Paolo Rodari e Andrea Tornielli, dois vaticanistas  italianos, acabam de publicar um livro (Rodari P.,  Tornielli A., Attacco a Ratzinger. Accuse  e scandali, profezie e complotti contro Benedetto XVI, Piemme 2010, pp. 321)  no qual demonstram exaustivamente que Bento XVI foi o Papa mais atacado  na história da Igreja. Desde os movimentos abortistas passando pelos grupos  feministas, promotores da ideologia “gay”, controladores populacionais,  laicistas ocidentais, fundamentalistas islâmicos, progressistas católicos –  incluindo Bispos e Cardeais -, tradicionalistas infiéis até aos burocratas  incompetentes e desmazelados da Cúria Romana se têm distinguido pela sanha ou  pela irresponsabilidade para com o Santo Padre.
As condecorações da Santa Sé ao presidente Cavaco e ao  primeiro-ministro Sócrates que um semanário da capital hoje noticia com grandes  parangonas[1] não passam de mais um episódio a acrescentar aos demais.  
Reza a notícia que as distinções foram atribuídas depois  do presidente ter promulgado o “casamento gay”. Independentemente da intenção  subjectiva de quem recebeu a novidade e a publicou com destaque, objectivamente  falando as repercussões que terão no público, em particular nos católicos,  serão, primeiro, as de que quem combate pelos valores e princípios inegociáveis  só se opõe à reeleição de Cavaco e à governança de Sócrates por causa do  falsamente chamado casamento entre homossexuais; segundo, que o Papa não atribui  qualquer importância à legislação e à promulgação dessa “lei” injusta; terceiro,  que não só não vê qualquer incompatibilidade na feitura e promulgação dessas  leis por parte de católicos ou de qualquer outra pessoa como distingue essas  iniquidades condecorando os seus autores; quarto, o Santo Padre quis dar, aos  católicos, uma indicação de voto – em Cavaco - para as presidenciais em Cavaco.  Em suma, essa multidão de católicos e de muitas outras pessoas de boa vontade  que têm batalhado denodadamente pelo Bem Comum não passam de uns fundamentalista  histéricos e embrutecidos que estão em manifesta contradição como pensamento e o  agir de Bento XVI.
Se é certo que será isto o que pensará o comum das  pessoas ainda é mais certo que qualquer uma dessas conclusões não pode estar  mais longe da verdade.
Convirá em primeiro lugar, antes de irmos às  condecorações, esclarecer que aquilo que nos faz rejeitar com todas as veras a  reeleição de Cavaco é um ror de monstruosidades medonhas que ele enquanto  presidente promulgou: procriação artificial, experimentação letal em seres  humanos embrionários, clonagem, liberalização do aborto, divórcio expresso sem  culpa, educação sexual perversa e obscena nas escolas, regime das chamadas  uniões de facto e pseudo-casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ora em relação a  todas estas “leis” iníquas e injustas sempre se opôs com toda a determinação e  inteligência Joseph Ratzinger como teólogo, como Arcebispo, como Cardeal e agora  como Papa Bento XVI. Só quem não conheça a sua vida e os seus escritos é que  poderá fantasiar absurdos surrealistas como aquelas “conclusões” que elencámos  acima. A verdade, porém, é que a imensa maioria das pessoas, incluindo  católicos, não o conhece a não ser por impressões vagas e distorcidas que de vez  em quando lhe chegam por preconceituosos e ignaros meios de comunicação social,  inclusive da Igreja.
Então o que significam as condecorações?!, perguntará  justamente espantado quem me lê. Não significam nada; e significam muito. Parece  paradoxal que afirme e uma coisa e o seu contrário como sendo ambas verdadeiras.  Mas o esclarecimento é simples. Quando o Santo Padre faz visitas também na  qualidade de chefe de estado há umas formalidades, que não passam disso mesmo,  combinadas entre os ministérios dos negócios estrangeiros do país visitado e o  da secretaria de estado do Vaticano, em que se trocam condecorações entre as  autoridades como um gesto de benevolência (“não quebrar a cana fendida”, como  escreve o profeta Isaías) ou de gratidão pelo acolhimento prestado. É algo de  parecido com as trocas de presentes entre o Papa e as autoridades que recebe. Ou  para dar um exemplo mais corriqueiro: quando o Papa nos seus discursos trata por  Vossa Excelência, o presidente do Irão ou da Coreia do Norte que o visitam (se é  que o visitaram alguma vez) não está a declarar que essas pessoas são  excelentes, isto é, muito virtuosas, está simplesmente a cumprir uma  formalidade. 
No entanto, tendo em consideração o impacto que a publicitação de tais condecorações tem na opinião pública, alheia a estas burocracias curiais, não se pode deixar de reconhecer que a sua importância é enorme como agora se verifica para grande escândalo dos fiéis. As repercussões culturais, políticas e religiosas desta notícia podem ser devastadoras. Por isso, os termos em que a nota da condecoração a Cavaco foi redigida é a todos os títulos lamentável. Os funcionários burocratas da cúria, e sabe Deus se com a cumplicidade ou não de algum Bispo espertalhaço cá do sítio, prestaram um péssimo serviço ao Santo Padre, à Igreja e a Portugal. De facto, como é possível que ignorassem o historial político do presidente? E se não é possível ignorá-lo com arranjaram uma condecoração naqueles termos? Alguém quer muito mal ao Papa.
Nuno Serras  Pereira
28. 08. 2010
[1] http://aeiou.expresso.pt/a-primeira-pagina-do-expresso=f601099  
 
