domingo, 31 de março de 2013

Carta aberta ao Público - por Nuno Serras Pereira




31. 03. 2013



Saudações de Paz e Bem, irmão jornal!!

O irmão traz na revista 2 da sua edição de hoje, uma reportagem intitulada “retratos de um país católico”. Nas páginas 19 e 20 teve a bondade de falar de mim. Confesso que não tenho por costume corrigir ou esclarecer o que a comunicação social traz sobre mim ou me atribui. Por isso que, também desta vez, não fora a indignação e a insistência do meu irmão mais novo, ignoraria alguns dos desacertos que a peça contém. Um dos “inconvenientes” de ser franciscano tem a ver com a exortação de S. Francisco de Assis a que obedeçamos a todas as criaturas, por amor de Deus. Daí o ter dado a entrevista que procurei recusar e o cumprir agora o mandato do mano benjamim.

Cingir-me-ei aos dois primeiros parágrafos (e ao final) que introduzem a conversa comigo:

1 – “Nuno Serras Pereira é um Padre controverso. Anunciou publicamente que negaria a comunhão a quem usasse a contracepção, porque ‘são homicidas’.”

Estas afirmações referem-se a um anúncio, que estampei no Público em 2005, intitulado: “Participação aos interessados – Direito à vida e Eucaristia”; que passo a transcrever: 

“Na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas envolvidas o padre Nuno Serras Pereira, sacerdote católico, vem por este meio dar público conhecimento que, em virtude do que estabelece o cânone 915 do Código de Direito Canónico, está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente (isto é, publicamente) têm perseverado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes quer através de diversas pílulas, do DIU, da pílula do dia seguinte – ou outras substâncias que para além do possível efeito contraceptivo possam ter também um efeito letal no recém concebido; quer por meio das técnicas de fecundação extra-corpórea, da selecção embrionária, da crio preservação, da experimentação em embriões, da investigação em células estaminais embrionárias, da redução fetal, da clonagem…; quer através da legalização do aborto (votar ou participar em campanhas a seu favor), o que inclui a aceitação ou concordância com a actual ‘lei’ em vigor (6/84); quer, ainda, pela eutanásia.”

O respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para com o povo cristão e para com todos são razões ponderosas que, seguramente, ajudarão a compreender a razão de ser deste grave dever que o cânone 915, vinculando a consciência, exige dos ministros da Eucaristia.

Da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo convido todos ao arrependimento e à retractação pública, para que refeita a comunhão com Deus e com a Sua Igreja possam receber digna e frutuosamente o Corpo do Senhor.”

Faço notar que o núcleo desta nota é o seguinte: “… está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente (isto é, publicamente) têm perseverado (ou seja, de forma obstinada) em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes … ”. A substância ou o instrumento contraceptivo ou anticoncepcional verdadeiro é aquele cujo efeito único é o de frustrar a fecundação. Ora sucede que em virtude de uma enorme fraude que se começou a gizar nos anos 50, do século passado, deixou de se dizer que a gravidez começava na fecundação e passou a propagandear-se que esta iniciava na nidação. Dado este passo, o seguinte estava facilitado: as substâncias ou os instrumentos que permitem a concepção mas impedem que a criança recém-gerada se aninhe no útero de sua mãe, morrendo assim à fome e consequentemente despejadas na sanita, não são abortivas. Ora, com ensina a encíclica Evangelium vitae, do Bem-aventurado João Paulo II, “o aborto provocado é a morte deliberada e directa, independentemente da forma como é realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção ao nascimento.”. Como é evidente, a nota que fiz publicar em anúncio referia-se àqueles produtos que têm um efeito abortivo/interceptivo, eliminando assim a pessoa humana na sua fase embrionária.

2 – “Foi condenado a 130 euros de multa, por difamação, após acusar, como serial killer, a Associação de Planeamento Familiar.”

O irmão Público refere-se a um texto que escrevi intitulado Os Abortófilos[1], mas apesar de conhecer o blog (Logos) onde figura esse artigo, esqueceu-se de referir o que lá vem antes do mesmo: “Nota Bene: O autor deste artigo foi processado e condenado por difamação em 1ª instância. Tendo recorrido para o Tribunal da Relação foi inocentado. A sentença transitou em julgado, pelo que a Justiça reconheceu que a acusação sobre o carácter difamatório do artigo é infundada.” Se alguém quiser saber mais sobre a origem e natureza da apf, pode ler aqui. Desconheço qual a razão que levou a comunicação social a ser tão pródiga em publicitar a condenação e se absteve de noticiar a absolvição. 

3 – “Considerou que ‘a homossexualidade é uma doença curável’. Denegriu o aborto como ‘crime pior do que o da pedofilia’.//Estas tomadas de posição foram reprovadas pelo cardeal-patriarca e pelo Superior Provincial dos Franciscanos, a ordem a que pertence Serras Pereira. A crítica mais veemente foi feita pelo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa: ‘A Igreja não se identifica com a rudeza da sua linguagem, que contraria a última encíclica papa’.”

a)  Erra o meu irmão Público ao escrever que o Cardeal-Patriarca e o Provincial dos franciscanos reprovaram todas essas coisas, uma vez que eles só se pronunciaram sobre o anúncio, acima transcrito, que fiz publicar nesse mesmo jornal, em 2005. Acresce que o meu irmão jornal poderia adiantar que eu demonstrei num texto que correu pela Inter-rede que ambos estavam enganados. E, ainda, que o Cardeal Patriarca se retractou das declarações reprovadoras, aliás informais, que tinha feito à porta da casa de saúde do Telhal, na homilia da Missa da Ceia do Senhor (nº 4), na Quinta-feira Santa – a que unicamente deu destaque o periódico, entretanto já desaparecido, A Capital. Não saberei dizer se foi a primeira vez que o Senhor Cardeal-Patriarca se desdisse, mas é notório que não foi a única ocasião. Deixo, aqui, de qualquer modo uma síntese do ensinamento autorizado e oficial da Igreja sobre o assunto: 

Não Matarás, Cânone 915 e Comunhão Eucarística

A Doutrina da Igreja

O Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, declara:

1. A proibição feita no cânon 915, por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja. O texto das Escrituras ao qual a Tradição eclesial sempre remonta é o de São Paulo: 1 Cor 11, 27-29.

Este texto diz respeito primeiramente ao próprio fiel e à sua consciência como consta no cânon 916. Porém o ser-se indigno por se achar em estado de pecado põe também um grave problema jurídico na Igreja: precisamente ao termo «indigno» refere-se o cânon do Código dos Cânones das Igrejas Orientais que é paralelo ao cân. 915 latino: «Devem ser impedidos de receber a Divina Eucaristia aqueles que são publicamente indignos» (cân. 712). Com efeito, receber o Corpo de Cristo sendo publicamente indigno é um comportamento que atenta contra os direitos da Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa comunhão. Deve-se evitar o escândalo, concebido como acção que move os outros ao mal. Tal escândalo subsiste mesmo se, lamentavelmente, um tal comportamento já não despertar admiração alguma: pelo contrário, é precisamente diante da deformação das consciências, que se torna mais necessária por parte dos Pastores, uma acção tão paciente quanto firme, que tutele a santidade dos sacramentos, em defesa da moralidade cristã e da recta formação dos fiéis.

2. Qualquer interpretação do cân. 915 que se oponha ao conteúdo substancial, declarado ininterruptamente pelo Magistério e pela disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é claramente fonte de desvios. A fórmula: «e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto» é clara e deve ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando a norma inaplicável. As três condições requeridas são:

a) o pecado grave, entendido objectivamente, porque da imputabilidade subjectiva o ministro da Comunhão não poderia julgar; b) a perseverança obstinada, que significa a existência de uma situação objectiva de pecado que perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não sendo necessários outros requisitos (atitude de desacato, admonição prévia, etc.) para que se verifique a situação na sua fundamental gravidade eclesial; c) o carácter manifesto da situação de pecado grave habitual.

3. A prudência pastoral aconselha vivamente a evitar que se chegue a casos de recusa pública da sagrada Comunhão. Os Pastores devem esforçar-se por explicar aos fiéis envolvidos o verdadeiro sentido eclesial da norma, de modo que a possam compreender ou ao menos respeitar. Quando, porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito ou não tenham sido possíveis, o ministro da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la a quem seja publicamente indigno, com firmeza, consciente do valor que estes sinais de fortaleza têm para o bem da Igreja e das almas.

4. Nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar directrizes que a contradigam.

5. O dever de reafirmar esta impossibilidade de admitir à Eucaristia é condição de verdadeira pastoral, de autêntica preocupação pelo bem dos fiéis e de toda a Igreja.


b)     Quanto à declaração “A Igreja não se identifica com a rudeza da sua linguagem, que contraria a última encíclica papa”. Ela não foi feita pelo Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, mas foram atribuidas, não só a propósito do aborto provocado mas também da homossexualidade, ao Bispo D. Carlos Azevedo, pelo quotidiano Correio da Manhã. Como se pode verificar pelo texto que então escrevi:  

As Pseudo Declarações de D. Carlos Azevedo ao Correio da Manhã

Nuno Serras Pereira
12. 02. 2006

1. O jornal diário Correio da Manhã traz na página 19 da sua edição de ontem (11. 02. 2006) umas declarações, ao que creio, atribuídas falsamente ao Senhor D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. De facto, não se vê como é que este distinto e ilustre académico, inteligente e culto, varão virtuoso e sacerdote dedicado, dotado de grande generosidade e sentido de solidariedade, pudesse ter produzido tais afirmações. 

Não quero, de modo nenhum, supor que da parte do jornalista tenha havido má-fé, mas sabemos como são frequentes os erros involuntários de comunicação e de interpretação. Por exemplo, na mesma página 19 o jornalista atribui-me frases que nunca me ouviu (ou leu) colocando-as entre aspas como se eu as tivesse proferido: “o lóbi gay manda nas televisões” ou “métodos contraceptivos legítimos”. Também na entrevista do dia anterior ao semanário O Independente, para dar só um exemplo, o jornalista (o mais natural é que tenha sido uma gralha, penso eu) põe na minha boca algo que eu nunca diria[2]: “Os especialistas explicam que [a homossexualidade] é uma psicose”.

2. Posta esta breve introdução analisemos alguns aspectos das supostas declarações.

O jornalista naturalmente procura saber, junto do porta-voz da Conferência Episcopal qual a posição da Igreja sobre as minhas afirmações na entrevista e muito concretamente sobre a homossexualidade:

Correio da Manhã - A Igreja revê-se nas declara­ções do pa­dre Serras Pereira, como a de que a homossexualidade é uma doença?

[O mal interpretado ou imaginado] D. Carlos Azevedo - As posições do padre Nuno Ser­ras Pereira são conhecidas pelo seu extremismo. A Igreja não se identifica com esta rudeza de linguagem. Não é compatível com a li­nha e atitude pastoral.

Correio da Manhã - E a equiparação entre os métodos contracepti­vos e o homicídio?

[O mal interpretado ou imaginado] D. Carlos Azevedo - Insere-se tudo na mesma linha de expressão.

Correio da Manhã - Pode-se concluir que a Igreja vê o padre Serras Pereira como um funda­mentalista?

[O mal interpretado ou imaginado] D. Carlos Azevedo - Ele defende umas posições agressivas, com uma rudeza nada conformes à mais re­cente encíclica papal.

Correio da Manhã - A conclusão é então le­gítima, mas não usa o termo fundamentalista?

[O mal interpretado ou imaginado] D. Carlos Azevedo - Não sou eu que vou fazer como aqueles que protes­tam contra as caricaturas e depois são mais agressivas do que a própria agressão de que dizem ser alvo.

a) Se as respostas tivessem sido realmente estas tudo seria muito para estranhar. Em primeiro lugar porque não replica à pergunta concreta sobre a homossexualidade. De facto, o que se quer saber é o que a Igreja ensina sobre este assunto e se as declarações feitas por aquele sacerdote são, ou não, conformes ou compatíveis com a sua doutrina. Não se está a pedir a opinião pessoal e subjectiva, o que é que D. Carlos pensa ou acha mas sim a indagar a posição da Igreja. Note-se de passagem que na entrevista que concedi ao O Independente o entrevistador interpela-me sempre pessoalmente enquanto que aqui o jornalista interroga a Igreja.

Ora a Igreja fantástica [da fantasia de quem isto elucubrou] responde pela boca do imaginado D. Carlos: “As posições do padre Nuno Ser­ras Pereira são conhecidas pelo seu extremismo”. Seria caso para perguntar em que Concílio é que isto teria ficado decidido… Este truque maquiavélico que consiste em desviar a atenção do argumento para denegrir o carácter da pessoa (de facto, só o extremista tem posições extremistas; repare-se, ainda, no “as posições”, isto é, todas as posições!) colocando-lhe uma etiqueta, como se fosse uma evidência, que o descredite perante todos foi uma artimanha usada à saciedade por leninistas e estalinistas contra quem se lhes opunha. Em vez de argumentar para provar procura-se acusar para desprezar, de modo a suscitar na opinião pública o desdém ou a indiferença pelas afirmações daquele que se pretende silenciar. Muitos bispos e sacerdotes foram vítimas deste tipo de “frases assassinas”, para usar uma expressão recorrente nos nossos dias, e não só na antiga U.R.S.S. Por exemplo, há uns anos, fizeram ao então Cardeal Ratzinger uma acusação semelhante, mas ele ripostou, cheio de bom-humor, que quando a maioria das pessoas se encontra amontoada num dos lados do barco, colocando-o em perigo de soçobrar, importa que alguém acorra ao outro extremo para evitar o naufrágio. É provável que o Senhor Bispo conheça este dito, mas estou em que, apesar disso, nunca empregaria essa expressão sem a contextualizar, uma vez que sabe que este termo, nos tempos que correm, é quase exclusivamente utilizado para designar personagens como Bin–Laden e organizações como a Eta ou o Hamas.

b) Depois, a afirmação peremptória de que a “a Igreja não se identifica com esta rudeza de linguagem. [será rude dizer que a tuberculose ou a esquizofrenia são uma doença?] Não é compatível com a li­nha e atitude pastoral” também não pode ser sua, uma vez que o Senhor Bispo sabe muito bem que não tem autoridade nem competência para fazer uma afirmação deste teor.

Importa i) em primeiro lugar, de novo, indicar que não são apontados exemplos nem apresentadas razões; ii) em segundo lugar, uma matéria que tem a ver com estilos e géneros literários sendo, por isso, altamente discutível, e que depende de juízos prudenciais, os quais por natureza não são absolutos nem infalíveis, é do domínio do opinável e o Senhor Bispo não pode afirmar que a Igreja se identifica com a sua opinião pessoal. Mesmo que todos e cada um dos Senhores Bispos portugueses, que toda a Conferência Episcopal partilhasse unanimemente dessa opinião, continuaria a carecer de autoridade e competência para o fazer. Poderão, isso sim, mandar-me calar, ao que prontamente obedecerei, mas essa é outra questão; iii) é possível que tenha havido uma confusão, pela semelhança das sonoridades, entre clareza e rudeza? Sabendo-se como se sabe que a reengenharia social e o controlo das consciências são sempre precedidos pela manipulação e falsificação da linguagem não será imperativo, hoje como sempre, o anúncio claro da verdade desnuda?
«Não diminuir em nada a doutrina de Cristo constitui eminente forma de caridade para com as almas. … Ele foi … intransigente com o mal, mas misericordioso com as pessoas» (Papa Paulo VI)

Para que não se vejam incompatibilidades onde elas não existem - “Ele [P. Nuno Serras Pereira] defende umas posições agressivas, com uma rudeza nada conformes à mais re­cente encíclica papal”) e se possa fazer uma interpretação correcta da encíclica do Papa Bento XVI importará meditar no que ele escreveu quando 

Cardeal Ratzinger:

«Na encíclica Veritatis splendor, João Paulo II rejeitou claramente as soluções chamadas “pastorais” que contrariem as declarações do Magistério … o grande perigo é o de calar ou comprometer a verdade em nome da caridade. A palavra da verdade pode, certamente, doer e ser incómoda; mas é o caminho para a cura, para a paz e para a liberdade interior. Uma pastoral que queira autenticamente ajudar a pessoa deve apoiar-se sempre na verdade. Só o que é verdadeiro pode de facto ser pastoral» (Cardeal Joseph Ratzinger) e também a do seu amigo Cardeal Tettamanzi:

«Em Jesus Cristo, e portanto na Sua Igreja, a caridade nunca está separada da verdade, porque a verdade se põe como fonte e força, conteúdo e fruto da própria caridade» (Cardeal Dionigi Tettamanzi)

Quando Jesus afirma «Vós tendes por pai o diabo, e quereis realizar os desejos do vosso pai … que é assassino desde o princípio …» ou quando usa expressões como raça de víboras, hipócritas, geração perversa, sepulcros caiados por fora mas imundos por dentro, ó gente estulta, como se deverá classificar a Sua linguagem? Será incompatível ou não com “a linha e a atitude pastoral”? Claro que se poderá argumentar que os tempos eram outros, mas o tipo de reacção a esta linguagem parece muito semelhante ao que hoje assistimos…

O mesmo se pode perguntar de S. Paulo quando, por exemplo, exclama «Ó criatura, cheia de todas as astúcias e de toda a iniquidade, filho do diabo, inimigo de toda a justiça, quando é que cessarás de perverter os rectos caminhos do Senhor?» E se percorrermos a história da Igreja que o Senhor Bispo tão bem conhece, de S. Jerónimo a S. Agostinho, de S. Bernardo a St. António e a Sta. Catarina de Sena, de Bossuet a António Vieira ou Lacordaire verificaremos que o tipo de linguagem classificado como rude ou extremista pelo pseudo D. Carlos é uma presença constante na pregação, na apologia, na refutação, no debate, no sermão, na conferência, na homilética, na espiritualidade, na moral, no Magistério, até aos dias de hoje.

Para que não restem dúvidas dou um exemplo que me parece particularmente esclarecedor. À pergunta do jornalista “E a equiparação entre os métodos contracepti­vos e o homicídio?” o pseudo D. Carlos retorquiu “insere-se tudo na mesma linha de expressão”. Importa notar, em primeiro lugar, que a questão está mal colocada. De facto, o que digo na entrevista ao O Independente e nos escritos que tenho redigido é que o DIU bem como outras substâncias (por ex. a pílula do dia seguinte) para além de um possível efeito contraceptivo têm também ou principalmente um possível e provável efeito abortivo, caso tenha havido fecundação. O Senhor D. Carlos, o verdadeiro, nunca se pronunciaria sobre esta questão se não conhecesse as minhas declarações ao referido semanário e o que tenho escrito sobre o assunto. Ora o pseudo D. Carlos responde que essa minha posição é “agressiva”, rude e “extremista” -  “insere-se tudo na mesma linha de expressão”. Ora acontece que a expressão não é minha mas sim do Papa João Paulo II, como qualquer pessoa pode verificar na sua encíclica O Evangelho da Vida nos números 13:

«Infelizmente, emerge cada vez mais a estreita conexão que existe, a nível de mentalidade, entre as práticas da contracepção e do aborto, como o demonstra, de modo alarmante, a produção de fármacos, dispositivos intra-uterinos e vacinas, os quais, distribuídos com a mesma facilidade dos contraceptivos, actuam na prática como abortivos nos primeiros dias de desenvolvimento da vida do novo ser humano.» (sublinhado meu)  e 58:

«Dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente perverso e abominável. … [O] aborto provocado é a morte deliberada e directa, independentemente da forma como venha realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção ao nascimento. A gravidade moral do aborto provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio e, particularmente, quando se consideram as circunstâncias específicas que o qualificam.[sublinhados meus] A pessoa eliminada é um ser humano que começa a desabrochar para a vida, isto é, o que de mais inocente, em absoluto, se possa imaginar: nunca poderia ser considerado um agressor, menos ainda um injusto agressor! É frágil, inerme, e numa medida tal que o deixa privado inclusive daquela forma mínima de defesa constituída pela força suplicante dos gemidos e do choro do recém-nascido. Está totalmente entregue à protecção e aos cuidados daquela que o traz no seio. E todavia, às vezes, é precisamente ela, a mãe, quem decide e pede a sua eliminação, ou até a provoca.»

Por outras palavras, o pseudo D. Carlos, coisa que o Senhor Bispo D. Carlos Azevedo, o verdadeiro, nunca faria, considera que o Papa João Paulo II tem uma “posição extremista”, que “a Igreja não se identifica com [essa] rudeza de linguagem” e que ela “não é compatível com a li­nha e atitude pastoral.”

iv) Como o demónio procura imitar as obras de Deus mas invertendo-as, assim o pseudo D. Carlos terá invertido o que o Bispo verdadeiro talvez dissesse:

[O mal interpretado ou imaginado] D. Carlos Azevedo - Ele defende umas posições agressivas … (sublinhado meu)

Qualquer pessoa que conheça o meu combate ou tenha lido a entrevista sabe que o que procuro defender são posições agredidas: os seres humanos agredidos no seio de suas mães ou em soturnos e tenebrosos laboratórios, a família e o casamento agredidos, a castidade e a inocência agredidas, a natalidade e a educação integral agredidas, a lei moral natural e o Evangelho agredidos, a dignidade da pessoa e a Igreja agredidas, etc.

3. Resta-me lamentar que a entrevista que concedi tenha sido ocasião de um tão bizarro mal entendido que envolveu o nome do Senhor D. Carlos Azevedo, Bispo que estimo, considero e admiro.

4 – A peça do irmão Público termina do seguinte teor: “Reafirma que ‘o aborto e a pedofilia são dois crimes abomináveis, mas o primeiro pior do que o segundo, porque matar um ser humano (mesmo em caso de violação – neste caso é violência sobre violência) é pior do que o molestar; a morte é irreversível mas o criminoso pode regenerar-se e ser perdoado.” Não há dúvida de que tanto num como no outro caso o criminoso pode regenerar-se e alcançar o perdão. Porém, na conversa que tivemos, meu irmão Público, falámos da possibilidade de recuperação que tem o abusado, não obstante as lacerações profundíssimas que lhe foram infligidas na mente e no corpo, possibilidade essa que não é concedida à pessoa assassinada, através do aborto provocado, pois o futuro lhe é arrebatado e aniquilado. Eu sei que por vezes acontecem gralhas e suponho que terá sido isso que sucedeu.

5 - Há mais uma ou outra imprecisão, mas insignificantes, pelo que resta-me desejar do fundo do coração uma Santa e Feliz Páscoa ao irmão Público e que Deus lhe conceda todas as bênçãos para a nobilíssima missão de servir a Verdade e o Amor.


[1] A Verdade Condenada
Breves considerações sobre alguns aspectos de uma sentença

Nuno Serras Pereira
30. 11. 2005

1. Não seria, porventura, um absurdo que alguém fosse atirado para o banco dos réus e condenado como difamador, por desmascarar ou denunciar um indivíduo que fingindo-se cidadão honesto e de grandes virtudes, não passasse, afinal, de um patifório avezado ao esbulho de inocentes desprevenidos, dando-se este por ofendido e injuriado? Não será uma sem-razão que o investigador cheio de dados objectivos e verificáveis seja increpado – e consequentemente acriminado em juízo –, pelo pedófilo que o acusa de falsificação propositada? E se se desse o caso de uma instituição – que dissimuladamente se dedicasse de alma e coração ao infanticídio –, se empertigar, soberba da sua “benevolência”, de processo em riste contra quem revelasse a sua verdadeira natureza, conseguindo a sua condenação em tribunal como difamador péssimo, não estaríamos perante um desatino monstruoso?

2. Arguir em sentença condenatória que as expressões “organização serial killer” e “viola impunemente a lei quando lhe convém”, constantes do artigo processado, Os Abortófilos, ultrapassam os limites dos direitos “à crítica”, “à liberdade de expressão”, “à revolta”, “à indignação”, e que “a fronteira de «risco permitido»” “foi clamorosamente violada” só é possível admitindo, como a sentença o faz, que “o autor sabia que os factos imputados à queixosa eram falsos e, ainda assim, escreveu-os” e publicitou-os, na Internet.

Importa, por conseguinte, verificar se são mentirosas as afirmações em questão, pois caso se comprove que são verdadeiras desaparecem os fundamentos da condenação.

Analisemos, por isso, as expressões no seu contexto:

a) Diz a sentença que “… o arguido … expressamente apelida a assistente [ou seja, a APF] de «organização serial killer»”.

O que está escrito no artigo é o seguinte:

“A IPPF, uma organização serial killer, é a segunda ONG maior do mundo, sendo que a primeira é a Cruz Vermelha, e é a instituição que mais promove o homicídio/aborto a nível mundial. O seu ramo em Portugal é a APF – esta «sucursal», generosamente subsidiada e patrocinada por sucessivos governos, ao longo de décadas, dá formação aos nossos políticos, esteve implicada, como motor principal, em todas as investidas abortistas em Portugal, foi condecorada, em 1998, pelo Presidente Jorge Sampaio e viola impunemente a lei quando lhe convém.”

i) Comecemos por dar uma definição do termo serial killer. Segundo o sítio www.answers.com este termo refere-se a “someone who murders more than three victims one at a time in a relatively short interval … someone who commits three or more murders over an extended period of time with cooling-off periods in between. In between their crimes, they appear to be quite normal, a state which Hervey Checkley and Robert Hare call the «mask of sanity»”, alguém que mata mais de três vítimas, uma de cada vez, num curto espaço de tempo, etc. O Oxford Dictionary define a mesma expressão nos seguintes termos: “a person who murders several people one after the other in a similar way”, uma pessoa que assassina várias pessoas, uma após outra, de um modo parecido.

Procuremos agora, recorrendo ao prestigiado dicionário da língua portuguesa Houaiss, conhecer o significado da palavra assassínio: “homicídio voluntário, geralmente cometido com premeditação”. O mesmo desmancha-dúvidas elucida-nos sobre o termo homicídio: “destruição da vida de um ser humano …; crime que consiste em tirar a vida de outrem”.

Podemos, portanto, concluir que assassínio significa matar voluntariamente, geralmente de caso pensado, um ser humano. Do ponto de vista moral ou ético importa acrescentar o adjectivo inocente, uma vez que, por exemplo, quem mata em legítima defesa não assassina. Nesta perspectiva, assassinar significa o acto de matar directa e propositadamente qualquer ser humano inocente.

Temos, pois, que serial killer é todo aquele que assassina, de um modo semelhante, um a um, mais de três seres humanos.

ii) Importa agora saber o que significa o termo aborto provocado, uma vez que todo o artigo gira à volta dele e que, portanto, as afirmações produzidas têm que ser lidas nesse contexto. A questão fundamental aqui é a de saber se o aborto provocado é ou não um assassínio, um homicídio. É, pois, essencial, olhar para a realidade, para a sua verdade e não para sentidos atribuídos de modo inconstante e volúvel ao sabor  das conveniências inconfessáveis dos mais fortes e poderosos. Por isso, o contexto em que o autor se coloca, como se depreende, da leitura do artigo, é o da lei natural (e a do direito que dela deriva), rectamente interpretada pelo Magistério da Igreja.

Trata-se, portanto, de um reconhecimento, de uma descrição e não de uma invenção ou manipulação: “nenhuma palavra basta para alterar a realidade das coisas: o aborto provocado é a morte deliberada e directa, independentemente da forma como venha realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção ao nascimento.” (João Paulo II, Evangelium Vitae, 58).

Que a vida humana, ou melhor, que a vida do ser humano, ainda mais explicitamente, que o indivíduo da espécie humana começa na concepção, isto é, na fecundação é uma evidência certificada nos livros de embriologia, ensinada nas faculdades de medicina, admitida pelos próprios propugnadores do aborto (cf. Nuno Serras Pereira, A Pílula do Dia Seguinte, 16. 09. 2002), verificada pelos especialistas da chamada procriação medicamente assistida (que com maior propriedade se deveria nomear procriação tecnicamente substituída), etc.

Daí que o Papa João Paulo II possa concluir com toda a justiça: “a gravidade moral do aborto provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio.” (João Paulo II, Idem).  

Homicídio ou assassinato porque morte directa e voluntária de uma pessoa, já que “todo o ser humano é pessoa” (Papa João XXIII).

Ciente da “vasta rede de … instituições internacionais, fundações e associações, que se batem sistematicamente pela legalização e difusão do aborto no mundo” (João Paulo II, Evangelium Vitae, 59), João Paulo II alerta: “A distinção que por vezes é sugerida em alguns documentos internacionais entre ser humano e pessoa humana, para depois reconhecer o direito à vida e à integridade física somente à pessoa já nascida, é uma distinção artificial sem fundamento científico nem filosófico ... ” (João Paulo II, Discorso ai participanti ella ottava Assemblea Generale della Pontificia Accademia Per La Vita,  L’Osservatore Romano, 1 Marzo 2002, p. 5).

E Romano Guardini explica:

A vida do homem é inviolável, porque ele é pessoa. O ser pessoa não é um dado de natureza psi­cológica, mas existencial: fundamentalmente não depen­de nem da idade, nem da condição psicológica, nem dos dons da natureza de que o sujeito é provido. A per­sonalidade pode permanecer sob o limiar da consciência – como quando dormimos –, mas permanece e é necessário fazer-lhe referência. A personalidade pode também não estar desenvolvida, como quando somos crianças, mas desde o início ela exige respeito moral. É até possível que a per­sonalidade em geral não assome nos actos, na medida em que faltam os pressupostos psico-físicos, como acontece em doentes mentais. E, por fim, a personalidade pode ainda ficar escondida, como no embrião; mas esta dá-se nele desde o início e tem os seus direitos. É esta personali­dade que dá aos homens a sua dignidade. Esta distingue­-os das coisas e torna-os sujeitos. Trata-se uma coisa como se fosse uma coisa quando a possuímos, a usamos e finalmente a destruímos ou – como se diz em relação aos seres humanos – a matamos. A interdição de matar o ser humano exprime na forma mais incisiva a proibição de o tratar como se fosse uma coi­sa.» (cf. Romano Guardini, Os direitos do nascituro, in Stu­di Cattolici, Maio/Junho 1974).

iii) É necessário, ainda, um terceiro passo para indagar da possibilidade de saber se a IPPF, pelo menos em alguns dos seus ramos ou “sucursais”, realiza abortamentos e, em caso afirmativo, qual a quantidade, para podermos aferir se existe ou não algum exagero ou excesso na expressão serial killer.

Tenho diante de mim um fax – datado de 1 de Novembro deste ano, que me foi enviado dos USA, assinado por Jim Sedlak, Vice-presidente do projecto STOPP International, da American Life League (www.all.org) –, que entre outras coisas diz o seguinte:

“Planned Parenthood Federation of America [a federação das APF dos USA] is the United States affiliate of the International Planned Parenthood Federation [IPPF]. PPFA currently runs a chain of 165 surgical abortion facilities in the United States. … The data we use come from PPFA’s own material – Primarily from its Annual Reports and its Service Reports. … As can be seen from the attachments [também recebidos por fax], PPFA has committed over 3.5 million abortions since 1970 and currently does almost a quarter-million each year.”

É, pois, evidente que não se cometeu nenhum excesso ao apelidar de serial killer uma organização que, só nos USA, em trinta e cinco anos, provocou três milhões e quinhentos mil abortos, sendo que actualmente realiza cerca de duzentos e cinquenta mil por ano. E se tivermos em conta a doutrina da Igreja Católica (de que o autor é membro e sacerdote) sobre o assunto, a saber – “dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente perverso e abominável” (João Paulo II, Evangelium Vitae, 58) –, só se poderá concluir que se o escritor prevaricou, foi por defeito, nunca por demasia.

Por último, convirá acrescentar que o escrever que a IPPF é uma organização serial killer não significa necessariamente afirmar que todos os seus ramos ou “sucursais” o são, ou que o são em igual medida – por isso, não deixa de ser curiosa a assertiva de que “… o arguido … expressamente apelida a assistente [ou seja, a APF] de «organização serial killer»”. Porém, o facto de em Portugal, por enquanto, não se admitir a realização de abortamentos em clínicas privadas poderá ser um factor decisivo da não realização cirúrgica deste tipo de homicídios, por parte da APF. Se esta instituição partilha de toda a visão ideológica da IPPF e procura que ela se imponha e se leve a efeito em Portugal, porque é que não se há de admitir que só não faz o que as outras congéneres concretizam, nos USA, por estar impedida?, e que todo o seu empenho terá, também, como objectivo uma prática idêntica? Depois, é público e notório que a APF promove e facilita abortivos precoces, tais como a pílula do dia seguinte ou o DIU. Aliás nas páginas do seu sítio, a APF, sem o dizer claramente, admite a morte dos concebidos, como se pode verificar, por exemplo, quando a propósito da chamada contracepção de emergência (isto é, pílula do dia seguinte [pds]) declara: “Assim, a C.E. pode: … Impedir a implantação dum ovo [eufemismo usado para dizer, camuflando, ser humano na sua fase embrionária] na parede do útero …” (http://www.apf.pt/novidades/contemg.htm)

É verdade, suponho eu, que a APF não agarra, a mãos ambas, os maxilares e mandíbulas das mães grávidas (para a manipulação ardilosa desta expressão de modo a fazer crer dolosamente que a gravidez se inicia com a nidação, ou implantação, e não com a fecundação ver: Nuno Serras Pereira, A Pílula do Dia Seguinte, 16. 09. 2002), forçando-as a engolir o fármaco, como os pais faziam antigamente aos filhos que repugnavam o óleo de fígado de bacalhau. Há, no entanto, outras formas de coação, que podem ser dissimuladas recorrendo, por exemplo, à sedução. Depois, será possível negar que um sujeito, consciente e livre, que propositadamente forneça armas a outros com o objectivo confessado de que eles assassinem, seja ele também um matador, um homicida, um serial killer? Adaptando o dizer do nosso povo tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica a ver, estaria mal proverbiar tão homicida é o que assassina como o que dá a arma para o fazer?

b) Vejamos agora, ainda que em breve instantes, se é possível apresentar algum dado objectivo que comprove a segunda afirmação, dada como falsa pela sentença: “… a APF … viola impunemente a lei quando lhe convém.”.

i) O Jornal de Notícias (JN) noticiou a 16-06-2000 (http://jn2.sapo.pt/arquivo/noticia.asp?id=180948):

A Associação para o Planeamento da Família (APF) vai disponibilizar a pílula do dia seguinte [pds] sem obrigatoriedade de receita médica nas suas delegações regionais e outros serviços de atendimento jovem em que participe. … Comercializada em Portugal desde Setembro de 1999, a chamada pílula do dia seguinte actua com eficácia se for tomada até um máximo de 72 horas após a relação sexual desprotegida, estando disponível apenas mediante receita médica. …
A citação é clara, quando a lei positiva estabelecia que a pds só poderia ser adquirida mediante receita médica a APF anunciou a sua distribuição prescindindo dela. Alguém sabe de alguma sanção a que esta instituição tenha sido sujeita por esta razão? Será necessário algum comentário?

ii) Todo o debate do aborto tem girado à volta do direito à vida, ou seja, do reconhecimento da dignidade de cada ser humano, de cada pessoa, desde o seu primeiro instante. Uns defendem, com acerto, que esse direito é primordial, sendo o fundamento e a raiz dos demais, e que por isso deve ser sempre reconhecido, respeitado e tutelado por todos e, particularmente, pelo Estado; outros, erradamente, desvalorizam a vida humana intra-uterina, isto é, a pessoa humana, eminentemente inocente, na sua fase mais vulnerável, advogando que ela deva ceder – sendo liquidada pelos serviços de saúde (!?), pagos com o dinheiro de todos –, perante outros direitos ou simples interesses e conveniências de quem é mais forte e poderoso, a mãe e outros.

Isto significa que quando se trata deste assunto o seu centro é a questão da vida ou da morte, e não uma arbitrária definição de gravidez. Vamos ao ponto: em Portugal o aborto provocado foi legalizado, mas só em determinadas circunstâncias. Porém, na prática, ao arrepio da lei positiva (no caso da pds, pelo menos até 8. 03. 2001, em que foi aprovado dolosamente - pelo PS, PCP e BE - um projecto de lei sobre a contracepção de emergência) liberalizou-se totalmente o aborto até ao momento da implantação do concebido no seio de sua mãe, através de vários métodos que são disponibilizados nos serviços de saúde do Estado gratuitamente ou, ao menos, por ele comparticipados. E, claro, como sabemos, e a própria faz questão de divulgar, a APF tem em tudo isto muita parte. Não sendo jurista, não poderei garantir que neste aspecto se dê uma violação da lei positiva. Deixarei aos especialistas o cuidado de examinarem esta questão, caso não entendam que seja uma insignificância tratar dos nossos irmãos minúsculos. De qualquer modo, para mim é claríssimo que a APF viola a lei natural e o faz impunemente uma vez que o Estado não tutela, como é seu estrito dever, a igual dignidade de toda a pessoa humana.

[2] As entrevistas dadas a jornais não decorrem com muitos pensam. Neste caso, por exemplo, o jornalista, pessoa bem-educada, respeitadora, inteligente e arguto no perguntar gravou uma conversa comigo de, mais ou menos, uma hora e meia. O que saiu foi uma síntese elaborada livremente pelo entrevistador sem que eu tivesse conhecimento prévio do que ia sair (também não fiz esse pedido). Por isso, há coisas de que se falou e que não aparecem, outras aparecem fora de um contexto que as tornava mais compreensíveis, outras não só tiradas do contexto mas colocadas noutro, etc.