A tentação da revolta e desânimo é bem compreensível. O pior da conjuntura, o verdadeiro mal que cria no tecido social é a surpresa, a desilusão, a indignação. Confiávamos no sistema que faliu e surgiu o oposto do prometido. Muitos sofrem muito, mas o que mais ocupa os nossos protestos é o desalento, a queixa, a fúria. Este país deixou-nos outra vez ficar mal. Ouvimos muitas histórias degradantes de injustiças, mentiras, direitos violados, inocentes sofrendo, corruptos e burlões. Grande parte é falsa, pois a fúria cria o exagero, mas muitas são verdade. Assim, multidões de argumentos justificam a atitude negativa. O efeito de todas é sempre promover propostas repulsivas, nunca construtivas. A receita é denúncia, revolta, violência, nunca compreensão, solidariedade, perdão.
Perante a indignação é fácil esquecer os valores que sempre guiaram a nossa vida, ou que dizíamos que guiavam em tempos mais serenos. Vemos pessoas honestas dizer e fazer coisas brutais. Quantos cidadãos pacatos não repudiam agora a lei e a autoridade, rejeitam a democracia, desprezam o País, recomendam violência e revolução, agridem o próximo? Todas estas atitudes justificam-se como luta pela justiça, mas apenas produzem vingança. Foi assim que surgiram as maiores barbaridades da história: Hitler e Ben Laden diziam responder a ataques. Invoca-se a dor e a iniquidade, mas isso apenas revela a fragilidade das antigas convicções, renegadas logo que testadas.
Perante o embate é possível subir ou descer. Podemos enfrentar ou criticar, inovar ou gemer, criar ou agredir. É agora que o nosso carácter, a fibra, as raízes, as convicções profundas mostram o seu valor. O embate é brutal e muitos cedem. É fácil desanimar, desistir, acusar, insultar, agredir, odiar, mas o problema fica na mesma. Um pouco pior. Difícil é subir ao nível da dificuldade e enfrentá-la. Vencer ou perder, mas encará-la. Como o fizeram as gerações antigas em encruzilhadas bem mais duras.
O pior da crise não é o desemprego, as falências, a pobreza, o desânimo. O mais negativo não é o peso financeiro, a recessão económica, o choque social, a desorientação política, a paralisia cultural, o bloqueio institucional. O pior da crise é o ódio. Só o ódio poderia realizar as irresponsáveis previsões catastrofistas que dominam a imprensa. O ódio é a única força que pode perpetuar o mal, deixando cicatrizes na economia, na sociedade, na política e na cultura. A situação justifica repulsa, angústia, desânimo, até mesmo desespero ou revolta. Mas não pode justificar o ódio, porque nada o justifica. O ódio nunca nasce das circunstâncias, mas da atitude face às circunstâncias. O ódio, mesmo mascarado de justiceiro, nunca tem razão. É sempre um mal arbitrário, abusivo, inaceitável.
Portugal vencerá o teste, como venceu outros muito maiores. Da crise nascerá um país mais justo, dinâmico e equilibrado. A única dúvida é como cada um de nós se coloca neste processo. Como em épocas passadas, podemos estar do lado do futuro ou da reacção. Podemos desistir, protestar, exigir, gemer, insultar ou, pelo contrário, encarar as dificuldades, procurar resposta, construir a solução. Destes, apenas destes sairá o novo Portugal. Não é do Governo, política, troika, Europa, FMI, que ajudam ou complicam, e geralmente complicam mais do que ajudam. A saída da crise depende de milhões de cidadãos anónimos tentando melhorar a sua vida e encontrando a resposta. Se a percentagem dos que vencem o ódio for superior à dos seus promotores, Portugal passa o teste. Só o nosso carácter, a fibra, as raízes e as convicções profundas nos permitirão vencer o desafio desta geração.