Saudações de Paz e Bem, irmão
jornal!!
O irmão traz na revista 2 da sua
edição de hoje, uma reportagem intitulada “retratos de um país católico”. Nas páginas
19 e 20 teve a bondade de falar de mim. Confesso que não tenho por costume
corrigir ou esclarecer o que a comunicação social traz sobre mim ou me atribui.
Por isso que, também desta vez, não fora a indignação e a insistência do meu
irmão mais novo, ignoraria alguns dos desacertos que a peça contém. Um dos “inconvenientes”
de ser franciscano tem a ver com a exortação de S. Francisco de Assis a que
obedeçamos a todas as criaturas, por amor de Deus. Daí o ter dado a entrevista
que procurei recusar e o cumprir agora o mandato do mano benjamim.
Cingir-me-ei aos dois primeiros
parágrafos (e ao final) que introduzem a conversa comigo:
1 – “Nuno Serras Pereira é um
Padre controverso. Anunciou publicamente que negaria a comunhão a quem usasse a
contracepção, porque ‘são homicidas’.”
Estas afirmações referem-se a um
anúncio, que estampei no Público em 2005, intitulado: “Participação aos
interessados – Direito à vida e Eucaristia”; que passo a transcrever:
“Na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas
envolvidas o padre Nuno Serras Pereira, sacerdote católico, vem por este meio
dar público conhecimento que, em virtude do que estabelece o cânone 915 do
Código de Direito Canónico, está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística
a todos aqueles católicos que manifestamente (isto é, publicamente) têm
perseverado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos
inocentes quer através de diversas pílulas, do DIU, da pílula do dia seguinte –
ou outras substâncias que para além do possível efeito contraceptivo possam ter
também um efeito letal no recém concebido; quer por meio das técnicas de fecundação
extra-corpórea, da selecção embrionária, da crio preservação, da experimentação
em embriões, da investigação em células estaminais embrionárias, da redução
fetal, da clonagem…; quer através da legalização do aborto (votar ou participar
em campanhas a seu favor), o que inclui a aceitação ou concordância com a actual
‘lei’ em vigor (6/84); quer, ainda, pela eutanásia.”
O respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu
Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade
de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para
com o povo cristão e para com todos são razões ponderosas que, seguramente,
ajudarão a compreender a razão de ser deste grave dever que o cânone 915,
vinculando a consciência, exige dos ministros da Eucaristia.
Da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo convido todos ao
arrependimento e à retractação pública, para que refeita a comunhão com Deus e
com a Sua Igreja possam receber digna e frutuosamente o Corpo do Senhor.”
Faço notar que o núcleo desta
nota é o seguinte: “… está impedido de
dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente
(isto é, publicamente) têm
perseverado (ou seja, de forma obstinada) em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos
inocentes … ”. A substância ou o instrumento contraceptivo ou anticoncepcional
verdadeiro é aquele cujo efeito único é o de frustrar a fecundação. Ora sucede
que em virtude de uma enorme fraude
que se começou a gizar nos anos 50, do século passado, deixou de se dizer
que a gravidez começava na fecundação e passou a propagandear-se que esta
iniciava na nidação. Dado este passo, o seguinte estava facilitado: as substâncias
ou os instrumentos que permitem a concepção mas impedem que a criança recém-gerada
se aninhe no útero de sua mãe, morrendo assim à fome e consequentemente
despejadas na sanita, não são abortivas. Ora, com ensina a encíclica Evangelium vitae, do Bem-aventurado João
Paulo II, “o aborto provocado é a morte deliberada e directa, independentemente
da forma como é realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência,
que vai da concepção ao nascimento.”. Como é evidente, a nota que fiz publicar
em anúncio referia-se àqueles produtos que têm um efeito abortivo/interceptivo,
eliminando assim a pessoa humana na sua fase embrionária.
2 – “Foi condenado a 130 euros de
multa, por difamação, após acusar, como serial
killer, a Associação de Planeamento Familiar.”
O irmão Público refere-se a um
texto que escrevi intitulado Os Abortófilos[1],
mas apesar de conhecer o blog (Logos) onde figura esse artigo, esqueceu-se de
referir o que lá vem antes do mesmo: “Nota
Bene: O autor deste artigo foi processado e condenado por difamação
em 1ª instância. Tendo recorrido para o
Tribunal da Relação foi inocentado. A sentença transitou em julgado, pelo que a
Justiça reconheceu que a acusação sobre o carácter difamatório do artigo é
infundada.” Se alguém quiser
saber mais sobre a origem e natureza da apf, pode ler aqui.
Desconheço qual a razão que levou a comunicação social a ser tão pródiga em
publicitar a condenação e se absteve de noticiar a absolvição.
3 – “Considerou que ‘a
homossexualidade é uma doença curável’. Denegriu o aborto como ‘crime pior do
que o da pedofilia’.//Estas tomadas de posição foram reprovadas pelo
cardeal-patriarca e pelo Superior Provincial dos Franciscanos, a ordem a que
pertence Serras Pereira. A crítica mais veemente foi feita pelo presidente da
Conferência Episcopal Portuguesa: ‘A Igreja não se identifica com a rudeza da
sua linguagem, que contraria a última encíclica papa’.”
a) Erra o meu irmão Público ao escrever que o
Cardeal-Patriarca e o Provincial dos franciscanos reprovaram todas essas coisas,
uma vez que eles só se pronunciaram sobre o anúncio, acima transcrito, que fiz
publicar nesse mesmo jornal, em 2005. Acresce que o meu irmão jornal poderia
adiantar que eu demonstrei
num texto que correu pela Inter-rede que ambos estavam enganados. E, ainda,
que o Cardeal Patriarca se retractou das declarações reprovadoras, aliás
informais, que tinha feito à porta da casa de saúde do Telhal, na
homilia da Missa da Ceia do Senhor (nº 4), na Quinta-feira Santa – a que
unicamente deu destaque o periódico, entretanto já desaparecido, A Capital. Não
saberei dizer se foi a primeira vez que o Senhor Cardeal-Patriarca se desdisse,
mas é notório que não foi a única ocasião. Deixo, aqui, de qualquer modo uma síntese
do ensinamento autorizado e oficial da Igreja sobre o assunto:
“Não Matarás, Cânone 915 e Comunhão Eucarística
A Doutrina da Igreja
O Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, de acordo
com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino
e a Disciplina dos Sacramentos, declara:
1. A proibição feita no cânon 915, por sua natureza, deriva
da lei divina e transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas
não podem introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da
Igreja. O texto das Escrituras ao qual a Tradição eclesial sempre remonta é o
de São Paulo: 1 Cor 11, 27-29.
Este texto diz respeito primeiramente ao próprio fiel e à sua
consciência como consta no cânon 916. Porém o ser-se indigno por se achar em
estado de pecado põe também um grave problema jurídico na Igreja: precisamente
ao termo «indigno» refere-se o cânon do Código dos Cânones das Igrejas
Orientais que é paralelo ao cân. 915 latino: «Devem ser impedidos de
receber a Divina Eucaristia aqueles que são publicamente indignos» (cân.
712). Com efeito, receber o Corpo de Cristo sendo publicamente indigno é
um comportamento que atenta contra os direitos da Igreja e de todos os fiéis de
viver em coerência com as exigências dessa comunhão. Deve-se evitar o
escândalo, concebido como acção que move os outros ao mal. Tal
escândalo subsiste mesmo se, lamentavelmente, um tal comportamento já não
despertar admiração alguma: pelo contrário, é precisamente diante da deformação
das consciências, que se torna mais necessária por parte dos Pastores, uma
acção tão paciente quanto firme, que tutele a santidade dos
sacramentos, em defesa da moralidade cristã e da recta formação dos fiéis.
2. Qualquer interpretação do cân. 915 que se oponha ao
conteúdo substancial, declarado ininterruptamente pelo Magistério e pela
disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é claramente fonte de desvios. A
fórmula: «e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto»
é clara e deve ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando
a norma inaplicável. As três condições requeridas são:
a) o pecado grave, entendido objectivamente, porque da
imputabilidade subjectiva o ministro da Comunhão não poderia julgar; b) a
perseverança obstinada, que significa a existência de uma situação objectiva de
pecado que perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não
sendo necessários outros requisitos (atitude de desacato, admonição prévia,
etc.) para que se verifique a situação na sua fundamental gravidade eclesial; c)
o carácter manifesto da situação de pecado grave habitual.
3. A prudência pastoral aconselha vivamente a evitar que
se chegue a casos de recusa pública da sagrada Comunhão. Os Pastores
devem esforçar-se por explicar aos fiéis envolvidos o verdadeiro sentido
eclesial da norma, de modo que a possam compreender ou ao menos respeitar. Quando,
porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido
efeito ou não tenham sido possíveis, o ministro da
distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la a quem seja publicamente
indigno, com firmeza, consciente do valor que estes sinais de fortaleza
têm para o bem da Igreja e das almas.
4. Nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso
algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar directrizes
que a contradigam.
5. O dever de reafirmar esta impossibilidade
de admitir à Eucaristia é condição de verdadeira pastoral, de
autêntica preocupação pelo bem dos fiéis e de toda a Igreja.
Ano 2000 - Texto
completo em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declaration_po.html
b) Quanto
à declaração “A Igreja não se identifica com a rudeza da sua linguagem, que
contraria a última encíclica papa”. Ela não foi feita pelo Presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa, mas foram atribuidas, não só a propósito do aborto
provocado mas também da homossexualidade, ao Bispo D. Carlos Azevedo, pelo
quotidiano Correio da Manhã. Como se pode verificar pelo texto que então
escrevi:
As Pseudo Declarações de D. Carlos Azevedo ao
Correio da Manhã
Nuno Serras Pereira
12. 02. 2006
1. O jornal diário Correio da Manhã
traz na página 19 da sua edição de ontem (11. 02. 2006) umas declarações, ao
que creio, atribuídas falsamente ao Senhor D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de
Lisboa e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. De facto, não se vê
como é que este distinto e ilustre académico, inteligente e culto, varão
virtuoso e sacerdote dedicado, dotado de grande generosidade e sentido de
solidariedade, pudesse ter produzido tais afirmações.
Não quero, de modo nenhum, supor que da
parte do jornalista tenha havido má-fé, mas sabemos como são frequentes os
erros involuntários de comunicação e de interpretação. Por exemplo, na mesma
página 19 o jornalista atribui-me frases que nunca me ouviu (ou leu)
colocando-as entre aspas como se eu as tivesse proferido: “o lóbi gay manda nas
televisões” ou “métodos contraceptivos legítimos”. Também na entrevista do dia
anterior ao semanário O Independente, para dar só um exemplo, o
jornalista (o mais natural é que tenha sido uma gralha, penso eu) põe na minha
boca algo que eu nunca diria[2]: “Os especialistas
explicam que [a homossexualidade] é uma psicose”.
2. Posta esta breve introdução analisemos
alguns aspectos das supostas declarações.
O jornalista naturalmente procura saber,
junto do porta-voz da Conferência Episcopal qual a posição da Igreja sobre as
minhas afirmações na entrevista e muito concretamente sobre a homossexualidade:
Correio da Manhã - A Igreja
revê-se nas declarações do padre Serras Pereira, como a de que a
homossexualidade é uma doença?
[O mal interpretado ou imaginado] D.
Carlos Azevedo - As posições do padre Nuno Serras Pereira são
conhecidas pelo seu extremismo. A Igreja não se identifica com esta rudeza de
linguagem. Não é compatível com a linha e atitude pastoral.
Correio da Manhã - E a
equiparação entre os métodos contraceptivos e o homicídio?
[O mal interpretado ou imaginado] D. Carlos Azevedo - Insere-se tudo
na mesma linha de expressão.
Correio da Manhã - Pode-se
concluir que a Igreja vê o padre Serras Pereira como um fundamentalista?
[O mal interpretado ou imaginado] D.
Carlos Azevedo - Ele defende umas posições agressivas, com uma rudeza nada
conformes à mais recente encíclica papal.
Correio da Manhã - A conclusão é
então legítima, mas não usa o termo fundamentalista?
[O mal interpretado ou imaginado] D. Carlos Azevedo - Não sou eu que
vou fazer como aqueles que protestam contra as caricaturas e depois são mais
agressivas do que a própria agressão de que dizem ser alvo.
a) Se as respostas tivessem sido
realmente estas tudo seria muito para estranhar. Em primeiro lugar porque não replica
à pergunta concreta sobre a homossexualidade. De facto, o que se quer saber é o
que a Igreja ensina sobre este assunto e se as declarações feitas por aquele
sacerdote são, ou não, conformes ou compatíveis com a sua doutrina. Não se está
a pedir a opinião pessoal e subjectiva, o que é que D. Carlos pensa ou acha mas
sim a indagar a posição da Igreja. Note-se de passagem que na entrevista que
concedi ao O Independente o entrevistador interpela-me sempre
pessoalmente enquanto que aqui o jornalista interroga a Igreja.
Ora a Igreja fantástica [da fantasia de
quem isto elucubrou] responde pela boca do imaginado D. Carlos: “As posições do
padre Nuno Serras Pereira são conhecidas pelo seu extremismo”. Seria caso para
perguntar em que Concílio é que isto teria ficado decidido… Este truque
maquiavélico que consiste em desviar a atenção do argumento para denegrir o
carácter da pessoa (de facto, só o extremista tem posições extremistas;
repare-se, ainda, no “as posições”, isto é, todas as posições!)
colocando-lhe uma etiqueta, como se fosse uma evidência, que o descredite
perante todos foi uma artimanha usada à saciedade por leninistas e estalinistas
contra quem se lhes opunha. Em vez de argumentar para provar procura-se acusar
para desprezar, de modo a suscitar na opinião pública o desdém ou a indiferença
pelas afirmações daquele que se pretende silenciar. Muitos bispos e sacerdotes
foram vítimas deste tipo de “frases assassinas”, para usar uma expressão
recorrente nos nossos dias, e não só na antiga U.R.S.S. Por exemplo, há uns
anos, fizeram ao então Cardeal Ratzinger uma acusação semelhante, mas ele
ripostou, cheio de bom-humor, que quando a maioria das pessoas se encontra
amontoada num dos lados do barco, colocando-o em perigo de soçobrar, importa
que alguém acorra ao outro extremo para evitar o naufrágio. É provável
que o Senhor Bispo conheça este dito, mas estou em que, apesar disso, nunca empregaria
essa expressão sem a contextualizar, uma vez que sabe que este termo, nos tempos
que correm, é quase exclusivamente utilizado para designar personagens como Bin–Laden
e organizações como a Eta ou o Hamas.
b) Depois, a afirmação peremptória de que
a “a Igreja não se identifica com esta rudeza de linguagem. [será rude dizer
que a tuberculose ou a esquizofrenia são uma doença?] Não é compatível com a linha
e atitude pastoral” também não pode ser sua, uma vez que o Senhor Bispo sabe
muito bem que não tem autoridade nem competência para fazer uma afirmação deste
teor.
Importa i) em primeiro lugar, de novo,
indicar que não são apontados exemplos nem apresentadas razões; ii) em segundo
lugar, uma matéria que tem a ver com estilos e géneros literários sendo, por
isso, altamente discutível, e que depende de juízos prudenciais, os quais por
natureza não são absolutos nem infalíveis, é do domínio do opinável e o Senhor
Bispo não pode afirmar que a Igreja se identifica com a sua opinião pessoal.
Mesmo que todos e cada um dos Senhores Bispos portugueses, que toda a
Conferência Episcopal partilhasse unanimemente dessa opinião, continuaria a
carecer de autoridade e competência para o fazer. Poderão, isso sim, mandar-me
calar, ao que prontamente obedecerei, mas essa é outra questão; iii) é possível
que tenha havido uma confusão, pela semelhança das sonoridades, entre clareza
e rudeza? Sabendo-se como se sabe que a reengenharia social e o controlo
das consciências são sempre precedidos pela manipulação e falsificação da
linguagem não será imperativo, hoje como sempre, o anúncio claro da verdade
desnuda?
«Não diminuir em nada a doutrina de Cristo constitui eminente
forma de caridade para com as almas. … Ele foi … intransigente com o mal, mas
misericordioso com as pessoas» (Papa Paulo VI)
Para que não se vejam incompatibilidades
onde elas não existem - “Ele [P. Nuno Serras Pereira] defende umas posições
agressivas, com uma rudeza nada conformes à mais recente encíclica papal”) e
se possa fazer uma interpretação correcta da encíclica do Papa Bento XVI
importará meditar no que ele escreveu quando
Cardeal Ratzinger:
«Na encíclica Veritatis splendor,
João Paulo II rejeitou claramente as soluções chamadas “pastorais” que contrariem
as declarações do Magistério … o grande perigo é o de calar ou comprometer a
verdade em nome da caridade. A palavra da verdade pode, certamente, doer e ser
incómoda; mas é o caminho para a cura, para a paz e para a liberdade interior.
Uma pastoral que queira autenticamente ajudar a pessoa deve apoiar-se sempre na
verdade. Só o que é verdadeiro pode de facto ser pastoral» (Cardeal Joseph
Ratzinger) e também a do seu amigo Cardeal Tettamanzi:
«Em Jesus Cristo, e portanto na Sua
Igreja, a caridade nunca está separada da verdade, porque a verdade se
põe como fonte e força, conteúdo e fruto da própria caridade» (Cardeal
Dionigi Tettamanzi)
Quando Jesus afirma «Vós tendes por
pai o diabo, e quereis realizar os desejos do vosso pai … que é assassino desde
o princípio …» ou quando usa expressões como raça de víboras, hipócritas,
geração perversa, sepulcros caiados por fora mas imundos por dentro, ó gente
estulta, como se deverá classificar a Sua linguagem? Será incompatível ou
não com “a linha e a atitude pastoral”? Claro que se poderá argumentar que os
tempos eram outros, mas o tipo de reacção a esta linguagem parece muito
semelhante ao que hoje assistimos…
O mesmo se pode perguntar de S. Paulo
quando, por exemplo, exclama «Ó criatura, cheia de todas as astúcias e de
toda a iniquidade, filho do diabo, inimigo de toda a justiça, quando é que
cessarás de perverter os rectos caminhos do Senhor?» E se percorrermos a
história da Igreja que o Senhor Bispo tão bem conhece, de S. Jerónimo a S.
Agostinho, de S. Bernardo a St. António e a Sta. Catarina de Sena, de Bossuet a
António Vieira ou Lacordaire verificaremos que o tipo de linguagem classificado
como rude ou extremista pelo pseudo D. Carlos é uma presença constante na
pregação, na apologia, na refutação, no debate, no sermão, na conferência, na
homilética, na espiritualidade, na moral, no Magistério, até aos dias de hoje.
Para que não restem dúvidas dou um
exemplo que me parece particularmente esclarecedor. À pergunta do jornalista “E
a equiparação entre os métodos contraceptivos e o homicídio?” o pseudo D.
Carlos retorquiu “insere-se tudo na mesma linha de expressão”. Importa
notar, em primeiro lugar, que a questão está mal colocada. De facto, o que digo
na entrevista ao O Independente e nos escritos que tenho redigido é que
o DIU bem como outras substâncias (por ex. a pílula do dia seguinte) para além
de um possível efeito contraceptivo têm também ou principalmente um possível e
provável efeito abortivo, caso tenha havido fecundação. O Senhor D. Carlos, o
verdadeiro, nunca se pronunciaria sobre esta questão se não conhecesse as
minhas declarações ao referido semanário e o que tenho escrito sobre o assunto.
Ora o pseudo D. Carlos responde que essa minha posição é “agressiva”, rude e “extremista”
- “insere-se tudo na mesma linha de
expressão”. Ora acontece que a expressão não é minha mas sim do Papa João
Paulo II, como qualquer pessoa pode verificar na sua encíclica O Evangelho
da Vida nos números 13:
«Infelizmente, emerge cada vez mais a estreita conexão que
existe, a nível de mentalidade, entre as práticas da contracepção e do aborto,
como o demonstra, de modo alarmante, a produção de fármacos, dispositivos
intra-uterinos e vacinas, os quais, distribuídos com a mesma facilidade dos
contraceptivos, actuam na prática como abortivos nos primeiros dias de
desenvolvimento da vida do novo ser humano.» (sublinhado meu) e 58:
«Dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a
vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente
perverso e abominável. … [O] aborto
provocado é a morte deliberada e directa, independentemente da forma como
venha realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência, que
vai da concepção ao nascimento. A gravidade moral do aborto
provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um
homicídio e, particularmente, quando se consideram as circunstâncias
específicas que o qualificam.[sublinhados meus] A pessoa eliminada é um ser
humano que começa a desabrochar para a vida, isto é, o que de mais inocente,
em absoluto, se possa imaginar: nunca poderia ser considerado um agressor,
menos ainda um injusto agressor! É frágil, inerme, e numa medida tal que
o deixa privado inclusive daquela forma mínima de defesa constituída pela força
suplicante dos gemidos e do choro do recém-nascido. Está totalmente entregue
à protecção e aos cuidados daquela que o traz no seio. E todavia, às vezes, é
precisamente ela, a mãe, quem decide e pede a sua eliminação, ou até a provoca.»
Por outras palavras, o pseudo D. Carlos,
coisa que o Senhor Bispo D. Carlos Azevedo, o verdadeiro, nunca faria,
considera que o Papa João Paulo II tem uma “posição extremista”, que “a Igreja
não se identifica com [essa] rudeza de linguagem” e que ela “não é compatível
com a linha e atitude pastoral.”
iv) Como o demónio procura imitar as
obras de Deus mas invertendo-as, assim o pseudo D. Carlos terá invertido o que
o Bispo verdadeiro talvez dissesse:
[O mal interpretado ou imaginado] D.
Carlos Azevedo - Ele defende umas posições agressivas …
(sublinhado meu)
Qualquer pessoa que conheça o meu combate
ou tenha lido a entrevista sabe que o que procuro defender são posições agredidas:
os seres humanos agredidos no seio de suas mães ou em soturnos e tenebrosos
laboratórios, a família e o casamento agredidos, a castidade e a inocência
agredidas, a natalidade e a educação integral agredidas, a lei moral natural e
o Evangelho agredidos, a dignidade da pessoa e a Igreja agredidas, etc.
3. Resta-me lamentar que a entrevista que
concedi tenha sido ocasião de um tão bizarro mal entendido que envolveu o nome
do Senhor D. Carlos Azevedo, Bispo que estimo, considero e admiro.
4 – A peça do irmão Público
termina do seguinte teor: “Reafirma que ‘o aborto e a pedofilia são dois crimes
abomináveis, mas o primeiro pior do que o segundo, porque matar um ser humano
(mesmo em caso de violação – neste caso é violência sobre violência) é pior do
que o molestar; a morte é irreversível mas o criminoso pode regenerar-se e ser
perdoado.” Não há dúvida de que tanto num como no outro caso o criminoso pode
regenerar-se e alcançar o perdão. Porém, na conversa que tivemos, meu irmão Público,
falámos da possibilidade de recuperação que tem o abusado, não obstante as lacerações
profundíssimas que lhe foram infligidas na mente e no corpo, possibilidade essa
que não é concedida à pessoa assassinada, através do aborto provocado, pois o
futuro lhe é arrebatado e aniquilado. Eu sei que por vezes acontecem gralhas e
suponho que terá sido isso que sucedeu.
5 - Há mais uma ou outra imprecisão,
mas insignificantes, pelo que resta-me desejar do fundo do coração uma Santa e
Feliz Páscoa ao irmão Público e que Deus lhe conceda todas as bênçãos para a
nobilíssima missão de servir a Verdade e o Amor.
[1]
A Verdade
Condenada
Breves considerações sobre alguns aspectos de uma sentença
Nuno Serras Pereira
30. 11. 2005
1. Não seria, porventura, um absurdo que alguém fosse atirado
para o banco dos réus e condenado como difamador, por desmascarar ou denunciar
um indivíduo que fingindo-se cidadão honesto e de grandes virtudes, não
passasse, afinal, de um patifório avezado ao esbulho de inocentes desprevenidos,
dando-se este por ofendido e injuriado? Não será uma sem-razão que o
investigador cheio de dados objectivos e verificáveis seja increpado – e
consequentemente acriminado em juízo –, pelo pedófilo que o acusa de
falsificação propositada? E se se desse o caso de uma instituição – que
dissimuladamente se dedicasse de alma e coração ao infanticídio –, se
empertigar, soberba da sua “benevolência”, de processo em riste contra quem
revelasse a sua verdadeira natureza, conseguindo a sua condenação em tribunal
como difamador péssimo, não estaríamos perante um desatino monstruoso?
2. Arguir em sentença condenatória que as expressões “organização serial killer” e “viola impunemente a lei quando lhe convém”, constantes do artigo processado, Os
Abortófilos, ultrapassam os limites dos direitos “à crítica”, “à liberdade
de expressão”, “à revolta”, “à indignação”, e que “a fronteira de «risco permitido»” “foi
clamorosamente violada”
só é possível admitindo, como a sentença o faz, que “o autor sabia que os factos imputados à queixosa
eram falsos e, ainda assim, escreveu-os” e publicitou-os, na Internet.
Importa, por conseguinte, verificar se são mentirosas as
afirmações em questão, pois caso se comprove que são verdadeiras desaparecem os
fundamentos da condenação.
Analisemos, por isso, as expressões no seu contexto:
a) Diz a sentença que “…
o arguido … expressamente apelida a assistente [ou seja, a APF] de «organização
serial killer»”.
O que está escrito no artigo é o seguinte:
“A
IPPF, uma organização serial killer, é a segunda ONG maior do mundo,
sendo que a primeira é a Cruz Vermelha, e é a instituição que mais promove o
homicídio/aborto a nível mundial. O seu ramo em Portugal é a APF – esta
«sucursal», generosamente subsidiada e patrocinada por sucessivos governos, ao
longo de décadas, dá formação aos nossos políticos, esteve implicada, como
motor principal, em todas as investidas abortistas em Portugal, foi
condecorada, em 1998, pelo Presidente Jorge Sampaio e viola impunemente a lei
quando lhe convém.”
i) Comecemos por dar uma definição do termo serial killer.
Segundo o sítio www.answers.com este
termo refere-se a “someone who murders more than three victims one at a
time in a relatively short interval … someone who commits three or more murders
over an extended period of time with cooling-off periods in between. In between
their crimes, they appear to be quite normal, a state which Hervey Checkley and
Robert Hare call the «mask of sanity»”, alguém que
mata mais de três vítimas, uma de cada vez, num curto espaço de tempo, etc. O Oxford Dictionary define a mesma
expressão nos seguintes termos: “a
person who murders several people one after the other in a similar way”, uma pessoa que assassina várias
pessoas, uma após outra, de um modo parecido.
Procuremos agora, recorrendo ao prestigiado dicionário da
língua portuguesa Houaiss, conhecer o significado da palavra assassínio:
“homicídio voluntário, geralmente cometido com
premeditação”. O mesmo
desmancha-dúvidas elucida-nos sobre o termo homicídio: “destruição da vida de um ser humano …; crime que
consiste em tirar a vida de outrem”.
Podemos, portanto, concluir que assassínio significa matar
voluntariamente, geralmente de caso pensado, um ser humano. Do ponto de vista
moral ou ético importa acrescentar o adjectivo inocente, uma vez que, por
exemplo, quem mata em legítima defesa não assassina. Nesta perspectiva, assassinar
significa o acto de matar directa e propositadamente qualquer ser humano
inocente.
Temos, pois, que serial killer é todo aquele que
assassina, de um modo semelhante, um a um, mais de três seres humanos.
ii) Importa agora saber o que significa o termo aborto provocado,
uma vez que todo o artigo gira à volta dele e que, portanto, as afirmações
produzidas têm que ser lidas nesse contexto. A questão fundamental aqui é a de
saber se o aborto provocado é ou não um assassínio, um homicídio. É, pois,
essencial, olhar para a realidade, para a sua verdade e não para sentidos atribuídos
de modo inconstante e volúvel ao sabor das conveniências inconfessáveis dos mais
fortes e poderosos. Por isso, o contexto em que o autor se coloca, como se
depreende, da leitura do artigo, é o da lei natural (e a do direito que dela
deriva), rectamente interpretada pelo Magistério da Igreja.
Trata-se, portanto, de um reconhecimento, de uma descrição e
não de uma invenção ou manipulação: “nenhuma
palavra basta para alterar a realidade das coisas: o aborto provocado é a morte
deliberada e directa, independentemente da forma como venha realizada, de um
ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção ao
nascimento.” (João Paulo
II, Evangelium Vitae, 58).
Que a vida humana, ou melhor, que a vida do ser humano, ainda
mais explicitamente, que o indivíduo da espécie humana começa na concepção,
isto é, na fecundação é uma evidência certificada nos livros de embriologia,
ensinada nas faculdades de medicina, admitida pelos próprios propugnadores do
aborto (cf. Nuno Serras Pereira, A Pílula do Dia Seguinte, 16. 09. 2002),
verificada pelos especialistas da chamada procriação medicamente assistida (que
com maior propriedade se deveria nomear procriação tecnicamente substituída),
etc.
Daí que o Papa João Paulo II possa concluir com toda a
justiça: “a gravidade moral do aborto provocado aparece em toda a sua
verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio.” (João Paulo II, Idem).
Homicídio ou assassinato porque morte directa e voluntária de
uma pessoa, já que “todo o ser humano é pessoa” (Papa João
XXIII).
Ciente da “vasta rede de … instituições
internacionais, fundações e associações, que se batem sistematicamente pela
legalização e difusão do aborto no mundo” (João Paulo II, Evangelium Vitae, 59), João Paulo II alerta: “A distinção que por vezes é sugerida em alguns
documentos internacionais entre ser humano e pessoa humana, para
depois reconhecer o direito à vida e à integridade física somente à pessoa já
nascida, é uma distinção artificial sem fundamento científico nem filosófico
... ” (João Paulo II, Discorso
ai participanti ella ottava Assemblea Generale della Pontificia Accademia Per
La Vita, L’Osservatore Romano, 1
Marzo 2002, p. 5).
E Romano Guardini explica:
A vida do homem é inviolável, porque ele é pessoa. O ser pessoa não é um dado de
natureza psicológica, mas existencial: fundamentalmente não depende nem da
idade, nem da condição psicológica, nem dos dons da natureza de que o sujeito é
provido. A personalidade pode permanecer sob o limiar da consciência – como
quando dormimos –, mas permanece e é
necessário fazer-lhe referência. A personalidade
pode também não estar desenvolvida, como quando somos crianças, mas desde o início
ela exige respeito moral. É até possível que a personalidade em geral não
assome nos actos, na medida em que faltam os pressupostos psico-físicos, como
acontece em doentes mentais. E, por fim, a personalidade pode ainda ficar
escondida, como no embrião; mas esta dá-se nele desde o início e tem os seus
direitos. É esta personalidade que dá aos homens a sua dignidade. Esta
distingue-os das coisas e torna-os sujeitos.
Trata-se uma coisa como se fosse
uma coisa quando a possuímos, a usamos e finalmente a destruímos ou – como se
diz em relação aos seres humanos – a matamos. A interdição de matar o ser humano exprime na forma
mais incisiva a proibição de o tratar como se fosse uma coisa.» (cf. Romano Guardini, Os direitos do nascituro,
in Studi Cattolici, Maio/Junho 1974).
iii) É necessário, ainda, um terceiro passo para indagar da
possibilidade de saber se a IPPF, pelo menos em alguns dos seus ramos ou
“sucursais”, realiza abortamentos e, em caso afirmativo, qual a quantidade,
para podermos aferir se existe ou não algum exagero ou excesso na expressão serial
killer.
Tenho diante de mim um fax – datado de 1 de Novembro deste
ano, que me foi enviado dos USA, assinado por Jim Sedlak, Vice-presidente do
projecto STOPP International, da American Life League (www.all.org) –, que entre outras coisas diz o
seguinte:
“Planned Parenthood
Federation of America [a federação das APF dos USA] is the United States affiliate
of the International Planned Parenthood Federation [IPPF]. PPFA currently runs
a chain of 165 surgical abortion facilities in the United States. … The data we
use come from PPFA’s own material – Primarily from its Annual Reports and its
Service Reports. … As can be seen from the attachments [também recebidos por
fax], PPFA has committed over 3.5 million abortions since 1970 and currently
does almost a quarter-million each year.” …
É, pois, evidente que não se cometeu nenhum excesso ao apelidar
de serial killer uma organização que, só nos USA, em trinta e cinco
anos, provocou três milhões e quinhentos mil abortos, sendo que actualmente
realiza cerca de duzentos e cinquenta mil por ano. E se tivermos em conta a
doutrina da Igreja Católica (de que o autor é membro e sacerdote) sobre o
assunto, a saber – “dentre todos
os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta
características que o tornam particularmente perverso e abominável” (João Paulo II, Evangelium Vitae,
58) –, só se poderá concluir que se o escritor prevaricou, foi por defeito,
nunca por demasia.
Por último, convirá acrescentar que o escrever que a IPPF
é uma organização serial killer não significa necessariamente
afirmar que todos os seus ramos ou “sucursais” o são, ou que o são em igual
medida – por isso, não deixa de ser curiosa a assertiva de que “… o arguido …
expressamente apelida a assistente [ou seja, a APF] de «organização serial killer»”.
Porém, o facto de em Portugal, por enquanto, não se admitir a realização de
abortamentos em clínicas privadas poderá ser um factor decisivo da não
realização cirúrgica deste tipo de homicídios, por parte da APF. Se esta instituição
partilha de toda a visão ideológica da IPPF e procura que ela se imponha e se
leve a efeito em Portugal, porque é que não se há de admitir que só não faz o
que as outras congéneres concretizam, nos USA, por estar impedida?, e que todo
o seu empenho terá, também, como objectivo uma prática idêntica? Depois, é
público e notório que a APF promove e facilita abortivos precoces, tais como a
pílula do dia seguinte ou o DIU. Aliás nas páginas do seu sítio, a APF, sem o
dizer claramente, admite a morte dos concebidos, como se pode verificar, por
exemplo, quando a propósito da chamada contracepção de emergência (isto é,
pílula do dia seguinte [pds]) declara: “Assim,
a C.E. pode: … Impedir a implantação dum ovo [eufemismo usado para dizer,
camuflando, ser humano na sua fase embrionária] na parede do útero …” (http://www.apf.pt/novidades/contemg.htm)
É verdade, suponho eu, que a APF não agarra, a mãos ambas, os
maxilares e mandíbulas das mães grávidas (para a manipulação ardilosa desta
expressão de modo a fazer crer dolosamente que a gravidez se inicia com a
nidação, ou implantação, e não com a fecundação ver: Nuno Serras Pereira, A
Pílula do Dia Seguinte, 16. 09. 2002), forçando-as a engolir o fármaco,
como os pais faziam antigamente aos filhos que repugnavam o óleo de fígado de
bacalhau. Há, no entanto, outras formas de coação, que podem ser dissimuladas
recorrendo, por exemplo, à sedução. Depois, será possível negar que um sujeito,
consciente e livre, que propositadamente forneça armas a outros com o objectivo
confessado de que eles assassinem, seja ele também um matador, um homicida, um serial
killer? Adaptando o dizer do nosso povo tão ladrão é o que vai à vinha
como o que fica a ver, estaria mal proverbiar tão homicida é o que
assassina como o que dá a arma para o fazer?
b) Vejamos agora, ainda que em breve instantes, se é possível
apresentar algum dado objectivo que comprove a segunda afirmação, dada como
falsa pela sentença: “… a APF … viola
impunemente a lei quando lhe convém.”.
i) O Jornal de Notícias (JN) noticiou a 16-06-2000 (http://jn2.sapo.pt/arquivo/noticia.asp?id=180948):
A Associação para o Planeamento da Família (APF)
vai disponibilizar a pílula do dia seguinte [pds] sem obrigatoriedade de
receita médica nas suas delegações regionais e outros serviços de atendimento
jovem em que participe. … Comercializada em Portugal desde Setembro de 1999, a
chamada pílula do dia seguinte actua com eficácia se for tomada até um máximo
de 72 horas após a relação sexual desprotegida, estando disponível apenas
mediante receita médica. …
A citação é clara,
quando a lei positiva estabelecia que a pds só poderia ser adquirida
mediante receita médica a APF anunciou a sua distribuição prescindindo dela.
Alguém sabe de alguma sanção a que esta instituição tenha sido sujeita por esta
razão? Será necessário algum comentário?
ii) Todo o debate
do aborto tem girado à volta do direito à vida, ou seja, do reconhecimento da
dignidade de cada ser humano, de cada pessoa, desde o seu primeiro instante.
Uns defendem, com acerto, que esse direito é primordial, sendo o fundamento e a
raiz dos demais, e que por isso deve ser sempre reconhecido, respeitado e
tutelado por todos e, particularmente, pelo Estado; outros, erradamente,
desvalorizam a vida humana intra-uterina, isto é, a pessoa humana,
eminentemente inocente, na sua fase mais vulnerável, advogando que ela deva
ceder – sendo liquidada pelos serviços de saúde (!?), pagos com o dinheiro de
todos –, perante outros direitos ou simples interesses e conveniências de quem
é mais forte e poderoso, a mãe e outros.
Isto significa que
quando se trata deste assunto o seu centro é a questão da vida ou da morte, e
não uma arbitrária definição de gravidez. Vamos ao ponto: em Portugal o aborto
provocado foi legalizado, mas só em determinadas circunstâncias. Porém, na
prática, ao arrepio da lei positiva (no caso da pds, pelo menos até 8. 03.
2001, em que foi aprovado dolosamente - pelo PS, PCP e BE - um projecto de lei
sobre a contracepção de emergência) liberalizou-se totalmente o aborto até ao
momento da implantação do concebido no seio de sua mãe, através de vários
métodos que são disponibilizados nos serviços de saúde do Estado gratuitamente
ou, ao menos, por ele comparticipados. E, claro, como sabemos, e a própria faz
questão de divulgar, a APF tem em tudo isto muita parte. Não sendo jurista, não
poderei garantir que neste aspecto se dê uma violação da lei positiva. Deixarei
aos especialistas o cuidado de examinarem esta questão, caso não entendam que
seja uma insignificância tratar dos nossos irmãos minúsculos. De qualquer modo,
para mim é claríssimo que a APF viola a lei natural e o faz impunemente uma vez
que o Estado não tutela, como é seu estrito dever, a igual dignidade de toda a
pessoa humana.
[2]
As entrevistas dadas a jornais não decorrem com muitos pensam. Neste caso, por
exemplo, o jornalista, pessoa bem-educada, respeitadora, inteligente e arguto no
perguntar gravou uma conversa comigo de, mais ou menos, uma hora e meia. O que
saiu foi uma síntese elaborada livremente pelo entrevistador sem que eu tivesse
conhecimento prévio do que ia sair (também não fiz esse pedido). Por isso, há
coisas de que se falou e que não aparecem, outras aparecem fora de um contexto
que as tornava mais compreensíveis, outras não só tiradas do contexto mas
colocadas noutro, etc.