Nas últimas
semanas o País viveu o interlúdio cómico de um suposto especialista da
ONU divulgando um relatório alegadamente produzido por "uma equipe de
sete economistas, que trabalhou no tema durante mais de um ano"
(Expresso Economia, 15/Dez, p.12). Com alguns corados de vergonha e
outros vermelhos de tanto rir, poucos se debruçaram sobre o aspecto
interessante do episódio: como pode acontecer uma coisa destas? Como foi
possível pessoas inteligentes, cultas e informadas serem enganadas
desta maneira, aceitando como boa a análise de um ignorante? Há aqui um
mistério que merece investigação.
Uma possibilidade é o
economista, mesmo falso, ter dito coisas certas e sensatas. Assim não
admiraria que até observadores atentos e informados fossem enganados.
Mas se esta solução resolve o primeiro enigma, levanta outro pior. Será
que um qualquer "chico-esperto", sem estudos ou diplomas, consegue nesta
situação tão complexa dizer coisas equivalentes aos grandes
especialistas internacionais? Afinal todas aquelas teorias,
estatísticas, equações e modelos não servem para nada? Sendo assim, para
quê perder tempo e dinheiro a escrever e ler esses relatórios? Bastaria
perguntar ao taxista ou ao avô surdo para ouvir o mesmo.
Mas terá
o homem dito mesmo coisas acertadas? De facto as suas afirmações foram
disparates monstruosos: "Desemprego de 24% em 2014" (p.1), "41% do total
da dívida soberana ... advém da obrigatoriedade do cofinanciamento pelo
Orçamento de Estado português" (p.12); "340% do PIB de endividamento
global" (p.13), etc., etc. São atoardas tão absurdas e dislates tão
exagerados que facilmente seriam desmascarados numa consideração
ponderada. Se o suposto especialista tivesse usado os relatórios
verdadei- ros de instituições internacionais, diria coisas opostas às
que disse. Banco Mundial, FMI e OCDE (o PNUD não é conhecido pela
qualidade das suas análises conjunturais de países desenvolvidos, por
não ser essa a sua função) apresentam cenários muito diferentes.
As
previsões da taxa de desemprego para 2014 andam entre 15,9% e 16,6%,
ainda muito elevadas, mas já a descer. A economia portuguesa estará a
crescer nesse ano, mesmo que muito pouco (0,8%-0,9%) e a enorme dívida
bruta total do País ao exterior não deve atingir sequer os 250% do PIB,
quanto mais 350%. Nenhuma organização séria sugeriria a Portugal
repudiar ou renegociar a sua dívida externa, o que lhe destruiria a
credibilidade junto dos credores e agravaria os financiamentos externos
por muitos anos.
Assim a resposta simples não colhe: o relatório
fictício nunca poderia ter passado por verdadeiro. Voltamos então ao
problema inicial: como conseguiu ele aldrabar tanta gente boa? A
resposta é fácil. Aquilo que constava nas suas conferências e
entrevistas (porque parece não haver relatório) era uma asneira pegada,
mas que não destoa das asneiras que andam a dizer-se por aí em comícios,
jornais e conversas de café. O burlão da ONU foi recebido de braços
abertos simplesmente por trazer credibilidade institucional às
convicções exageradas que hoje dominam a opinião pública.
Assim,
involuntariamente, o caso mostra como o rei vai nu. De repente vemos que
o que discursos, notícias e comentários afirmam está ao nível das
tolices de um falsário. Na raiva, ninguém quer uma análise séria e
ponderada da situação. Ninguém lê os verdadeiros relatórios das
organizações reputadas, e as reportagens sobre eles incluem frases
soltas, enviezadas e fora do contexto apenas das secções mais negativas,
porque é isso que o público quer ler. Todas as antevisões positivas são
descartadas como ilusórias, empolando-se qualquer contorno mau. Os
catastrofistas são aplaudidos, enquanto se troça e insulta de quem
tentar estimular, confortar e serenar os ânimos.
Todos anseiam por
ser confirmados na sua certeza macabra de que isto vai de mal a pior. A
esperteza do impostor, como dos discursos, foi dizer aquilo que as
pessoas querem ouvir. Preferem a ficção à realidade, mesmo que seja pior
que a realidade.