Por que razão a Igreja
tem o monopólio da caridade?
Consta que um
zeloso pároco afixou esta convocatória para uma quermesse paroquial: «Estimadas senhoras: vamos ter em breve a
nossa habitual venda de caridade, para a qual esperamos que contribuam com
aquelas coisas que têm lá em casa e que não servem para nada. Tragam os vossos
maridos!».
A referência
aos esposos não foi, de facto, feliz. Mas a verdade é que a Igreja, com ou sem
maridos, realiza obras de caridade desde o início: um dos seus primeiros
problemas foi, precisamente, o excesso de empenho com que os apóstolos se
dedicaram a esta pastoral, com prejuízo da oração e do ministério da palavra.
Depois floresceram, ao longo dos séculos, múltiplas instituições religiosas
vocacionadas para o serviço dos mais carentes.
Mesmo aqueles
que não prezam a presença e a acção da Igreja, tendem a elogiar a sua generosa
dedicação aos órfãos, aos doentes, aos prisioneiros, aos imigrantes, aos
moribundos e, em geral, aos mais necessitados. Um escritor actual, premiado com
o Nobel, chegou mesmo a dizer que não subscrevia a fé da Beata Teresa de
Calcutá, mas que não podia deixar de louvar a ajuda que a sua benemérita ordem
religiosa presta aos mais pobres dos pobres. E é de crer que esta genuína e
sincera admiração seja um sentimento comum a muitas outras pessoas, não
obstante as suas reservas em relação ao dogma cristão e à moral católica.
Assim sendo,
porque não congregar todas essas boas vontades, avessas à fé e à moral cristãs,
numa ordem das irmãzinhas ateias da caridade?!
Com efeito,
se tantas pessoas boas, embora não crentes, manifestam o seu entusiasmo pela
dedicação aos mais necessitados, por que não institucionalizar esses
sentimentos altruístas numa ordem arreligiosa, que se dedique a praticar o bem
que tão entusiasticamente louvam?! Se, de facto, muitos ateus e agnósticos têm
tanto apreço pelo trabalho humanitário das instituições católicas de caridade,
porque não possibilitar que façam o mesmo pelo próximo, mas sem necessidade de
se inscreverem numa religião em que não crêem, nem de professarem uma fé que
não têm? Se é genuína a sua preocupação social, como autêntico o seu empenho em
servir os mais indigentes, porque não fazem o que fazem tantas e tantos
religiosas e religiosos de tantas congregações católicas, mas numa ordem ateia
ou agnóstica?!
Em teoria,
são viáveis instituições humanitárias laicas, mas dois mil anos de história
ensinam que foi, sobretudo por virtude da fé cristã, que tantos e tantas
entregaram a sua própria vida ao serviço dos outros. O facto, empiricamente
demonstrável, de que essa abnegada e tantas vezes heróica prestação social
ocorre, por regra, como consequência de uma prévia experiência de amor pessoal
a Jesus Cristo, na sua Igreja, prova que é essa fé e a correspondente moral que
fazem possível uma tal caridade.
Os homens,
como as árvores, conhecem-se pelos seus frutos e não pelas suas palavras, ou
pelos seus bons sentimentos, de que se diz estar o inferno cheio. Todos podem
enaltecer a caridade, ou compadecer-se com os que sofrem, mas é Cristo que faz
possível o amor maior, ou seja, dar a vida pelos outros. Elogiar a caridade
cristã, menosprezando a correspondente fé, é tão absurdo como louvar as rodas
de um carro, subestimando o seu motor; ou apreciar uma flor, mas esquecendo a
sua raiz.
Bento XVI
recordou, na sua primeira encíclica, o caso de Juliano, cognominado o apóstata,
por ter abandonado a religião cristã. Este imperador pretendeu restaurar o
paganismo, mas enriquecido com uma prática social análoga à actividade
caritativa da Igreja. Também agora, não poucos países laicos, se não mesmo
apóstatas, renunciam à fé, mas pretendem dar continuidade às obras da caridade
cristã. Mas se a fé, sem caridade, está morta, a caridade, sem fé, não existe.