27. 12. 2013
Andava Francisco pressuroso e
diligente proclamando o Evangelho da Misericórdia, socorrendo os indigentes,
abeirando-se dos pecadores (aqueles que vivem habitualmente em pecado mortal),
beijando os leprosos, abraçando os enfermos e os deficientes, centrifugando-se
para as periferias, denunciado as artimanhas do Maligno, reformando a Curia,
pregando quotidianamente, fustigando vícios, desmascarando hipocrisias, telefonando
a aflitos, encorajando grávidas, respondendo a missivas, escrevendo Cartas e
Exortações, numa vertigem jesuítica ou, se quisermos, Xaveriana. Quem quisera
acompanhar as suas palavras e gestos, sem perder pitada, “gastaria” metade dos
seus dias, tal era o desafogo e a correria ligeira. Importa muito reconhecer
que a força vulcânica de todo esse alvoroço era a oração prolongada que o
mergulhava em contemplações de Jesus Cristo Crucificado/Ressuscitado, da Sua audácia
e dinamismo.
Um dia, ou, para ser mais preciso,
uma noite, estando a repousar do turbilhão das actividades diurnas, teve um
sonho em o qual via a Igreja Mãe das Igrejas, S. João de Laterão, Sede do Bispo
de Roma, do Sumo Pontífice, ameaçando desmoronamento. Era um pesadelo angustiante,
tanto mais que todo o seu esforço e entrega era dedicado à “requalificação” da
mesma. Aconteceu, porém, que uma figura minúscula, insignificante, se avizinha
do Templo aguentando-o a seus ombros. A figura mínima, de cabeça desproporcionada,
membros diminutos, cor avermelhada, com um tubo na barriga, foi num crescendo firmando,
elevando e renovando a Igreja. Francisco não acabava de espantar-se com esta
visão tão surpreendente e misteriosa. Como sempre fora um varão destemido não
teve pejo algum em interpelar a figura perguntando-lhe quem era. Esta
prontamente retorquiu: Eu sou o ínfimo que tu apoucas. Sou aquele que tu não vês,
aquele que não abraças, nem beijas, nem é notícia, nem aparece na média, nem é
a personagem do ano; aquele por quem não viajas, nem visitas, nem veneras nos
antros exterminadores; sou o centro, bem no meio daquela que me gerou, a quem comparativamente
prestas pouca atenção porque me tomas por uma obsessão; sou aquele que, para
ti, não sou, uma prioridade. Andas tão descentrado nas periferias que quase esqueces
o centro que é afinal a condição da sua salvação. Eu sou a possibilidade da família,
sou tu há 76 anos, sou Inácio, Xavier, Francisco de Assis; sou a Igreja
concebida e ainda não nascida, na Sua Cabeça – sou Jesus no Seio Virginal de
Sua Mãe. Sou a fraqueza de Deus, a sua inocência, a sua inermidade, o seu
aniquilamento, a sua incapacidade, a sua miséria; sou a semelhança e actualização
mais autêntica do Crucificado. Sou o futuro presente da humanidade que me
recusa, me rejeita, e da Igreja que tantas vezes me ignora ou, pelo menos,
desleixa. Sou aquele que censuraste nas JMJ no Rio e em tantas outras ocasiões.
Eu sou esse! Nós somos esses!
A este brado tonitruante,
colossal, Francisco despertou. Mandou então chamar aqueles de quem tinha falado
com recriminação e desprezo, aprovando seus trabalhos e pedindo-lhe conselho.
À honra e glória de Cristo Ámen.