente Assistida não é isento da maioria política que o constituiu (socialista), nem das opções ideológicas inerentes.

5 – O projecto apresentado no Parlamento por um Partido de fraca representatividade (BE) parece agora ser o “Cavalo de Tróia” usado pelo Partido Socialista para minar a actual maioria, cujos deputados nos respectivos círculos eram conhecidos por levar ao Parlamento os valores da Família e da Dignidade Humana.

6 – Sobretudo, a “barriga de aluguer” constitui uma matéria fracturante e onde as opções éticas impõem um debate alargado na sociedade portuguesa, levantando questões tão dramáticas como:

a) Decidir quem é a mãe, se quem deu os genes, quem gerou ou uma terceira pessoa? Salomão decidirá…

b) Quem decide se é ou não de fazer um aborto em caso de malformação do feto?

c) Pode uma mulher renunciar antecipadamente a um direito de personalidade (estatuto jurídico de mãe)?

d) Serão a maternidade e filiação transaccionáveis (ainda que gratuitamente)?

e) Porque impede a lei civil os pais de renunciarem ao poder paternal nas primeiras seis semanas de vida do bebé (art. 1982.º n.º3 do CC)?

f) Pode admitir-se a imposição de cláusulas de “estilo de vida” (não fumar, exames obrigatórios, etc.) à portadora?

g) Nas técnicas de PMA o marido daquela que dá à luz e que tenha consentido, não pode renunciar à paternidade. Como decidir aqui?

7 – Na “barriga de aluguer” todos os intervenientes podem ser vítimas de circunstâncias que é impossível prever. Ao legislador pede-se que não agrave mais esses riscos.

8 – A decisão política deve respeitar a autonomia da vontade em muitas circunstâncias. Mas, há direitos indisponíveis. Ao decisor político pede-se a defesa do Bem Comum.
Pelo exposto, a Federação Portuguesa Pela Vida espera que a responsabilidade de Estado a todos pedida leve à REJEIÇÃO de qualquer iniciativa legislativa nesta matéria, que apenas serviria para aprofundar a crise económica e social que o nosso País atravessa.

A Direcção da Federação Portuguesa Pela Vida

Contactos para a Imprensa:
Isilda Pegado – 917727560
João Paulo Malta – 919993732
Dina Matos Ferreira – 919995723

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

The Global War Against Baby Girls - by Nicholas Eberstadt

In The New Atlantis

Over the past three decades the world has come to witness an ominous and entirely new form of gender discrimination: sex-selective feticide, implemented through the practice of surgical abortion with the assistance of information gained through prenatal gender determination technology. All around the world, the victims of this new practice are overwhelmingly female — in fact, almost universally female. The practice has become so ruthlessly routine in many contemporary societies that it has impacted their very population structures, warping the balance between male and female births and consequently skewing the sex ratios for the rising generation toward a biologically unnatural excess of males. This still-growing international predilection for sex-selective abortion is by now evident in the demographic contours of dozens of countries around the globe — and it is sufficiently severe that it has come to alter the overall sex ratio at birth of the entire planet, resulting in millions upon millions of new “missing baby girls” each year. In terms of its sheer toll in human numbers, sex-selective abortion has assumed a scale tantamount to a global war against baby girls.

Initial Signal in China

A regular and quite predictable relationship between total numbers of male and female births is a fixed biological characteristic for human populations, as it is for other species of mammals. The discovery of the consistency, across time and space, of the sex ratio at birth (SRB) for human beings was one of the very earliest findings of the modern discipline of demography. (One of the founders of the field, the German priest and statistician Johann Peter Süssmilch, posited in 1741 that “the Creator’s reasons for ensuring four to five percent more boys than girls are born lie in the fact that it compensates for the higher male losses due to the recklessness of boys, to exhaustion, to dangerous occupations, to war, to seafaring and immigration, thus maintaining the balance between the two sexes so that everyone can find a spouse at the appropriate time for marriage.”)

Table 1. The Rise of
Gender Imbalance in China
Reported Sex Ratios at Birth and Sex Ratios of the Population Age 0-4: China, 1953-2005 (boys per 100 girls)
Year Sex Ratio at Birth Sex Ratio, Age 0-4
1953 -- 107.0
1964 -- 105.7
1982 108.5 107.1
1990 111.4 110.2
1995 115.6 118.4
1999 117.0 119.5
2005 118.9 122.7
Sources: William Lavely, “First Impressions of the 2000 Census of China,” as well as unpublished data from the Chinese Academy of Social Sciences, Institute for Population and Labor Economics, 2008.

Medical and demographic research subsequently identified some differences in SRB that correspond with ethnicity, birth order, parental age, urbanization, environmental conditions, and other factors. But such differences were always quite small; until the 1980s, the SRB for large human populations tended to fall within a narrow range, usually around 103 to 106 newborn boys for every 100 newborn girls and typically centering no higher than 105. Until the 1980s, exceptions to this generality were mainly registered in small populations, and attributable to chance.

The modern phenomenon of biologically unnatural increase in the sex ratio at birth was first noticed in the 1980s for China, the world’s most populous country. In 1979, China promulgated its “One Child Policy,” a compulsory and at times coercive population-control program that continues to be enforced to this day (albeit with regional and temporal variations in severity). In 1982, China’s national population census — the first to be conducted in nearly two decades — reported an SRB of 108.5, a striking and disturbing demographic anomaly. Initially, researchers surmised that this abnormal imbalance might be in large part a statistical artifact, under the hypothesis that Chinese parents might be disposed to conceal the birth of a daughter so as to have another chance for a son, given the strict birth quotas so often decreed by the One Child Policy. But successive Chinese population censuses registered ever-higher SRBs. By the 2005 “mini-census” — a survey of 1 percent of the country’s population, conducted between the full censuses — China’s SRB approached 120, and the reported nationwide sex ratio for children under 5 was even higher (see Table 1). Although, as recently noted in a study by Daniel M. Goodkind in the journal Demography, there remain some discrepancies and inconsistencies among data sources (census numbers, vital registration reports, hospital delivery records, school enrollment figures, and so on) concerning China’s SRBs and child sex ratios over the past two decades, there is absolutely no doubt that shockingly distorted sex ratios for newborns and children prevail in China today — and that these gender imbalances have increased dramatically during the decades of the One Child Policy.

Figure 1. Reported Sex Ratio in China at Birth by Province, 2005

Chinese census data outline the basic geo-demography of China’s imbalanced sex ratios at birth. For the country as a whole, SRBs since 1982 have consistently been lowest for China’s cities, and highest for rural areas; in the 2005 mini-census, reported SRBs were roughly 123 for rural areas, 120 for towns, and 115 for cities. But there are major SRB variations within China at the regional level; as of 2005, only three provinces reported essentially “normal” SRBs, while many more reported SRBs of 125 or more, with two provinces reporting levels in excess of 130 (see Figure 1). The geography of China’s gender imbalance is further highlighted by a county-level breakout of sex ratios for young children in the year 2000 (see Figure 2, below). As may be seen, sex ratios are essentially “normal” (105 or lower) in much of Western China and along parts of the country’s northern border — areas where non-Han ethnic minorities predominate — while unnatural gender imbalances characterize virtually the entirety of the Han-majority areas in China’s east and south. There are tremendous variations in the extremity of the condition within this Han expanse: a number of inland and coastal areas stand out as epicenters of the problem, and are marked by concentrations of counties, each encompassing millions or tens of millions of people, wherein child sex ratios of 150 or greater prevail. Demographers Christophe Z. Guilmoto and Sébastien Oliveau describe these radical-imbalance areas as “hot spots” — and since the phenomenon has spread across China’s population over the past three decades, Figure 2 may be regarded as the map of mounting national casualties.

Figure 2. Reported child (0-4) sex ratio in China by county, 2000
(Enlarge)Source: Christophe Z. Guilmoto and Sébastien Oliveau, “Sex ratio imbalances among children at micro-level: China and India compared,” paper presented at Population Association of America 2007 annual meeting. Based on data from the National Bureau of Statistics of China (2003).
Parity-Specific Imbalance

Further light is cast on the cause of Chinese SRB imbalances by patterns of parity-specific SRBs — that is to say, sex ratios at birth by birth order — since 1982 (see Figure 3, below). Significantly, SRBs for firstborn Chinese children have remained relatively low and were actually in the biologically “normal” range around 105 until the early 1990s. By contrast, SRBs for higher-parity births (children born after the first child) from the late 1980s onward have been stratospheric and continued to rise until the year 2000, at which time the SRB for higher-parity births exceeded 150. (Higher-parity SRBs reportedly declined somewhat between 2000 and 2005 — but as of 2005 nonetheless amounted to 143 for second births and to 156 for third births.) An influential 2006 Harvard dissertation by Emily Oster hypothesized that the emerging gender imbalances in China and elsewhere were primarily a consequence of the spread of the hepatitis B virus, which is known to skew SRBs in favor of male babies in maternal carriers — but clearly that theory cannot account for the extraordinary and continuing disparities between first births and higher-order births in China. Instead, it is by now widely recognized that these gender disparities are the consequence of parental intervention — namely, mass feticide, through the agency of medically induced abortion and prenatal gender determination technology. Chinese parents appear to have been generally willing to rely upon biological chance for the sex outcome of their first baby — but with increasing frequency they have been relying upon health care technology and services to ensure that any second- or higher-order baby would be a boy. (Although China’s population program is known as the “One Child Policy,” in practice it permits the birth of some second, third, and even higher-order babies. For the country as a whole, the total fertility rate, or number of births per woman per lifetime, is estimated by the U.N. Population Division as 1.64 for the 2005-2010 period, and by the U.S. Census Bureau International Data Base at 1.54 for the year 2010.)

Figure 3. China: Reported Sex Ratios at Birth by Birth Order (parity), 1982-2005
(Enlarge)Sources: Full Chinese population censuses in 1982, 1990, and 2000 and “mini-censuses” (1 percent population surveys) in 1987 and 2005. Adapted from Li Shuzhou, “Imbalanced sex ratio at birth and comprehensive intervention in China,” 4th Asia Pacific Conference on Reproductive and Sexual Health and Rights, United Nations Population Fund, October 2007.

The critical health service elements in this tableau are China’s universal and unconditional availability of abortion conjoined with access to reliable and inexpensive obstetric ultrasonography. According to Chinese researchers, in 1982 diagnostic ultrasound scanning devices were available in health clinics in about one-sixth of Chinese counties; by 1985, over half of Chinese counties had them, and by 1990 virtually all did. By 2000, sex-selective abortion had become astonishingly commonplace in China: rough calculations for that year suggest that no less than half of the nation’s higher-parity female fetuses were being aborted, and that well over half of all abortions were female fetuses terminated as a consequence of prenatal gender determination. In effect, most of contemporary China’s abortions are thus intentional female feticides.

Drivers of Imbalance

Though Western sensibilities may be inclined to attribute the national embrace of mass female feticide to “backward” thinking in China, important basic facts are uncomfortably inconsistent with that proposition. For one thing, abnormal sex ratios appear to be almost entirely a Han phenomenon within China — and China’s Han are, generally speaking, better educated and more affluent than the country’s non-Han minorities. Second, although SRBs are lower in urban than in rural China, these differences may have less to do with education and income than with fertility levels. After all, fertility levels are decidedly lower in urban than in rural China, meaning that a smaller proportion of babies born in China’s cities are higher-parity births, which tend in China to be overwhelmingly male. Third, China has enjoyed a historically extraordinary surge of development and prosperity over the very years that SRBs and child sex ratios have been rising. Between the 1982 census and the 2005 mini-census, China’s reported adult (15 and older) female illiteracy rate dropped from 25 percent to 4 percent, and mean years of schooling for Chinese women rose by nearly 50 percent over roughly that same period, from 5.4 to 8.0. Moreover, China’s estimated per capita income jumped nearly fivefold between 1982 and 2005, while the fraction of the population living in extreme poverty (as defined by the World Bank) plummeted from roughly 75 percent in 1981 to roughly 15 percent in 2004. Despite continuing political restrictions and state-administered censorship, China is also vastly more open to the outside world today than it was in the early 1980s (as attested by statistics on everything from international trade, investment, and finance to travel and communications). China’s increasingly unnatural sex ratios for babies and children and its growing army of “missing girls” must therefore be regarded as a feature — indeed, a defining feature — of so-called “globalization with Chinese characteristics.” (Note, incidentally, that Beijing outlawed prenatal sex determination in 1989, and criminalized sex-selective abortion in 2004 — yet these legal strictures have obviously been ineffective despite the Chinese state’s considerable police powers.)

Imbalances in the “Little Dragons” and Vietnam

China’s unnatural long-term rise in SRBs emerged under a draconian state-run population-control program. But coercive family-planning programs are neither a necessary nor a sufficient condition for widespread female feticide. This much is evident from SRB trends in East Asia’s four “Little Dragons”: Hong Kong, Singapore (more specifically, Singapore’s ethnic Chinese), South Korea, and Taiwan. All of those societies maintain voluntary family-planning programs — nevertheless, each of them has registered eerie increases in SRBs in the era of unconditional abortion and widespread access to inexpensive obstetric ultrasonography (see Figure 4, below). Approaching the dawn of the twenty-first century, SRBs in all four of these affluent and highly educated populations were a naturally impossible 108 or higher; and just as in China, SRBs were typically lowest (often “normal”) for the first-born babies and suspiciously elevated for all higher-parity births, as reported by Chai Bin Park and Nam-Hoon Cho in 1995 — a telltale sign of parental intervention through sex-selective abortion. Like China, these Little Dragons all had laws on their books proscribing prenatal gender determination and sex-selective abortion that did not forestall subsequent rises in their SRBs. Of all the Little Dragons, South Korea reached the most demographically disfiguring heights: an SRB of well over 114 in the early 1990s, not too different from China’s at that time. But South Korea’s SRB declined steadily thereafter, and by 2009 was, according to official state statistics, a practically “normal” 106 — a matter to which we shall return.

Figure 4. Sex Ratios at Birth Reported in East Asia: 1980-2005 (3-year averages)
(Enlarge)Source: Daniel Goodkind, “Child underreporting, fertility, and sex ratio imbalance in China,” Demography (2011) 48: 291-316.

One commonality to China and the four Little Dragons is a Confucian cultural heritage, which places an imperative on continuing a family’s lineage through the male heir as a metaphysical key to greater universal harmony and virtue. It is noteworthy that Japan — an East Asian society without a strong Confucian tradition, but with easy access to abortion and obstetric ultrasonography and with very low fertility rates, just as in China and the four Little Dragons — has always reported a sex ratio at birth well within human biological norms.

As it happens, however, a strong Confucian heritage is not a unique identifier of societies at risk of mass female feticide. In Southeast Asia, Vietnam — a society with a deep Buddhist tradition — now shows strong indications of rising SRBs, as reported by Christophe Z. Guilmoto in PLoS ONE in 2008. Like China and the “Little Dragons,” Vietnam is a sub-replacement fertility society with easy access to abortion, and an increasing diffusion of ultrasound technology. Between 1999 (according to data from annual sample population surveys) and 2009 (the year of the country’s latest population census), Vietnam’s sex ratio at birth appears to have risen from about 105 to over 110. As in China and the Little Dragons, SRBs are markedly elevated for higher-parity births (especially for third or higher births). Vietnam’s upsurge in SRBs, it may be observed, coincided with a period of rapid material advance (between 1998 and 2008, Vietnamese per capita output is estimated to have jumped by 80 percent), and positively correlates with prosperity within Vietnam today, with the country’s lowest SRBs registered by the poorest income quintile and the highest registered by the most affluent. Like China and the Little Dragons, Vietnam also has laws on the books that make sex-selective abortion nominally illegal.

By this point in our discussion, a consistent explanation for unnaturally high SRBs (the female feticide that underpins them) can be described. These phenomena appear to arise from a collision of three forces: first, local mores that uphold a truly merciless preference for sons; second, low or sub-replacement fertility trends, which freight the gender outcome of each birth with extra significance for parents with extreme gender bias; and third, the availability of health services and technologies (easy and affordable abortion and prenatal sex diagnostics) that permit parents to engineer the sex composition of their families — and by extension, of their societies.

India’s Imbalance
Figure 5. Reported child (0-6) sex ratio, India, re-aggregated sub-districts, 2001
(Enlarge)Source: Christophe Z. Guilmoto and Sébastien Oliveau, “Sex ratio imbalances among children at micro-level: China and India compared,” paper presented at Population Association of America 2007 annual meeting. Based on data from the 2006 Indian census.

Given its history of deadly discrimination against girls and women (through its customs of female infanticide, dowry killings, and ritual sati immolation of widows), its pronounced and continuing fertility declines, and its past two decades of very rapid economic growth attended by increasing domestic diffusion of new technologies of every sort, India would seem poised as a likely battlefield in the new global war against baby girls. Sure enough, both SRBs and child sex ratios have risen markedly since the early 1990s for the world’s second-most populous country. According to India’s National Family Health Surveys, the nationwide SRB rose from around 105 during 1979-1992 to 109 for 2000-2006; more recently, the country’s National Sample Survey placed the SRB for 2004-2006 at 112. According to India’s censuses, the nationwide sex ratio for children under 7 years of age rose from 105 in 1991 to 109 in 2011. Geographically, India’s gender imbalances are most extreme in the northwest (particularly in the states of Haryana and Punjab, where the sex ratio for ages 0-6 is now close to 120, or even above 120); in Delhi, India’s capital, the sex ratio for children under 7 is currently a reported 115 (see Figure 5). Socioeconomically, SRBs and child sex ratios in India today correlate positively — not negatively — with education, income, and urbanization. Like the aforementioned countries with unnaturally high SRBs, sex-selective abortion is illegal in India.

The Imbalance Elsewhere
Table 2. Selected countries with
­populations over 1 million reporting sex
ratios at birth over 107 in a recent year
(and near-­complete vital registration)
Country (year) Sex ratio
at birth
Midyear pop.
(2010), UNPD
Albania (2004) 113 3,204,000
El Salvador (2007) 110 6,193,000
Philippines (2007) 109 93,261,000
Libya (2002) 108 6,355,000
Serbia (2008) 108 9,856,000
Austria (2008) 107 8,394,000
Cuba (2008) 107 11,258,000
Italy (2005) 107 60,551,000
Kyrgyzstan (2008) 107 5,334,000
Portugal (2008) 107 10,676,000
Spain (2008) 107 46,077,000
Note: All data derived from civil registration, estimated at over 90 percent complete.
Sources: Table 10 (“Live births by age of mother and sex of child, general and age-specific fertility rates: latest available year, 1999-2008”), Demographic Yearbook 2008, Statistics Division, Department of Economic and Social Affairs, U.N. Secretariat; and World Population Prospects: The 2010 Revision.

In West Asia, the Caucasus region has emerged since the end of the Cold War as another front in the global war against baby girls. Between the final collapse of the Soviet Union in 1991 and the year 2000, SRBs in Armenia, Azerbaijan, and Georgia all rose from about 105 to about 120. Ultrasound diagnostics were generally unavailable in these countries in the Soviet era. Inferential evidence — including increased general access to diagnostic ultrasound and newly increasing SRBs for higher-parity births, especially third and higher-order births — strongly suggests that these countries are subject to the same syndrome observed in so much of East and South Asia. Recent data indicate that SRBs in the Caucasus have declined, but only slightly: to 116 in Armenia and Azerbaijan (as of 2008) and to 112 in Georgia (as of 2004).

The ten societies with biologically unnatural SRBs examined thus far represent most of the world’s major religious and cultural traditions: Confucianism, Buddhism, Hinduism, Islam, and Christianity. But these are by no means the only contemporary settings in which evidence of the phenomenon is emerging at a population-wide level (see Tables 2 and 3). Recent vital statistics for places with complete or near-complete registration, and census returns for other places, point to almost twenty additional countries or territories with populations of one million or greater with suspiciously high SRBs. Other places in Asia with high recent SRBs and/or child sex ratios include the Philippines, Brunei Darussalam, Papua New Guinea, Bangladesh, Kyrgyzstan, and Turkey. In North Africa and the Middle East, both Lebanon and Libya betray the same disturbing demographic characteristics. In Latin America and the Caribbean, elevated SRBs or child sex ratios are seen in Cuba, Puerto Rico, and El Salvador. But it is important to recognize that the phenomenon is also now evident in over half a dozen European countries as well. Albania’s officially reported 2004 SRB was 113. In Serbia and Montenegro — portions of the former Yugoslavia — 2008 SRBs were 109 and 108, respectively. And in the nominally Catholic-majority populations of Austria, Italy, Portugal, and Spain, officially reported 2008 SRBs were all 107.

Table 3. Selected countries with
populations over 1 million reporting
child (0-4) sex ratios above 107 in
a recent ­population census
Country (year) Sex ratio
at birth
Midyear pop.
(2010), UNPD
Lebanon (2007) 110 4,228,000
Bangladesh (2001) 108 148,692,000
Papua New
Guinea (2000)
108 6,858,000
Albania (2001) 107 3,204,000
Turkey (2000) 107 72,752,000
Note: Note: Lebanon data from sample survey, de facto; all others from census, de facto, complete tabulation.
Sources: Table 7 (“Population by age, sex and urban/rural residence: latest available year, 1999-2008”), Demographic Yearbook 2008, Statistics Division, Department of Economic and Social Affairs, U.N. Secretariat; and World Population Prospects: The 2010 Revision.

Naturally impossible SRBs are also now seen in the United States and the United Kingdom — within particular ethnic groups. In America, as Douglas Almond and Lena Edlund have reported in the Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), SRBs of 108 were characteristic of the “Asian-Pacific” population (Chinese-Americans, Korean-Americans, Filipino- Americans, etc.) in the 2000 census, and in vital statistics thereafter. These are all populations whose SRBs were within the natural biological range a generation ago. In England and Wales, sex ratios at birth for Indian-born mothers have also risen markedly, from 104 in the 1980s to 108 in the late 1990s, as noted by Sylvie Dubuc and David Coleman in Population and Development Review. In both the United States and the United Kingdom, these gender disparities were due largely to sharp increases in higher-parity SRBs, strongly suggesting that sex-selective abortions were the driver. The American and British cases also point to the possibility that sex-selective abortion may be common to other subpopulations in developed or less developed societies, even if these do not affect the overall SRB for each country as a whole.

The Demographic Effect

Sex-selective abortion is by now so widespread and so frequent that it has come to distort the population composition of the entire human species: this new and medicalized war against baby girls is indeed truly global in scale and scope. Estimates by the United Nations Population Division (UNPD) and the U.S. Census Bureau’s International Programs Center (IPC) — the two major organizations charged with tracking and projecting global population trends — make the point. According to estimates based on IPC data, a total of 21 countries or territories (including a number of European and Pacific Island areas) had SRBs of 107 or higher in the year 2010; the total population of the regions beset by unnaturally high SRBs amounted to 2.7 billion, or about 40 percent of the world’s total population. For its part, UNPD estimates that 24 countries and territories (a slightly different roster from IPC’s, including some additional European, South American, Middle Eastern, Asian, and Pacific settings) had SRBs of 107 or higher for the 2005-2010 period, for a total population similar to the IPC figure. Additionally, UNPD and IPC list several countries with child (age 0-4) sex ratios of 107 or higher; those lists partially overlap with the SRB lists. If we tally all the places that IPC and UNPD flag as having unnaturally high SRBs or child sex ratios, along with the places listed in Tables 2 and 3 whose official demographic statistics report unnaturally high SRBs or child sex ratios, we would have a total of over 50 countries and territories accounting for over 3.2 billion people, or nearly half of the world’s total population.

By the reckoning of UNPD, the overall global sex ratio at birth has already assumed naturally impossible heights in the era of sex-selective abortion, rising from 105 in 1975-80 to 107 for 2005-10. By the same token, IPC puts the worldwide under-5 child sex ratio at 107 for 2010.

To go by both UNPD and IPC reconstructions of local age-sex structures, today’s societies with unnaturally high SRBs and/or child sex ratios had an aggregate “boy surplus” of over 55 million males under the age of 20 by the year 2010; and if we assume that the SRBs and child/youth sex ratios in these societies should be around 105, the unnatural “girl deficit” for females 0-19 years of age as of 2010 would have totaled roughly 32-33 million by both UNPD and IPC figures. In both the UNPD and the IPC reckonings, the world’s two most populous countries, China and India, would account for the overwhelming majority (31-32 million) of the world’s “missing girls” under 20 years of age in our era of sex-selective abortion (although the implied UNPD and IPC totals for China and India themselves differ substantially, in accordance with their assumptions concerning such things as the extent of undercounting of girls). Note, in any case, that irrespective of differences in IPC- and UNPD-based estimates for given countries, these global estimates for missing girls under 20 are arguably conservative figures. The IPC and UNPD estimates exclude numerous countries — some of them quite populous — where, as Therese Hesketh and Zhu Wei Xing have reported in PNAS, evidence of unnaturally high SRBs has been emerging from vital registration or national census data. Also, the figures could be considered conservative because they only consider countries with SRBs or child sex ratios of 107 or higher, even though anything over 105 could be considered unnatural, and other research sometimes uses thresholds of 104, 103, or even lower.

Social Implications

The consequences of medically abetted mass feticide are far-reaching and manifestly adverse. In populations with unnaturally skewed SRBs, the very fact that many thousands — or in some cases, millions — of prospective girls and young women have been deliberately eliminated simply because they would have been female establishes a new social reality that inescapably colors the whole realm of human relationships, redefining the role of women as the disfavored sex in nakedly utilitarian terms, and indeed signaling that their very existence is now conditional and contingent.

Moreover, enduring and extreme SRB imbalances set the demographic stage for an incipient “marriage squeeze” in affected populations, with notably reduced pools of potential future brides. China’s persistently elevated SRBs, for example, stand to transform it from a country where as of 2000 nearly all males (about 96 percent) had been married by their early 40s to one in which nearly a quarter (23 percent) are projected to be never married as of 2040, less than 30 years from now, according to a 2008 analysis by the demographer Zeng Yi and colleagues in the journal Genus. Such a transformation augurs ill in a number of respects. For one thing, unmarried men appear to suffer greater health risks than their married counterparts, even after controlling for exogenous social and environmental factors; a sharp increase in the proportion of essentially unmarriageable males in a society with a universal marriage norm may only accentuate those health risks. In a low-income society lacking sturdy and reliable national pension guarantees for the elderly, a steep rise in the proportion of unmarried and involuntarily childless men begs the question of old-age support for that rising cohort. Economists such as Gary Becker and Judge Richard Posner have hypothesized that mass feticide, in making women scarce, will only increase their “value” — but in settings where the legal and personal rights of the individual are not secure and inviolable, the “rising value of women” can have perverse and unexpected consequences, including increased demand for prostitution and an upsurge in the kidnapping and trafficking of women (as is now being witnessed in some women-scarce areas in Asia, as reported by Mara Hvistendahl in her new book Unnatural Selection).

Finally, there is the speculative question of the social impact of a sudden addition of a large cohort of young “excess males” to populations with sustained extreme SRBs: depending on a given country’s cultural and institutional capabilities for coping with this challenge, such trends could quite conceivably lead to increased crime, violence, and social tensions — or possibly even a greater proclivity for social instability. (For a decidedly pessimistic but studied assessment of these prospects, see Valerie M. Hudson and Andrea M. den Boer’s 2004 book Bare Branches: The Security Implications of Asia’s Surplus Male Population.)

All in all, mass sex selection can be regarded as a “tragedy of the commons” dynamic, in which the aggregation of individual (parental) choices has the inadvertent result of degrading the quality of life for all — and some much more than others.

What are the prospects for mass sex-selective feticide in the years immediately ahead? Unfortunately, there is ample room for cautious pessimism. Although biologically unnatural SRBs now characterize an expanse accounting for something approaching half of humanity, it is by no means clear that this march has yet ceased.

As we have seen, sudden steep increases in SRBs are by no means inconsistent with continuing improvements in levels of per capita income and female education — or, for that matter, with legal strictures against sex-selective abortion. Two of the key factors associated with unnatural upsurges in nationwide SRBs — low or sub-replacement fertility levels and easy access to inexpensive prenatal gender-determination technology — will likely be present in an increasing number of low-income societies in the years and decades immediately ahead. The third factor critical to mass female feticide — ruthless son preference — is perhaps surprisingly difficult to identify in advance. In theory, overbearing son preference should be available from demographic and health surveys — such as India’s National Family and Health Survey, which demonstrated that prospective mothers in the state of Punjab desired their next child to be male rather than female by a ratio of 10 to 1. Yet ironically, despite the many tens of millions of dollars that international aid and development agencies have spent on the hundreds of demographic and health surveys they have supported in low-income countries over recent decades, information on sex preference is almost never collected. (Evidently, Western funders of Third World population programs are concerned about the number of babies local parents desire, not their genders.)

Differential infant and child mortality rates arguably also offer clues about son preference: societies where female rates exceed male rates (patterns arising from systemic discriminatory mistreatment of little girls) may be correspondingly disposed to prenatal gender discrimination as well. According to the World Health Organization’s 2009 Life Tables, over 60 countries currently experience higher infant or age 1-4 mortality rates for girls than for boys: a roster including much of South-Central Asia, North Africa and the Middle East, parts of Latin America and the Caribbean, and over a dozen countries in sub-Saharan Africa. If such gender bias in mortality turns out to be a predictor of sex-selection bias, this global problem may get considerably worse before it gets better.

Considerations for the Future

There is, however, one country thus far that has managed to return from grotesquely imbalanced SRBs to normal human ratios: South Korea. As explained by Woojin Chung and Monica Das Gupta in 2007 in Population and Development Review, there is still considerable dispute about the factors involved in this turnaround, with many institutions and actors ready to take credit (as the old saying goes: success has many fathers). Available evidence, however, seems to suggest that South Korea’s SRB reversal was influenced less by government policy than by civil society: more specifically, by the spontaneous and largely uncoordinated congealing of a mass movement for honoring, protecting, and prizing daughters. In effect, this movement — drawing largely but by no means exclusively on the faith-based community — sparked a national conversation of conscience about the practice of female feticide. This conversation was instrumental in stigmatizing the practice, not altogether unlike the way in which nationwide conversations of conscience helped to stigmatize international slave-trading in other countries in earlier times. The best hope today in the global war against baby girls may be to carry this conversation of conscience to other lands. Medical and health care professionals — without whose assistance mass female feticide could not occur — have a special obligation to be front and center in this dialogue.


Nicholas Eberstadt holds the Henry Wendt Chair in Political Economy at the American Enterprise Institute.

Nicholas Eberstadt, "The Global War Against Baby Girls," The New Atlantis, Number 33, Fall 2011, pp. 3-18.

Filhos sem Pai - por Pedro Vaz Patto

O projecto de lei de alteração da regulação da procriação medicamente assistida apresentado pelo Bloco de Esquerda, e actualmente em discussão, pretende garantir o acesso a essa técnica a mulheres sós ou numa relação homossexual, independente do diagnóstico de infertilidade. Já foi saudado por representar uma quebra da «desigualdade arcaica que reduz as mulheres a apêndices dos homens» (São José Alemeida in Público de 24/12/2011), isto é, a que exige necessariamente o contributo destes para a procriação.

O alcance antropológico da alteração proposta, que a torna mais uma etapa da agenda fracturante, merece atenção e aprofundamento.

Na verdade, não se verifica uma “desigualdade ancestral” a este respeito. A natureza colocou, neste aspecto, homens e mulheres em estrito pé de igualdade: as mulheres não procriam sem os homens, mas os homens também não procriam sem as mulheres. Ninguém é mãe sozinha e ninguém é pai sozinho. Não se trata de um desígnio a corrigir ou anular, como se não tivesse sentido. Cada um dos sexos não pode deixar de reconhecer, assim, a importância do outro. Assim se exprime a estrutural relacionalidade da pessoa humana, que se realiza na comunhão com o outro. Essa comunhão está na origem da vida a partir da unidade da diversidade mais elementar: a que distingue homens e mulheres. Da riqueza da dualidade sexual nasce a vida. Associar a geração da vida à comunhão e ao amor (a vida é fruto do amor e o do amor nasce a vida), e à riqueza da dualidade sexual, não é um “engano” da natureza, mas um desígnio maravilhoso a aceitar e acolher.

A alteração proposta pretende consagrar uma visão radicalmente diferente: a procriação como instrumento de realização de um projecto individual, e não relacional. O filho tende, assim, muito mais, a ser encarado como espelho do único progenitor, e já não como dom a acolher na sua alteridade e unicidade. Passa a ser visto como objecto de um direito que se reivindica. É o “direito à parentalidade” que está em jogo - afirma-se em defesa do projecto em discussão.

A procriação medicamente assistida tem sido encarada, à luz da lei vigente (que não deixa de ser também merecedora de críticas) como forma de suprir a infertilidade, não como alternativa à procriação natural. Não é (como, num plano semelhante, não o é a adopção) um instrumento de “experimentalismo social” ou de “engenharia social” ao serviço de “novas formas de família”. A criança gerada através de procriação medicamente assistida, como a criança adoptada, tem o direito a uma família como as outras, a uma família tanto quanto possível próxima da que tem origem na procriação natural.

Não se trata de impor um modelo de família ou uma forma de encarar a maternidade. Trata-se de dar primazia ao bem do filho, que não pode ser coisificado como objecto de um direito. Não há um direito ao filho; o filho é um dom. O bem do filho exige que ele seja fruto de uma relação, e não de um projecto individual. E exige que ele não seja intencionalmente privado de uma mãe ou de um pai. É ele que tem direito, não tanto a um progenitor indiferenciado (como pretende a ideologia do género, ao pretender que se fale em parentalidade), mas a uma mãe e a um pai.

Diz-se que interessa apenas a competência parental, e não o sexo dos progenitores. Mas a mais competente das mães nunca poderá substituir um pai, tal como o mais competente dos pais nunca poderá substituir a mãe; o que sempre afirmaram os estudos de psicologia do desenvolvimento infantil. Nenhum de nós tem como referência um progenitor indiferenciado, mas a sua mãe e o seu pai. E quem foi privado de alguma dessas referências não deixa de lamentar profundamente esse facto.

O que agora se propõe é que da procriação medicamente assistida nasçam crianças sem pai (sempre haverá um pai genético, necessariamente anónimo, mas apenas isso), já não por acidente inevitável, mas de forma intencional e programada. Numa fase seguinte, pretender-se-á que homens homossexuais possam recorrer à maternidade de substituição para que nasçam crianças sem mãe (o projecto em discussão ainda não dá essa passo, pois propõe a regulação dessa prática apenas como forma de suprir a infertilidade, mas tal passo já foi dado noutros países). Não me parece de saudar qualquer destas pretensões.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A Fé – um conhecimento absolutamente Certo e Verdadeiro

1. Ontem celebrámos a solenidade litúrgica da Epifania (manifestação) do Senhor Menino. Os reis sábios e pagãos foram atraídos e guiados por um fenómeno, aparentemente, daqueles céus que estavam habituados a perscrutar. Sabiam que estava anunciado o nascimento de um Rei que seria o Salvador Universal e seguiram não um fenómeno astronómico, mas os Espírito Santo, ou o Senhor que Se torna presente no Seu Anjo sob a forma de estrela como outrora tinha guiado o Povo de Deus no deserto, através da coluna de fogo, da escravidão do pecado para a liberdade da Graça.

Prostrados por terra, sinal evidente de adoração, diante do Menino oferecendo-Lhe ouro, reconhecem-no como Rei, Rei dos reis; dando-lhe incenso, usado para exprimir a oração ao Altíssimo, confessam-No Deus; entregando-Lhe mirra, usada para embalsamentos, admitem a Sua humanidade mortal.

Pelo Baptismo (mergulho – na Paixão/Ressurreição de Cristo) somos incorporados, ou enxertados, em Jesus Ressuscitado – com Ele morremos para o pecado e com Ele renascemos para uma vida nova, e eterna. Por este sacramento somos feitos participantes da Sua Realeza (ouro), do Seu Sacerdócio (incenso) e do Seu profetismo (mirra). A nossa realeza cumpre-se no autodomínio e na autodeterminação, isto é, em não nos deixarmos arrastar pelas paixões, desejos ou tendências desordenadas e em livremente seguirmos o caminho do Bem e da Verdade; acresce que a exemplo de Jesus somos chamados a reinar pelo serviço e não pelo domínio dos outros. O nosso sacerdócio (trata-se aqui do sacerdócio universal de todos os fiéis e não do sacerdócio ministerial (os Padres) que difere qualitativa e essencialmente do primeiro) realiza-se na entrega, pela oração e pelos sacrifícios, a Deus, por amor e para Sua maior Glória, e aos homens também por amor e para sua, deles, salvação. Finalmente o profetismo leva-se a cabo pela experiência e escuta da Palavra de Deus e, morrendo todos os dias para si mesmo, pelo Seu anúncio, declarando a verdade e denunciando a mentira, o erro e a falsidade.

2. Hoje celebramos o Baptismo do Senhor no rio Jordão por João Baptista. O baptismo de João e o nosso baptismo não são de todo a mesma coisa. O de João era uma espécie de rito penitencial que, através da confissão dos pecados e da submersão das águas, manifestava o arrependimento e um propósito de conversão. Mas não tinha o poder de perdoá-los efectivamente nem o de santificar realmente aqueles que o recebiam. Era como que uma propedêutica pu preparação para o que havia de vir. Percebe-se o espanto de João ao ver Cristo aproximar-Se, como se fora um pecador, e a resistência que opôs confessando que ele é que necessitava de ser baptizado pelo seu primo Jesus. E a verdade é que Jesus mergulhando nas águas em vez de ser limpo por elas foi Ele que as purificou para que mais tarde pudessem vir a servir, fecundadas pelo Espírito Santo, para o nosso baptismo. A insistência de Jesus para que João realizasse o rito sobre Ele significa o propósito de Se identificar com os pecadores, iniciando assim o caminho para a Paixão, onde, segundo as palavras de S. Paulo, veio a fazer-Se pecado, sem nunca ter pecado, isto é, carregando com as nossa misérias e passando para nós a Sua Inocência e Santidade.

O baptismo que recebemos não só nos alimpa do pecado original e, se adultos, de todos os pecados actuais, mas também nos faz participantes da Vida Divina e, portanto verdadeiramente filhos de Deus, quer dizer, não só enquanto criaturas por Ele suscitadas, mas filhos no Filho único por natureza, isto é, Jesus Cristo; consequentemente somos feitos Seus irmãos e templos vivos do Espírito Santo.

3. A maioria de nós terá recebido a Fé quando, criança, foi baptizada na Fé da Igreja. Esta Fé é um dom totalmente gratuito de Deus que engendra em nós uma adesão pessoal e livre a Ele e um assentimento irrevogável e absolutamente certo às verdades que Ele nos revelou.
Claro que há uma porção de coisas que podemos saber de Deus por meio da razão: a Sua existência, a Sua eternidade, que é o Criador, que nos dotou de uma alma imortal, que pune os malvados e, pelo contrário, recompensa os justos… Este é aliás o motivo por que S. Paulo, no primeiro capítulo da carta aos Romanos, é tão severo para aqueles pagãos que não O reconheceram entregando-se às mais imundas depravações. No entanto, não deixa de ser verdade que, em virtude do pecado original e do derrancamento dos costumes, sem o auxílio, mesmo que secreto, da Graça é difícil lá chegar e que esse conhecimento estará obnubilado por erros, insuficiências e imperfeições.

Mas a verdade é que há tantas coisas que só podemos saber por Revelação do próprio Deus, como por exemplo, que Deus sendo uno na Sua essência e natureza é trindade de Pessoas distintas e iguais entre si; que Jesus Cristo sendo verdadeiro homem é também verdadeiro Deus; que Ressuscitou de entre os mortos; que Se nos dá em alimento na Sagrada Eucaristia, estando n’ Ela verdadeiramente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade; que a única Igreja de Cristo é a Católica, Apostólica, Romana, etc.

Este conhecimento que nos advém através da Fé é uma prova seguríssima, que não admite duvida alguma, dessas realidades. É a verdadeira e autêntica sabedoria e não, de modo nenhum, uma mera aposta a verificar depois da morte se é certa ou não. À honra de Cristo Ámen.

Nuno Serras Pereira
09. 01 2012