sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Uma vez isto, para sempre isso? - por Nuno Serras Pereira



O P. António Vieira em um dos seus Sermões, a propósito de uma refeição de Jesus em casa de Simão, o leproso, nota, com grande perspicácia, que Simão é assim conhecido não por padecer de lepra, mas sim por a ter sofrido no passado, daí concluindo da obtusidade malvada e obstinada dos homens - que contrariamente a Deus, o qual perdoa, transfigura e, por isso, não lembra mais -, se engancham ao que foi, marcando perpetuamente os outros com os males que sofrem ou que fizeram. Recorde-se que a lepra para a mentalidade bíblica não é só uma doença, como um símbolo privilegiado do pecado. Assim como aquela corrompe e desfigura o corpo, de modo semelhante, este derranca e deforma a alma. Foste uma vez leproso ou pecador, pois para sempre o serás! Foste uma vez isto, então isso ficarás permanentemente, senão mesmo eternamente!

Nós, como ensinava S. Gregório, somos filhos dos nossos actos, das nossas acções. Estas não são unicamente transitivas mas também intransitivas, por outras palavras, elas não exercem somente uma modificação exterior, no mundo, mas repercutem no interior, configurando-o, formatando-o, para usar um vocábulo muito em voga. Se roubo, torno-me ladrão. Se mato, directa e deliberadamente um inocente, faço-me assassino. Se minto, sou mentiroso. Se compartilho os meus bens e o meu tempo, sou generoso. Se me abstenho de consentir em pensamentos, palavras e actos impuros, sou casto, etc., etc. É, por isso, que uma pessoa é aquilo que consente e não aquilo que sente. Seria absurdo acoimar de incendiário qualquer sujeito que sentindo embora sôfregas ganas de lançar fogo a pinhais e depósitos de explosivos nunca o tivesse feito; ou considerar bêbado, um outro que tendo desejos importunos, embora insistentes, de ingerir álcool em demasia nunca neles consinta nem lhes dê cumprimento; ou condenar como adúltero um homem casado, que sentindo-se atraído por outras mulheres que não a sua esposa não lhe seja infiel. Pois, tudo isto, que naturalmente é óbvio e a tudo se aplica, se desarma e rende perante aquela “coisa” que hoje se denomina, com uma expressão absurda e abstrusa, homossexualidade.  Tiveste actos sexuais com alguém do mesmo sexo, ou mesmo simplesmente padeceste ou ainda sofres de atracção desordenada por pessoas do mesmo sexo, embora não a consintas? Pois, tens então uma orientação homossexual; és irremediavelmente e para sempre um homossexual! E o não reconhecimento disso constitui uma violenta agressão, uma fobia demente, uma discriminação persecutória! 

O monumental dislate advogado totalitariamente pelos “homonazis” não tem, como é evidente, nenhum fundamento na realidade. Não só pelo que já dissemos anteriormente mas também porque existe inatamente, inscrita no próprio ser da pessoa humana, uma única orientação sexual, a recíproca entre varão e varoa, entre macho e fêmea, entre homem e mulher (felizmente, isto que para mim é evidente há muitos anos, é nos dias de hoje reconhecido por distintos psicólogos e psiquiatras, por exemplo, Joseph Nicolosi). Que ela depois possa ser distorcida, como uma das muitas consequências do pecado original, que se traduz numa alienação e rejeição da própria identidade corpóreo espiritual, a mais das vezes inconsciente, sem acto de culpa própria portanto, é indubitável. A verdade, porém, é que a resolução dos problemas que subjazem a esses desejos desordenados faz com que eles desapareçam. A psicoterapia actual ainda não consegue restaurar em todos os que a ela recorrem a sua condição natural e inata (aquilo que hoje se diz heterossexualidade; estes termos são absurdos porque a palavra sexo ou sexualidade já diz a diferença), mas o facto indesmentível, apesar da propaganda contrária, de o alcançar em percentagens muito significativas (do ponto de vista médico) é altamente encorajador, pelo que faz todo o sentido, continuar a intensificar e aprofundar essas terapias, que os “homonazis” querem proibir.

A quantidade ingente (em termos percentuais) de ex-homossexuais, para usar a terminologia corrente, que reencontraram a sua natural sexualidade e que hoje vivem casamentos fecundos e felizes aí está como um testemunho irrefutável desmentindo a ideologia “homototalitária”. Uma quantidade enorme destas curas foi alcançada simplesmente por uma vivência séria do Cristianismo, ou por uma aliança deste com a psicoterapia. Pelo que é inegável a existência de um profundo problema religioso subjacente a esta patologia ou enfermidade espiritual. Acresce que uma soma igualmente significativa de pessoas que tinha actos sexuais com outras do mesmo sexo, deixou essa vida promiscua e doentia, não obstante a permanência de desejos desordenados não consentidos, e vive agora uma vida continente e casta.

Graças a Deus que pessoas altamente qualificadas que se têm dedicado a estes nossos irmãos forjaram uma terminologia adequada, que não veicula a ideologia “homonazi” como a que está em voga nos dias de hoje. Assim, os termos homossexualidade, ou “gay”, ou lesbianismo, ou “orientação sexual” que transmitem uma falsa ideia de uma identidade distinta das outras pessoas, devem ser abandonados e substituídos pelos seguintes: homens que fazem sexo com outros homens (hsh), mulheres que fazem sexo com outras mulheres (msm), pessoas que têm uma atracção desordenada por outras do mesmo sexo (adms ou ams). 

Parece-me de todo desejável que os textos do Magistério da Igreja abandonem o termo homossexualidade e adoptem estes ou outros semelhantes que são, enquanto a mim, precisos e verdadeiros. De facto o vocábulo homossexual, de recente uso, não tem nenhum de per si nenhum conteúdo doutrinal, nem é essencial a qualquer ponto da Doutrina, pelo contrário é meramente acidental e substituível pelo termo tradicional ou por estes que indiquei. Acresce que, na minha opinião, é estrambólico que no Catecismo da Igreja Católica, se fale de “pessoas homossexuais” sem estender esse tipo de terminologia no mesmo campo da sexualidade dizendo, por exemplo, “pessoas prostitutas”, “pessoas masturbadoras”, “pessoas fornicadoras”, “pessoas pedófilas”; ou, fora desse campo, “pessoas cleptomaníacas”, “pessoas piromaníacas”, etc., etc.

Uma interrogação que surge em muitas mentes será a de se uma pessoa com atracções desordenados por outras do mesmo sexo (adms) poderá ser Santa. A resposta é claramente afirmativa. De facto, se isso constituiu para ela uma provação, e contra a qual (adms) combateu incansavelmente toda a sua vida, saindo vencedor, amando a Deus sobretudo e sobre todos, e ao próximo ordenadamente, com o Amor que lhe veio de Jesus Cristo, claro que está na Glória de Deus, e poderá ser canonizado pela Igreja, se é que já o não foi. Isto não significa que um “homossexual” possa ser Santo, mas exactamente o contrário. O mesmo se diga de toda e qualquer outra tendência predominante ou exclusiva objectivamente desordenada.

Isto, porém, não significa que a propensão desordenada por pessoas do mesmo sexo seja equivalente à natural tendência da de um homem por uma mulher. Isso seria o que alguns designam por “homoheresia”. Essa falsa equivalência levou muitos, ainda que não poucos de grande boa-fé, a concederem que pessoas com adms profundamente radicada fossem consideradas aptas para receberem as Ordens Sacras, isto é, para o Sacerdócio ministerial. Não obstante ser válido o Sacramento da Ordem recebido deve afirmar-se com toda a clareza que não é lícito e que por isso devem dele se excluir os candidatos que padeçam desse distúrbio - até para seu próprio bem. De resto, existe uma gama variada de outras circunstâncias ou características que expungem um número considerável de candidatos, pelo que não se trata de uma discriminação injusta, mas sim de um discernimento salutar.

Uma vez, porém, que existem Sacerdotes assim, como é do conhecimento público (que, de boa-fé ou dissimuladamente, com a cumplicidade ou por ignorância da parte dos respectivos prelados foram, admitidos ao Sacramento da Ordem), é seu grave dever acolher e cooperar com a Omnipotência da Graça de Deus, vivendo continentes e castos, na inteireza do seu ser, de modo a que abracem, de todo o coração, o Dom, o Espírito Santo, que os faça viver existencialmente a conformação com Jesus Cristo, Esposo da Igreja. Esta Nupcialidade exige o enjeitamento do narcisismo e o acolhimento da alteridade e da reciprocidade assimétrica, na entrega verdadeira e sincera de si mesmo a Deus e aos outros, por Seu amor. Transfigurados, pela configuração com Jesus Cristo, sanados pelo Seu Amor Infinito, poderão também eles vir a ser Santos.

04. 01. 2013