Declarações do Cardeal-Patriarca de Lisboa
à Revista “Ordem dos Advogados”,
sobre a Ordenação de Mulheres
ESCLARECIMENTO
1. Numa entrevista concedida à revista “Ordem dos Advogados”, a entrevistadora pôs-me a questão da ordenação de mulheres. A minha resposta provocou reacções várias e mesmo indignação. Devo confessar que nunca tratei deste assunto sistematicamente. Sempre me referi a ele ou respondendo a perguntas de entrevistadores, ou a perguntas do público no diálogo que se seguia a conferências minhas sobre variados temas. As reacções a esta entrevista obrigaram-me a olhar para o tema com mais cuidado e verifiquei que, sobretudo por não ter tido na devida conta as últimas declarações do Magistério sobre o tema, dei azo a essas reacções. Sinto-me, assim, na obrigação de expor claramente o meu pensamento, em comunhão com o Santo Padre e com o Magistério da Igreja, obrigação minha como Bispo e Pastor do Povo de Deus (cf. LG. nº 25).
2. O não conferir a mulheres o sacerdócio apostólico, através da ordenação sacerdotal, é uma tradição que radica no Novo Testamento, no próprio Jesus Cristo e na maneira como lançou as bases da Sua Igreja.
Nosso Senhor Jesus Cristo leva à plenitude a criação e dessa plenitude faz parte a harmonia de homens e mulheres, na sua diferença complementar e na sua igual dignidade, dando pleno cumprimento à narração da Criação: “Deus criou o homem à Sua Imagem; à Imagem de Deus Ele o criou; homem e mulher Ele os criou” (Gen. 1,27). Esta complementaridade do homem e da mulher na história da salvação, atinge a sua plenitude na relação de Cristo e de Maria. O lugar e a missão de Maria inspiram fortemente a Igreja, na complementaridade da missão. A contemplação de Nossa Senhora é importante para compreender o rosto feminino da Igreja.
Quando Jesus escolheu os seus Apóstolos, escolheu homens embora fosse sempre seguido por mulheres que O acompanham até à Cruz. É certo que a consideração cultural e social da mulher na sociedade judaica, não facilitaria a escolha de mulheres para a missão de apóstolos. O Santo Padre Bento XVI, no II vol. de “Jesus de Nazaré”, reconhece que, no testemunho da Ressurreição, na tradição sob a forma de profissão, são referidos apenas homens, talvez porque na tradição judaica, apenas eram aceites como testemunhas em tribunal os homens, o testemunho das mulheres sendo considerado não credível.
Esta forma de discriminação social não impede de sublinhar o papel decisivo das mulheres: “na tradição sob a forma de narração as mulheres têm um papel decisivo”. A diferença de ministério não diminui a dignidade da missão. Cito Bento XVI: “Na sua estrutura jurídica, a Igreja está fundada sobre Pedro e os onze, mas, na forma concreta da vida eclesial, são sempre as mulheres que abrem a porta ao Senhor”[1].
3. Depois do Pentecostes começa o tempo da Igreja, que continua o ministério de Jesus Cristo. A sucessão apostólica é dinamismo fundante e fundamental da Igreja nascente. Os Apóstolos impõem as mãos a homens que continuarão o seu ministério apostólico. O facto de não constarem mulheres entre estes sucessores e cooperadores, não significa uma minimização da mulher, mas a busca daquela complementaridade entre masculino e feminino, plenamente realizada na relação de Cristo com Maria. Nas Igrejas paulinas aparecem mulheres em grande relevo e com responsabilidade, quer na missão, quer na dinamização das comunidades cristãs. Mas o Apóstolo não lhes impõe as mãos. Na Igreja de Roma é conhecida a importância das “virgens” mártires.
Nestes primeiros tempos da Igreja é notória a harmonia entre o facto de o sacerdócio apostólico ser conferido a homens e a importância e dignidade das mulheres na Igreja. A dignidade fundamental de todos os fiéis procede da sua união a Jesus Cristo, o único Sacerdote. Toda a Igreja participa dessa dignidade, pois ela é um Povo Sacerdotal. A Primeira Carta de São Pedro é clara: “Vós, como pedras vivas, prestai-vos à edificação de um edifício espiritual, para um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (2,5); “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido, para anunciar os louvores d’Aquele que vos chamou das trevas à Sua luz admirável” (2,9).
Todos os membros da Igreja, homens e mulheres, participam desta dignidade real e sacerdotal, que exprimem sobretudo quando celebram a Eucaristia. Esta expressão supõe continuamente a presidência de Jesus Cristo, Cabeça da Igreja e Seu Senhor, que Ele exerce através do sacerdócio apostólico que, “in personna Christi”, garante a toda a Igreja a vivência da sua dignidade sacerdotal. Esta harmonia foi vivida e construída, de forma indiscutível, ao longo dos séculos. O ministério dos sacerdotes ordenados encontra a sua verdade na vivência da Igreja como Povo Sacerdotal.
4. A questão da ordenação de mulheres para o ministério do sacerdócio apostólico surge recentemente, sobretudo nos países ocidentais e explica-se por factores diversos:
* Os movimentos de promoção da mulher, que defendem, não apenas a sua dignidade, mas a sua igualdade de direitos e funções nas sociedades modernas. Os movimentos feministas concretizaram esta luta na reivindicação de as mulheres serem iguais aos homens em todas as funções da sociedade. Os critérios teológicos da grande Tradição da Igreja são substituídos por critérios culturais e sociológicos.
* A perda da consciência da dignidade sacerdotal de todos os membros da Igreja, reduzindo a expressão sacerdotal ao sacerdócio ordenado.
* A compreensão do sacerdócio ministerial como um direito e um poder, não percebendo que ninguém, homens e mulheres, podem reivindicar esse direito, mas sim aceitar o chamamento da Igreja para o serviço, que inclui o dom da própria vida.
Este dado novo da sociedade provocou uma reflexão teológica e as mais claras intervenções do Magistério sobre esta matéria. A teologia séria, num primeiro momento, valorizou esta longa tradição da Igreja, mas não excluiu que se tratasse de uma questão aberta, na atenção que se deve prestar à actuação do Espírito Santo, na busca da expressão do mistério da Igreja nas realidades novas.
5. O mais recente Magistério dos Papas interpreta esta tradição ininterrupta, que tem a sua origem em Cristo e no corpo apostólico, não apenas como uma maneira prática de proceder, podendo mudar ao ritmo da acção do Espírito Santo, mas como sendo expressão do próprio mistério da Igreja, que devemos acolher na fé. Cito o texto do Papa João Paulo II, na Carta Apostólica “Ordinatio Sacerdotalis”: “Embora a doutrina sobre a ordenação sacerdotal que deve reservar-se somente aos homens, se mantenha na Tradição constante e universal da Igreja e seja firmemente ensinada pelo Magistério nos documentos mais recentes, todavia actualmente em diversos lugares continua-se a retê-la como discutível, ou atribui-se um valor meramente disciplinar à decisão da Igreja de não admitir as mulheres à ordenação sacerdotal. Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc. 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja”.
Somos, assim, convidados a acatar o Magistério do Santo Padre, na humildade da nossa fé e continuarmos a aprofundar a relação do sacerdócio ministerial com a qualidade sacerdotal de todo o Povo de Deus e a descobrir a maneira feminina de construir a Igreja, no papel decisivo da missão das nossas irmãs mulheres.
6. Neste ano em que celebro 50 anos da minha ordenação sacerdotal, grande manifestação da bondade de Deus para comigo, foi bom prestar este esclarecimento aos meus diocesanos. Seria para mim doloroso que as minhas palavras pudessem gerar confusão na nossa adesão à Igreja e à palavra do Santo Padre. Creio que vos tenho mostrado bem que a comunhão com o Santo Padre é uma atitude absoluta no exercício do meu ministério.
Lisboa, 6 de Julho de 2011
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca