Andam os
grandes órgãos de comunicação social portugueses num grande alvoroço em virtude
de suspeitas levantadas sobre o comportamento sexual de um, agora, Bispo. Tudo
começou com uma reportagem de uma revista a qual relatou que um Sacerdote
portuense, cerca de 30 anos depois do alegadamente sucedido, apresentou uma
queixa na Nunciatura Apostólico sobre assédios de índole sexual de que terá
sido vítima, por parte do, então Padre, director espiritual do seminário maior,
o referido Bispo, recentemente guindado a um lugar de relevo na Cúria Romana. A
mesma peça afirma que outras entidades receberam também queixas mais recentes de
alegadas vítimas de avanços do mesmo prelado.
As declarações,
ou a interpretação delas, de um outro Bispo e de um padre franciscano
comentando a sobredita reportagem tiveram aparentemente o efeito de lançar
gasolina à faísca produzida. Eu sei, por experiência, própria que é muito fácil
manipular declarações com montagens de textos, edições sonoras e visuais – já fui
vítima do mesmo, aquando da polémica sobre a negação da Comunhão Eucarística a
quem publicamente advoga a legalização do aborto. Não saberei dizer, no
entanto, se foi o caso mas posso adiantar que na conversa pessoal que hoje mesmo
tive com o meu confrade sobre o assunto verifiquei que o que ele me contou
sobre o mesmo estava muito distante do que apareceu nos media.
Desconheço se
a revista em causa terá ou não dados comprováveis sobre o tema, que possa ter
guardado para os ir revelando progressivamente. O que para já se pode concluir,
evitando temeridades e juízos precipitados, é que, por agora, só existem vagas suspeitas
não demonstradas. Pelo que parecem muito assisadas quer as palavras da Conferência
Episcopal: “Da sua veracidade (das acusações) não podemos nem devemos julgar
apressadamente”; quer as do P. Lombardi, porta-voz da Santa Sé: "É uma
pessoa que estimamos muito, que cumpre muito bem as suas funções no Conselho
Pontifício da Cultura. Não me parece que haja um processo em curso contra ele,
e portanto consideramo-lo com pleno respeito e plena dignidade … ”.
Do ponto de
vista jurídico parece ser de uma dificuldade extrema ajuizar sobre um hipotético
crime, ainda para mais sem testemunhas, ocorrido há trinta anos. Daí que tenha
prescrito, há muito. Por outro lado, a expressão “assédio sexual” pode prestar-se
a uma variedade imensa de interpretações subjectivas que a não serem objectivamente
concretizadas se diluem e dissipam em ambiguidades impossíveis de avaliar.
Mas suponhamos
que tal assédio se verificou de facto há trinta anos. Isso seria naturalmente
de enorme seriedade, tanto mais considerando as circunstâncias agravantes:
tratar-se de um Sacerdote, que se aproveita da sua ascendência e relação sacral,
enquanto director espiritual e confessor da vítima. O traumatismo provocado na
hipotética vítima, quem conhece casos semelhantes sabe-o, é extremamente
violento e pode perdurar uma vida inteira. Este pecado objectivamente tremendo poderá (com isto não se afirma mas
conjectura-se uma possibilidade), porém, não ter gravidade equivalente no perpetrador
se a sua liberdade, em virtude de uma compulsão, estiver diminuída. Independentemente
da responsabilidade/culpabilidade subjectiva, que ultimamente só Deus poderá
julgar com toda a verdade, não se pode deixar de concluir que uma pessoa assim
ou se converte, nada é impossível a Deus, ou deve abandonar o exercício do Sacerdócio
ministerial.
Tenho para mim
que muitos membros da Igreja e da sua hierarquia pasmados com a novidade
sedutora das ciências humanas, em concreto a psicologia e a psiquiatria, não
desfazendo, esqueceram e puseram de parte a ascese, a mística, o poder da oração,
dos Sacramentos, enfim, os meios de santificação que a Igreja sempre propôs e
disponibilizou, e confiaram aos homens aquilo que só Deus pode remediar, embora
as ciências possam coadjuvar, a conversão e a salvação dos homens. O resultado
está à vista…
É preciso não
esquecer que houve grandes Santos, nem todos evidentemente, que antes de se
converterem foram grandes pecadores. E que alguns depois de uma vida de
santidade caíram em pecados horríveis e detestáveis mas pela Graças de Deus se
reergueram vindo a recuperar e a aumentar a Santidade perdida.
De qualquer
modo, se hipoteticamente os assédios se prolongassem no tempo tornar-se-ia
evidente a imperiosidade de recolhimento a um mosteiro, em vida de penitência e
oração, ou mesmo a “redução ao estado laical”. Quer para salvaguarda dos fiéis
e demais pessoas quer para seu próprio bem e salvação.
Convirá ainda
recordar que se é verdade que a pessoa, independentemente do seu estado, que
experimenta involuntariamente uma atracção ou desejo sexual desordenado por
outras do mesmo sexo não peca por isso, o pecado consiste não no sentimento mas
no livre consentimento, não se pode todavia dizer que isso seja equivalente à
atracção por pessoas do sexo oposto. De facto, enquanto a primeira é objectiva
e intrinsecamente desordenada a última é segundo a natureza da pessoa, concorde
com a recta razão e as inclinações naturais. Enquanto a primeira tende a uma inversão
destruidora do amor, da comunhão e da vida, a segunda, de si, é expressão do
chamamento à Comunhão de Vida e Amor de Deus Trinitário. Daí que faça todo o
sentido a determinação do Papa Bento XVI, retomando uma decisão do Papa Beato
João XXIII, de não admitir às Ordens Sagradas do Sacerdócio pessoas que padeçam
de atracções desordenadas, profundamente enraizadas, por outras do mesmo sexo (ver
as consequências desastrosas nesta reflexão de Filipe d’ Avillez).
Consta que o
Cardeal Patriarca terá dito a vários Padres da sua Diocese, antes de se saber
da partida de D. Carlos para Roma, que deixassem de lhe falar, isto é, de
tratar com ele. Como não terá dado mais explicações parece que se espalhou
boato de que o Senhor Patriarca tinha afastado rudemente o seu Bispo auxiliar,
dando azo a variadíssimas especulações fantasiosas, algumas das quais se faz
eco a dita revista. O mais certo, porém, é que o Patriarca de Lisboa não podia,
por então, declarar o que estava destinado a D. Carlos.
Para todos os
efeitos todo o tumulto agora gerado deixa-nos perplexos. Eu, e creio que muitos
outros, não tenho motivo algum para duvidar da declaração de inocência do
Senhor D. Carlos; mas a verdade é que também não o tenho para suspeitar da queixa
formulada pelo Sacerdote que o argúi. É verdade que já houve casos de Bispos e
Sacerdotes que mentindo descaradamente clamaram a sua inocência; mas é
igualmente certo que caluniadores astutos e sem escrúpulos foram causa de
grandes desgraças para Sacerdotes e Bispos falsa e injustamente acoimados. Pelo
que a prudência manda presumir a inocência até prova em contrário.
Temos, no
entanto, que reconhecer que a reputação do Senhor D. Carlos sofreu uma violentíssima
agressão que perdurará, por ventura, nos espíritos da opinião pública, mesmo
quando inocentado, se for caso disso.
Não quereria
terminar sem considerar ainda alguns breves tópicos:
a) A impressão com que fiquei é que a
revista dá como absolutamente confirmadas as suspeitas que levanta. Basta ver o
título: “ A queda de um Anjo”. Não obstante, não apresenta provas. Onde estão
elas?
b) O periódico, citando com destaque declarações
doutrinais do Bispo, procura desacreditá-las ao entremeá-las com uma suposta
vida dupla que as desmentiria. Independentemente dessa hipotética vida em
desacordo com a doutrina, esta não perde o seu valor nem a sua veracidade pelo
facto de aquele que a anuncia a trair ou não estar à altura da mesma. Se assim
fora nenhum membro da Igreja poderia anunciar o Evangelho e todas as suas exigências
porque, com a excepção de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora, ninguém
o vive na sua perfeição. Enquanto a pessoa conhece a verdade e reconhece que a
trai, embora fraca não é hipócrita, e pode ser salva. Mas quem chafurda e em
nome da coerência obstinadamente sufoca a verdade esse perder-se-á.
A Igreja é um hospital e os médicos e enfermeiros
que tratam dos enfermiços também adoecem e precisam de curas. Claro que devem
ser qualificados e exemplares, e para isso o povo de Deus precisa de rezar muito
por eles, mas terão sempre algumas mazelas. No caso evidentemente de doenças
mais graves não poderão continuar a exercer contagiando os achacados em vez de
os tratar.
c) Enquanto a
Igreja denuncia as injustiças e imoralidades mas resguarda, através do Sigilo Sacramental
e da recusa da difamação, as pessoas que as cometem (fala-se evidentemente
daquilo que não é público nem notório), grande parte da comunicação social por
vezes faz exactamente o contrário, publicita e promove a injustiça e a
imoralidade e delata, quando não difama e calunia, factos reais ou imaginários que,
segundo os seus próprios critérios, fazem parte da vida privada. Não que seja
este o caso em apreço porque o assédio sexual, a ter existido, não é de modo nenhum
do foro privado.
d) Na hipótese
de se virem a comprovar as suspeitas levantadas pela reportagem sobre os supostos assédios sexuais continuados ter-se-ia então
que agradecer à revista o serviço prestado à verdade, que muito pode contribuir para a purificação da Igreja.