sábado, 23 de maio de 2009

Uma Inteligência Rara

Embora a maior virtude de que me orgulhe seja a humildade, não posso calar a inteligência verdadeiramente singular de que sou dotado. Descendo ao nível dos comuns mortais, não elaborarei abstractamente provas irrefutáveis do meu elevado génio intelectual. Recorrerei ao processo narrativo relatando alguns episódios da minha vida que demonstrarão cabalmente, sem qualquer margem para dúvida, o altíssimo entendimento que possuo.

A talentosa precocidade revelou-se logo aos três anos de idade quando depois de ouvir longas conversas entre adultos, grupo em que se incluía a minha avó paterna, viúva de há longos anos, lhe perguntei se tinha conhecido a D. Nuno Álvares Pereira ; como respondesse que não, quis saber se se tinha relacionado com D. Afonso Henriques; apesar de ter respondido negativamente não desisti da minha inquirição e interroguei-a para saber se tinha conhecido o avô David. Aí, o Miguel, o meu irmão mais velho, explodiu, roído, claramente, por uma enorme inveja do meu subido talento: seu estúpido! Como é que não havia de conhecer se era casada com ele!? Imbecil!

Esta não foi a única vez em que fui incompreendido. Como esquecer aquela gargalhada monumental quando respondi que o “que”, no texto dos Lusíadas sobre o qual estava sendo examinado, era um verbo, aquando da prova oral de português, do antigo 5º ano do liceu?

Naquele tempo, para passar do 6º para o 7º ano (agora décimo e décimo primeiro) bastava não reprovar a uma disciplina. Reprovei a quatro, com a nota de nove em quatro cadeiras. Mas como no Colégio S. João de Brito que eu frequentava, só se podia chumbar a uma para poder lá continuar, sem ter de repetir o ano, mudei para o Manuel Bernardes. Este estabelecimento de ensino, comparado com o anterior, era, por aquela altura, um campo de concentração. Certamente por protesto contra tanta opressão, que supostamente corrigiria os casos difíceis como o meu, brilhantemente reprovei estrondosamente. Matriculado no Crisfal, um ambiente, em comparação com os anteriores, completamente anárquico, continuei a tradição de chumbar. Assim estive três anos no 7º ano (décimo primeiro), tendo feito seis exames de latim e 5 de alemão. A passagem nestas duas cadeiras ficou a dever-se a uma fúria de meu pai que, uns quatro meses antes dos exames, me sovou e me pôs dois explicadores, um para cada disciplina. Esta violência doméstica, este criminoso abuso de menor (a maioridade era aos 21 anos) forçou-me relutantemente a ser bem sucedido… Se bem me lembro o professor que me examinou em latim foi o mesmo da prova oral de filosofia. Tratava-se de um personagem extraordinário, que víamos diariamente no café que então frequentávamos, o Biarritz. Contava-se que quando almoçava e queria um ovo estrelado dizia com voz forte, ao empregado, traga-me, sob a forma de estrelado, o produto da fêmea do cantor da aurora; quando, nos antigos autocarros de dois andares, se impacientava com a demora na paragem, interrogava bramindo: quando é que este mastodonte metálico se põe a andar? Ou, quando é que este dinossauro mecânico inicia a marcha? E muito outros ditos se contavam dele, que agora não recordo. Lembro-me sim, que na prova oral de filosofia, depois de me ter interrogado sobre a natureza do vício me pediu para exemplificar um, ao que eu apontei na sua direcção e disse: fumar. Imediatamente agradeceu e apagou o cigarro no cinzeiro. Terá sido esta insólita gratidão, para aquele tempo, que o levou no exame oral de latim a perguntar-me quantos já tinha feito, tendo eu respondido que quatro, mas tendo logo corrigido para cinco, querendo saber se tinha verdadeiro empenho em passar nesse? Não saberei responder, podendo só adiantar que retorqui que o meu afã e determinação eram grandes, uma vez que meu pai me tinha prometido uma mota de presente caso passa-se na prova.

Depois, no ano lectivo de 1973/74, frequentei o ispa (instituto superior de psicologia aplicada). As aulas eram verdadeiramente interessantes e adequadas ao curso. Até ao 25 de Abril discutia-se a libertação das colónias ultramarinas e depois ensinava-se marxismo-leninismo e maoísmo. Lembro-me de ter ido a meia dúzia de aulas e de me ter surpreendido no final do ano ao tomar conhecimento de que tinha passado para o seguinte. Eram as chamadas passagens administrativas. Como não voltei lá, ignoro se esteja administrativamente formado em psicologia. Não me espantaria.

A minha mãe que gostava muito de escrever peças de teatro e poesia, muito apreciadas pela Sofia e seu marido, o Tareco, como era conhecido entre os amigos, Amélia Rey Colaço, João Villaret, entre outros, infelizmente nunca publicou nada (exceptuando um pequeno conto para crianças), apesar da insistência de críticos de peso; e desde há muitos anos que deixou a escrita. Mas quando éramos miúdos ainda fazia pequenos autos e poemas para representarmos e declamarmos nas noites de Natal, com toda a família reunida.

A mim, repito, a mim, e não a nenhum outro dos sete irmãos que somos, calhou-me – ó injustiça suprema!, ou cegueira mais que cega!, ó carência total de perspicácia! –, ter que recitar a seguinte poesia (vai de memória, pelo que a pontuação poderá não ser a mais correcta):

Disseram-me que eu era burro, Senhor

E o meu coração ficou apertado

Senti-o pequenino, tinham-no esmagado


Chamaram-me burro, asno, jerico

E eu chorei, fiquei revoltado e aflito

Levantei os olhos e vi um presépio na minha frente

Ele estava vazio de gente

Desolado


Uma vaca e um burro como eu

Adoravam um Deus caído do Céu


Sou burro, Senhor

Para nada sirvo, nem sequer para ser montado


Que num beijo de amor

Te possa dar todo o calor

Que te deu

Aquele burro do presépio que era como eu



Nuno Serras Pereira

22. 05. 2009



quarta-feira, 20 de maio de 2009

A Pedra de Toque


1. O mínimo insignificante rejeitado, que é tido praticamente como inexistente, transformou-se na pedra de toque da Fé. Na atitude e comportamento para com ele e para com o modo como os outros o tratam verifica-se a verdade ou a falsidade, a pureza ou a corrupção da Fé em Jesus Cristo: “… qualquer ameaça à dignidade e à vida do homem não pode deixar de se repercutir no próprio coração da Igreja, é impossível não a tocar no centro da sua fé na encarnação redentora do Filho de Deus …” (João Paulo II, Evangelium Vitae, 3).

2. O que se passou na Universidade de Notre-Dame, nos EUA, é um exemplo eloquente disso mesmo. Contrariando a decisão, tomada por todo o Episcopado, de não conceder “púlpito” e não honrar personalidades, em particular políticas, que advoguem e promovam o aborto e a sua liberalização, o reitor, um sacerdote católico, convidou o presidente Obama, que inaugurou o seu “pontificado” presidencial declarando guerra às crianças nascituras, para palestrar e receber o doutoramento honoris causa em Direito! A condição da possibilidade da concessão deste grau académico a um personagem que renega e atropela os fundamentos do mesmo Direito, a saber, a tutela da igual dignidade de todo o ser humano, consiste na cegueira provocada pela conspurcação da própria Fé: “Como podeis acreditar vós que buscais a glória uns dos outros e não procurais a glória que é só de Deus?” (Jo 5, 44). Esta alienação, na sua demência, vira-se contra os verdadeiros crentes, como se viu na prisão do Padre Norman Weslin (http://www.youtube.com/watch?v=iiz4tfjSuPc) e de muitos outros. Recorrendo ao pretexto de invasão de propriedade privada – o campus da universidade católica (?) - a polícia prendeu grupos de pessoas que pacificamente rezavam o rosário pelas crianças nascituras. O corpo policial é uma das expressões do poder de coação do estado. A sua legitimidade consiste na protecção dos inocentes, dos fracos e dos indefesos contra os malvados, isto é, na justiça, e nunca no respaldo dos agressores prendendo os defensores dos inocentes.

3. Dar, consciente e livremente, a Sagrada Comunhão a quem publicamente através do seu voto, de campanhas ou das suas políticas coopera formalmente com o mal intrínseco do aborto provocado é imensamente mais grave do que transgredir uma regra canónica. É pôr-se no lugar de Deus, rejeitando formalmente a Sua lei. É substituir-se a Ele, ter a veleidade de O emendar. É ter a pretensão presunçosa de que quem faz a Igreja e ultimamente decide das coisas Santas e Divinas são os homens, mesmo que hierarcas. É a inversão demoníaca da ordem estabelecida por Deus. É a soberba luciferina do não obedecerei. É a afirmação arrogante do consequencialismo e do proporcionalismo sobre a Lei Moral Natural e sobre a Revelação. É a obediência da Fé substituída pela mais perversa das ideologias. É a negação total da Caridade para com Deus e para com o próximo. É o grande escândalo que conduz multidões ao pecado e à corrupção da sua Fé. É a banalização do sacrilégio.

Deus não tem ouvidos para grandiloquentes consagrações palavrosas quando são assim contraditadas em directo pela comunicação social.

Os nossos irmãos, mínimos, tidos como insignificantes, sistematicamente rejeitados, dados como inexistentes, não-pessoas, transformaram-se na pedra de toque da Fé.

À honra de Cristo e de seu servo João Paulo II. Amen.

Nuno Serras Pereira

18. 05. 2009

terça-feira, 19 de maio de 2009

O Escândalo de Paulo Rangel


O jornal i traz hoje uma entrevista com o Dr. Paulo Rangel[1], cabeça de lista do partido social-democrata (psd) às eleições europeias. Nela depois de se dizer católico praticante logo proclama o seu dissídio da Verdade anunciada pela Igreja no que diz respeito à Ordenação das mulheres, ao “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, à indissolubilidade do matrimónio, à moral sexual em geral, e em particular no que se refere à contracepção, confessando-se, neste caso, um activista radical contra as posições da Igreja.

Estas tomadas de posição, largamente publicitadas pelos mais diversos meios de comunicação social, constituem um escândalo, na verdadeira acepção deste termo, a saber, constituem uma pedra de tropeço, uma ocasião de queda, de pecado. Importa, por isso, que o Bispo da Diocese a que pertence publique uma Nota ou comunicado que esclareça os fiéis e os confirme na Verdade. Claro que o Senhor Bispo deverá também corresponder-se ou conversar privadamente com o político em causa para o reconduzir à Verdade, fazendo-o compreender que se colocou num posição em que não está em plena comunhão com a Igreja. E uma vez que no dizer do então Cardeal Ratzinger, no seguimento de Santo Agostinho, Cristo já não se pode pensar sozinho, é sempre Ele e a Sua Igreja, o Cristo total, seria uma incoerência profanadora e sacrílega receber a Sagrada Comunhão, enquanto mantiver essas divergências com a Verdade anunciada pela Igreja.

Se não deve receber a Sagrada Comunhão, então nenhum Ministro da Eucaristia lha pode dar, caso ele se aproxime para a receber, sem ter alterado a sua posição, isto é, sem que tenha acolhido plenamente a Doutrina da Igreja. O sacerdote ou o diácono, num caso destes, não responde perante o Bispo, nem sequer o Papa, mas sim perante Deus, Supremo Juiz.

Nuno Serras Pereira

19. 05. 2009

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Os Braços aberto de Cristo

In Diário de Notícias - 14. 05. 2009

Foi há cinquenta anos que se inaugurou o monumento ao Cristo-Rei, na outra margem do formidável Tejo, abraçando a cidade, e nela Portugal inteiro. Obra paga do bolso dos católicos, tinha o sentido de um agradecimento à providência divina por nos livrar dos horrores da guerra que destroçara a Europa.

Eu tinha sete anos de idade e fui, tal como tantas outras crianças, metida num autocarro, vestida, penteada e de lancheira para, em formatura, assistir aos actos solenes. Falavam-nos da guerra e de soldados mortos, de viúvas e órfãos, de medos e oração, de esperança e da misericórdia de Deus. Eu pouco entendia, arrancada às minhas rotinas habituais, transportada para um território desconhecido, no meio de uma enorme multidão e, sob o peso da solenidade, recordo-me que os pés me doíam, apertados nuns sapatos novos.

No próximo sábado vou lá voltar. De barco e pelo rio, na procissão fluvial que acompanhará a imagem da Senhora de Fátima, vou agradecer os braços abertos de Cristo de que aquela estátua é apenas um símbolo, imóvel e permanente na nossa paisagem ribeirinha; vou relembrar os braços abertos na cruz, pela violência dos cravos que pregaram as mãos ao madeiro; vou pensar na minha vida e no nosso destino colectivo, na humanidade e neste vale de lágrimas. Vou, com a minha fé primária, sem sofisticação intelectual ou evidência científica, misturar-me com os muitos portugueses que ali estarão na alegria do espírito e de coração aberto.

E porque isto é tão magnificamente simples e evidente, não carecendo de justificação, palavras de ordem, reivindicações ou protestos, vai valer a pena lá estar. Nas nossas vidas são incontáveis os momentos em que medimos o valor imenso destes braços sempre abertos, desta paternidade absoluta, deste amor paciente.

O mundo mudou mas a condição humana permanece a mesma. É isso que nos distingue, nos identifica e nos une, num tempo em que as desigualdades e as discriminações não param de aumentar e subtis formas de ditadura, intolerância e indignidade reduzem parte da humanidade a novos cativeiros. Neste admirável mundo novo, o triunfo de um relativismo moral gelado condenou muitos a uma pesada solidão em nome de um individualismo feroz; o sofrimento, a violência e a própria morte transmitida em directo pelos media foram esgotando as reservas de compaixão; somos solidários pelo correio, pela Net, por transferências bancárias, prescindindo do rosto do outro, das mãos do outro, do olhar do outro; criámos categorias homogéneas e abstractas para tranquilizar a nossa consciência.

Neste mundo inquieto, Portugal atravessa tempos duros, de pouca esperança e muita dúvida. O paradigma da sociedade da abundância e do desperdício, do consumo fácil, da alegria pelos bens materiais, da secura da espiritualidade e da recusa da transcen- dência não trouxeram, afinal, a felicidade. Mas os braços Dele estiveram e estarão sempre abertos. E a Sua Igreja feita de uma incontável multidão de homens e mulheres comuns, apesar de erros e acertos, de pecados e virtudes, de tentações e redenção tem mantido, ao longo dos séculos, intacta a fidelidade à Cruz, na caridade, na fé e na esperança. E hoje isso é mais patente em Portugal onde, por força da crise, milhares de famílias procuram e encontram nela não apenas apoio material mas conforto e amparo, independentemente das suas crenças, pois aqui não há obrigatoriedade de filiação ou de orientação ideológica para se ser acolhido.

São diferentes os tempos e são novas as ameaças, mas sabemos que no próximo dia 16 temos mil razões para estar lá: para agradecer e pedir, para pedir e agradecer.

Maria José Nogueira Pinto

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Entrevista à revista Tabu, do semanário Sol, de Fernando Castro, Presidente da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas


Diz que as medidas para inverter o envelhecimento da população têm sido desastrosas e irresponsáveis. Porquê?

Nas últimas duas décadas desastrosas e, nesta legislatura, completamente desastradas. Há uma estratégia antinatalista que passa por estrangular financeiramente as famílias numerosas. A maior taxa de pobreza no nosso país incide, precisamente, nos casais com três ou mais filhos. E em vez do Estado considerar um filho como uma mais valia parece estar interessado em torná-lo extraordinariamente caro. Apesar dos índices demográficos preocupantes, continua a tomar medidas contra as famílias com filhos.


Contra?

Quando se hostiliza em vez de se apoiar, isso tem um significado.


E os chamados incentivos à natalidade?

É um disparate falar-se em incentivos à natalidade em Portugal. Só seria necessário incentivar se em Portugal as famílias não desejassem ter mais filhos do que aqueles que têm. E não é o que acontece. O último Inquérito à Família e Fecundidade realizado pelo INE dá conta que o número médio desejado de filhos é de 2.1 por casal, e esse valor sobe para 3.1 num estudo recente realizado pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN). Na Alemanha e na Austria o número desejado de filhos é de 1.7 e 1.6, abaixo do valor mínimo de reposição da população. Aí faz sentido o Estado pagar para as pessoas terem mais filhos. Aqui bastaria tirar o pé do travão.


Se não faz sentido incentivar, faz sentido o quê?

Deixar de penalizar e passar a apoiar quem os quer ter! Há muita gente que não quer ter filhos e tem esse direito. A maioria das pessoas quer um ou, no máximo, dois. Mas há uma minoria que deseja de facto ter filhos e contribui decisivamente para assegurar a renovação da população e a sustentabilidade do país. Portugal tem um défice de um milhão de crianças e jovens, o que tem consequências graves para o futuro mas também imediatas. Basta ver a falta de emprego: um professor para exercer precisa de alunos... Num país com um défice de um milhão de crianças e jovens, nada mais natural do que haver 40.000 professores sem colocação. Esse número é exactamente igual a um milhão a dividir por 25, o número médio de alunos por turma.


A política fiscal tem sido o grande travão?

A política fiscal e não só. Há muitas medidas antinatalistas. Para quase tudo conta o rendimento da família e não o rendimento per capita. Sempre que isso acontece, há uma intenção de pressionar as famílias numerosas.


Fala de discriminação a pagar impostos.

Nas últimas décadas, em geral, e na última legislatura em particular, parece que as famílias constituídas por pais casados com filhos foram eleitas como um alvo a abater... O cartão de cidadão deixou de ter o estado civil, porque supostamente isso não serve para nada. Se assim é, porque é que em sede de impostos estar ou não casado tem consequências? As pessoas são livres de se organizarem como quiserem e ninguém deve ser penalizado nem beneficiado em função do estado civil.


Um casal que se divorcie pode deduzir ao seu imposto 20% da pensão de alimentos. Depois de apurado o imposto, é subtraído 20% do que gastou com a pensão dos filhos. Se um divorciado pode deduzir à colecta o que gasta com os filhos, porque não podem os casados? Isto é um atentado às famílias formalmente constituídas.


Há casais que se divorciam para poupar nos impostos?

Conheço vários casais que se divorciaram no papel mas continuam a viver juntos e a fazer a sua vida normal. No meu caso pessoal [tem 13 filhos, seis ainda dependentes], deixava de pagar IRS, o valor que desconto mensalmente seria devolvido. Eu e a minha mulher já equacionámos essa hipótese: um divórcio 'fictício'. É altamente rentável!


O abono também foi aumentado para as famílias mono-parentais em 20%.

E o mais absurdo é que foi anunciado no pacote de incentivos à natalidade! Incentivar a mono-parentalidade? É um gigantesco pontapé na gramática. Não está em causa que as famílias possam precisar desse apoio mas, tudo o que tem a ver com política assistencial, deveria respeitar apenas um critério: o rendimento per capita, ou seja, o rendimento da família a dividir pelo número de elementos.


E isso não acontece?

Não. Nos escalões do abono de família entra em linha de conta o rendimento da família a dividir pelo número de filhos mais um elemento. Devia ser mais um ou mais dois, conforme os filhos vivessem com um dos pais ou com ambos. Está-se a eliminar deliberadamente uma das pessoas do agregado familiar, no caso das famílias constituídas por pai e mãe. Este é um dos vários exemplos de penalização das famílias constituídas por pais casados com filhos.


Mas reconhece que famílias com baixos rendimentos precisam de mais apoio?

São coisas distintas: uma é a política assistencial, outra é a política de família. Claro que tem de haver uma transferência de verbas entre a população mais afortunada e a mais desfavorecida, no sentido vertical. Mas até nos apoios sociais há uma componente antinatalista, quando se olha ao rendimento da família e não ao rendimento per capita. Agora fala-se muito em apoiar as mães solteiras. E então onde fica a responsabilidade dos pais solteiros? Enquanto não os obrigarmos a pagar, eles vão continuar a saltar de mãe solteira em mãe solteira... A Nação está a assumir a paternidade de filhos que não são seus. Devia poder-se confiscar parte do ordenado, obrigando-os a, no mínimo, participarem no sustento dos seus filhos.. Hoje já existem meios para isso.


Defende um aumento radical do abono a partir do terceiro filho. Porquê?

Porque o terceiro filho ou o de ordem superior deve ser visto como uma riqueza nacional. São eles que vão assegurar as reformas no futuro! O primeiro e o segundo, descontam para o sustento dos próprios pais.


Já houve um aumento do abono para quem tem dois ou mais filhos.

Mas não chega! O valor da prestação por cada filho duplica com o nascimento do segundo filho e triplica com o terceiro mas só até aos três anos, depois volta tudo ao mesmo! E toda a gente sabe que é depois dessa idade que os filhos dão maior despesa.


É preciso reforçar a rede pública de creches?

Não obrigatoriamente. Nós defendemos uma solução mais moderna, que é aplicada com sucesso na Noruega, e que assegura a liberdade de escolha. O Estado em vez de construir mais creches e de aumentar a despesa pública, que dê esse dinheiro aos pais e eles que escolham. Um deles pode desempregar-se ou trabalhar em part-time, ou então o dinheiro vai para a avó que fica com o neto ou para pagar a escola. Os pais devem ter a opção de escolha. O que aconteceu na Noruega foi que muitos pais e mães resolveram ficar em casa com os filhos - sem precisarem de ficar agarrados aos tachos e panelas, porque hoje há muitas hipóteses de teletrabalho – e eventualmente disponíveis para tomar conta de crianças dos vizinhos. Criou-se uma rede informal que estreita relações de vizinhança, que acabou com os bairros-dormitório e revitalizou o comércio local...


Aqui resultaria?

Porque não? Seria o combate à massificação e ao embezerramento das criancinhas. Portugal insiste em seguir tendências que já foram abandonadas pelos países mais avançados. Em vez de termos política de família, temos política pecuária! As crianças são metidas no estábulo às sete da manhã e ficam até às tantas... entretidas.


Na Noruega incentiva-se que as crianças até aos três anos fiquem em casa.

Nem mais! O cash benefit é atribuído em função do número de horas que a criança está na creche. Quanto menos tempo, mais recebe a família, precisamente para evitar que os bebés fiquem lá o dia inteiro. E quem fica a cuidar de crianças, como trabalho não pago, recebe créditos que contam para a reforma.


As avós deste país aplaudiam uma medida dessas...

As avós e os pais, e mesmo as crianças, que também ficariam muito melhor entregues! Mas o Governo quer pôr as crianças nas creches, retirando-as às famílias, tratando-as como bezerros.


Há o risco do dinheiro não ser usado na educação dos filhos.

Essa é uma desculpa esfarrapada. No caso das famílias carenciadas e desestruturadas, um subsídio deve ser visto como um instrumento fabuloso para se dar formação à família. Ou vens à formação ou não recebes, ou fazes isto, ou não há nada para ninguém. Não se trata de policiamento, mas de acompanhamento. Tem de haver também uma melhor articulação das redes de serviços sociais.


O modelo francês é o que tem dado melhores resultados?

A taxa de natalidade subiu para 2.07 em 2008 e continua a crescer graças às medidas adoptadas. E curiosamente o grupo da população que mais depressa respondeu foram os portugueses emigrados em França, o que mostra que se tomarmos as mesmas medidas, o problema resolve-se.


Teve a experiência do sistema social dos Estados Unidos. Como foi?

Vivi lá quando estudei com a bolsa da Marinha. A minha mulher foi grávida do terceiro filho e veio grávida do quinto. Estávamos no Estado de Massachussets e ela foi chamada ao hospital porque o sistema sinalizou a nossa família por estar abaixo de um qualquer valor mínimo per capita. Devem ter cruzado a informação do meu rendimento com o número de filhos e automaticamente entrámos no programa food stamps [cupões que se trocam por alimentos no supermercado]. Fartámo-nos de dar cupões de queijo aos vizinhos, que nem dávamos vazão a tudo. Até 'queijo à brás' inventámos... .

É um sistema deste género que eu defendo: que se acabe com o vergonhoso sigilo bancário e se cruzem os dados dos rendimentos com a dimensão da família.


A tarifa familiar da água é uma reivindicação antiga?

É uma questão elementar, de justiça! A maioria dos municípios ainda não tem a tarifa familiar, o que penaliza altamente as famílias numerosas. Quem tem mais filhos gasta mais água, logo sobe de escalão e paga mais por metro cúbico consumido. E ainda por cima anexada à factura da água estão as tarifas dos lixos e saneamento... Só pretendemos que sejam praticados os mesmos preços, e não a dobrar.


Muitos municípios já aderiram.

Sim e é de destacar o esforço notável de Vila Real no apoio às famílias numerosas. O país só ganharia se seguisse o seu exemplo.


Pedem igualmente a revisão do imposto municipal de imóveis.

Pela mesma razão. Há mil e um critérios para a avaliação de um imóvel mas esqueceram-se de incluir o número de habitantes! Uma casa não deve ser tributada da mesma maneira se for para duas pessoas ou para dez. Não se distingue se a área é um luxo ou uma necessidade.


O mesmo se passa com a carga fiscal sobre os monovolumes?

Se os emigrantes têm redução do imposto automóvel, não será mais legítimo as famílias numerosas terem? Com a obrigação do uso das cadeiras de segurança, uma família com três filhos pequenos já não cabe num carro de cinco lugares. E Portugal continua a ser dos raros países europeus onde não existe o bilhete de família nos transportes públicos. Há ainda muito por fazer...

sábado, 2 de maio de 2009

A Vingança do Santo


Andaria pelos dezanove vinte anos de idade quando um dia como era costume foi com os seus amigos beber para uma cervejaria que ficava na avenida de Roma, quando esta, descendo do largo dos EUA, pegava com o de Santo António (esse franciscano tão amigo e solícito do bem de todos) que dividia a avenida da Igreja, no bairro de Alvalade. Era tido por muitos como um gajo porreiro que pagava as fartas rodadas de canecas e “girafas” com os respectivos acompanhamentos.

O lapim, canalha como era, roubava muitas notas graúdas dos haveres que seus pais tinham numa gaveta fechada à chave no quarto onde dormiam. A sua astúcia olharapa conseguiu forjar uma cópia da mesma, de modo a furtivamente gamar o dinheiro quando mais lhe convinha.

Como nas outras noitadas, procurou com contumácia e obstinação embebedar-se não só a si como a todos os que o acompanhavam. Chegada a hora do encerramento saíram porta fora com o pulha a pontificar em gesticulações e brados exibicionistas numa euforia toda alcoólica. Estando na praça de Santo António dizendo baboseiras e fazendo “partes gagas”, como sentisse precisão de despejar o que tinha bebido, lampejou sinistramente os olhos, esboçou um sorriso sarcástico e vai de trepar pela estátua do Santo até onde lhe foi possível. E dali, descompondo-se, verteu as águas com risos imbecis. Os seus amigos, atónitos, não conseguiram disfarçar uma súbita expressão de desconforto, de desilusão, de quem percebia o excesso indecente. Importa saber que o bandalho tinha tido em casa uma excelente educação católica quer da parte dos pais quer dos avós paternos e maternos. Acresce que o desbriado tinha frequentado, durante dez anos, o colégio S. João de Brito, dos Padres Jesuítas. Nenhum dos amigos tinha de perto ou de longe a mesma formação e educação nas coisas de Deus e da Sua Igreja. Alguns bordejavam mesmo no ateísmo e no agnosticismo.

Não sabia o salafrário que o Santo com quem se metia não se deixaria ficar. Ele que durante a sua vida apostólica bravejou sem medo contra prelados indignos, bramiu contra poderosos cruéis e infames, não poderia deixar de se vingar de tamanha afronta, ainda para mais pública. E assim o fez!

Sabereis que aquele pilantra uns anos depois, arrependido do seu passado doidivanas, entrou para a Ordem do mesmo Santo, a franciscana, cursou filosofia, fez o noviciado e os votos, estudou a teologia, professou solenemente, foi ordenado diácono e depois sacerdote. É hoje padre franciscano e é quem escreve este artigo.

Está bem de ver o patife miserável que sou. Que seria de mim sem a Igreja? Sem esta Igreja que está em Portugal eu não poderia nem quereria viver. A ela devo tudo quanto sou, enquanto resgatado e redimido. Sem ela afogar-me-ia no mais espesso lodo do vício e do pecado. Não posso, que disso ninguém duvide, ter a maior admiração e gratidão para com o Episcopado, os Sacerdotes, os Consagrados e os Leigos a quem tudo devo e sem os quais nada seria. Sei bem que sou o último e o mais indigno de todos e também, entre todos, o mais inútil. Mas também sei que são essa mesma gratidão e amor que me têm levado a tomar as posições públicas conhecidas. Para que não haja dúvidas.

Nuno Serras Pereira

30. 04. 2009