sexta-feira, 13 de novembro de 2009

CDS e PSD. Mais debates sodomitas[1]?


1. a) Confesso que me faz impressão ouvir católicos e ainda para mais hierarcas advogarem a necessidade de debate sobre absolutos morais ou princípios e valores inegociáveis quando os sectários do “ … comum inimigo do género humano, que sempre se opõe às boas obras para que pereçam … (Papa Paulo III), pretendem subverter a Lei Moral Natural e o Direito que dela deriva. É que Jesus Cristo não disse Ide e debatei com todas as gentes mas sim Ide e ensinai todas as gentes a observar tudo o que vos prescrevi (cf. Mt. 28, 19-20). Não quero com isto negar a conveniência e a bondade do diálogo com todos, em determinadas circunstâncias, como um dos métodos de proporcionar a compreensão recíproca e suscitar uma abertura sempre maior à Verdade que sempre nos excede.

b) Desde há muito, seguindo uma estratégia cuidadosamente programada e diligentemente posta em prática, que os ideólogos sodomitas nos têm submetido a uma propaganda avassaladora, umas vezes descarada outras subtil e mesmo subliminar, através de livros, revistas, jornais, telenovelas, séries televisivas, Internet, programas e mesas redondas televisivos e radiofónicos, etc., que têm vindo a predispor os ânimos, em particular as emoções e os sentimentos – que, se viciados, como é o caso, obnubilam o exercício livre da recta razão dificultando gravemente a sua capacidade de apreensão da verdade -, dizia que têm vindo a dispor os ânimos para a aceitação acrítica e benévola dos comportamentos e das “uniões” ou “casamentos” entre sodomitas. Debater e discutir num ambiente assim corrompido e nos lugares em que se promove essa conspurcação, com adversários que não estão de boa-fé e recorrem a argumentos e informações que sabem ser falsas para esconder os verdadeiros objectivos do que pretendem alcançar[2] é dar armas ao inimigo e colocar a cabeça no cepo para que nos acutilem e decapitem (acresce que num debate entre por exemplo um charlatão eloquente e um médico competente mas gago, este perde tendo embora toda a razão). Sou, por isso, de opinião que não se participe, da nossa parte, naqueles circos mediáticos onde não é possível desenvolver um raciocínio, nem passar, com credibilidade, a informação necessária nem dar a formação adequada. Acho também contra producente os debates pelo país fora. Sou de parecer, isso sim, que se organizem, por esse Portugal fora, sessões de formação e de esclarecimento; que os sacerdotes, como aconselhou o Arcebispo de Braga, ensinem nas homilias e em outras circunstâncias convenientes; que se dêem entrevistas com o temo suficiente para se poder expor qualquer coisa de jeito.

Quanto à comunicação social da Igreja é evidentemente impensável que se comporta de modo a por em pé de igualdade a injustiça e a Justiça, o mal e o Bem, a mentira e a Verdade porque fazê-lo, como o fez aquando do referendo do aborto, é tomar partido pela injustiça e pela mentira, no sentido em que o pressuposto que subjaz a tais debates ou tempos de antena, ou espaços de opinião, é o relativismo ético e gnoseológico.

2. A comunicação social tem noticiado que dois partidos políticos o CDS e o PSD estão pensando numa suposta “alternativa” ao “casamento” entre pessoas do mesmo sexo que passaria pela celebração de um “contracto civil” entre pessoas do mesmo sexo. Como se não fosse na prática a mesma coisa só que com um nome diferente. Como ontem à noite um Senhor Bispo, num espaço de informação de um dos canais pareceu dar a entender que isso era aceitável convirá citar algumas partes de um texto oficial do Magistério da Igreja que é muito claro sobre esse assunto: “Se todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade que lhes é própria. … A Igreja ensina que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. O bem comum exige que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula primária da sociedade. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao matrimónio, significaria, não só aprovar um comportamento errado, com a consequência de convertê-lo num modelo para a sociedade actual, mas também ofuscar valores fundamentais que fazem parte do património comum da humanidade. A Igreja não pode abdicar de defender tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade. … (o) Estado não pode legalizar tais uniões sem faltar ao seu dever de promover e tutelar uma instituição essencial ao bem comum, como é o matrimónio.”[3]


Nuno Serras Pereira

13. 11. 2009


[1] Na linha do livro de Gomorra, de S. Pedro Damião, entendo por este termo qualquer tipo de relação sexual entre pessoas do mesmo sexo.

[2] Estas afirmações podem parecer temerárias, mas é o que se conclui do estudo aturado da documentação produzida pelos próprios. Não se exclui obviamente que possa haver alguns “idiotas úteis” no meio da batalha.

[3] Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 3 de Junho de 2003, memória de São Carlos Lwanga e companheiros, mártires. (http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20030731_homosexual-unions_po.html )

Para pecado público, confissão pública


Haverá desgraça maior do que quando se celebram os Santíssimos Mistérios do Sacrifício do Senhor desfeá-los e profaná-los pecando sacrilegamente contra os mesmos? É possível que quem foi consagrado para agir na Pessoa do próprio Cristo actue seguindo o Maligno, ultrajando o que de mais Sagrado há no mundo universo? Infelizmente, e digo-o com profundíssima amargura e vergonha máxima, é. Acabou de acontecer vai para mais de uma hora. Este iníquo e vilíssimo homem que sou fez exactamente o contrário do que vem pregando com tanta convicção e veemência. Dei a Sagrada Comunhão a um pecador público, um político daqueles que dissentem do Magistério da Igreja em questões relativas à vida humana. É certo que fui apanhado desprevenido - quando reparei já a minha mão se encaminhava para a sua boca. Mas devia ter tido a presença de espírito necessária para retraí-la e explicar, não que ele não o saiba já, que estava impedido de lhe dar a Sagrada Comunhão – o seu acto, aliás, parece-me agora uma provocação, uma vez que ele conhece muito bem a minha posição, mas não faço juzos de intenção, poderá não me ter reconhecido. De qualquer maneira isto significa evidentemente que preciso de uma grande conversão. Vejam bem se não mereço o nome de hipócrita e que me atirem à cara: “bem prega frei Tomás; façam o que ele diz mas não façam o que ele faz”. Desprezo, repugnância e desdém é só o que mereço. E, no entanto, Deus, na Sua infinita Misericórdia, teve compaixão de mim pecador cretino e insensato, proporcionando-me a oportunidade de logo me confessar, na sacristia, recebendo o Seu perdão. Nunca se esqueçam que este pobre sacerdote pecador não tem a autoridade do inocente, mas somente a do penitente. E que o que vem de mim mesmo deve ser votado à depreciação e ao escárnio, devendo tão só ser acolhido aquilo que não tem origem neste miserabilíssimo estafermo mas na Verdade que o Magistério da Igreja ensina para nossa Salvação. Suplico e imploro com quanta força posso que todos os que venham a conhecimento deste sacrilégio por mim cometido me concedam a esmola das suas orações. À honra de Cristo. Ámen.

Nuno Serras Pereira

13. 11. 2009

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Bispo espanhol, um exemplo a seguir pelos Bispos portugueses

É sempre bom aprender


1. a) Segundo o ABC - online[1], o Secretário-geral da Conferência Episcopal Espanhola, o Bispo jesuíta Juan Antonio Martínez Camino, Auxiliar do Cardeal Rouco Varela, na Diocese de Madrid, proferiu umas declarações muito claras no que diz respeito ao aborto[2]: os legisladores cristãos “não podem aprovar nem votar a favor” da liberalização do aborto uma vez que se o fizessem se encontrariam “objectivamente em pecado mortal”. O Magistério da Igreja obriga a todos os católicos e tem prioridade sobre “o que diga (decida) o partido”. Adiantou ainda que todos os “que promovam a lei”, uma vez que perseveram num “pecado público” “não podem ser admitidos à Sagrada Comunhão”. Para que não restasse dúvida alguma sobre a doutrina da Igreja e a gravidade do que está em jogo, acrescentou que “que quem diga que tirar a vida a um ser humano inocente é legítimo incorre em heresia” e, transcreve El Mundo, “e na excomunhão latae sententiae (automática) prevista para a (consequente à) heresia”[3] porque contradiz “a Fé Divina e Católica que é a lei máxima da Doutrina da Igreja” ( O mesmo defendi num escrito de 2004 que a comunicação social da Igreja em Portugal ignorou).

Depois de explicar que a legalização do aborto teve origem nos totalitarismos comunista e nazi denunciou o sistema educativo actual por estar viciado por “uma visão abortista e de (ideologia do) género” e declarou expressamente que a Igreja chama os católicos à objecção de consciência, pois “é um direito”, recordando que “o Estado não pode impor nenhuma moral a todos. Nem mesmo a católica. O Estado não pode ser educador da sociedade”.[5]

b) Convido todos os meus amigos e leitores a elevarem uma prece ao Céu pelos nossos Bispos para que o Espírito Santo os ilumine e fortaleça de modo a não desautorizarem os que por cá ensinam o mesmo e a não terem medo de anunciar verdades tão fundamentais e necessárias para a salvação do nosso povo e formação das consciências dos fiéis. Importa muito amar os nossos Pastores oferecendo por eles sacrifícios e preces contínuas para nos conduzirem à maneira do Bom Pastor, que deu a vida pelas suas ovelhas. As orações, já se sabe, não serão só d intercessão, mas também de acção de Graças por muitas coisas boas que têm realizado.

2. Há imensas razões pelas quais os Pastores devem insistir oportuna e inoportunamente sobre as verdades respeitantes à contracepção, à reprodução artificial, ao “casamento” entre sodomitas, ao aborto, etc., enfim, sobre aquilo em que normalmente estão calados, desde o divórcio, passando pela pobreza, pela eutanásia, pela criminalidade e corrupção porque existem conexões de origem, ainda que aparentemente remota, entre aquelas e estas. Há uma outra de extrema gravidade, a questão demográfica. Ainda esta tarde uma estação emissora noticiava que éramos o país da Europa a envelhecer mais rapidamente. Talvez valha a pena recordar algumas das gravíssimas consequências do Inverno demográfico aqui.

3. No noticiário das 17h da Rádio Renascença, de hoje, passaram umas declarações do P. Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal nas quais referia que o testamento vital como manifestação antecipada da pessoa não constituía qualquer problema. Como no decurso das várias declarações usou repetidamente o singular - “eu acho”, ou “eu penso” - fica-se na dúvida se as declarações eram de teor privado ou em nome do Episcopado. De qualquer maneira, não corresponde à verdade a afirmação de que não coloquem qualquer tipo de inconvenientes. Os problemas são tantos que países, como por exemplo os EUA, pioneiros na matéria em questão estão introduzindo uma multidão de cautelas.

Aborto, Heresia e Excomunhão [1]


1 - A lei 6/84 de 11 de Maio que exclui a ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, não somente despenalizou, como observaram então os Bispos Portugueses, mas realmente legalizou o aborto provocado, isto é, declarou que o mesmo, em determinadas e muito latas circunstâncias, era um direito de que a mulher grávida podia usufruir com o auxílio e a cumplicidade do Estado. Esta monstruosa violência é, como escreveram na altura os nossos Bispos, gravemente injusta e iníqua. Ao tempo, muitos colocaram a questão de saber se os deputados (baptizados, entenda-se) que tinham votado tal lei estariam ou não excomungados. Que eu saiba, a essa pergunta só respondeu o Padre João Seabra, no DN. Referindo-se ao cânone 1322 do Código de Direito Canónico (CDD), disse qualquer coisa de semelhante a isto: Quem carece habitualmente do uso da razão não pode ser excomungado. Nem todos, porém, terão ficado satisfeitos com esta resposta, aparentemente jocosa. A interrogação nascia de se saber que a Igreja pune com pena de excomunhão quem pratica o aborto ou nele coopera. Porém, uma vez que a pena existe para este ou aquele aborto concreto, não parece que se dê, sem mais, a tal cooperação directa do legislador abortistas – certamente, no entanto, cometem um gravíssimo pecado e serão, por Deus, responsabilizados das matanças havidas. O mesmo se poderia dizer dos governantes que possibilitaram e admitem a venda e distribuição das substâncias ou artefactos abortivos precoces, tais como o DIU ou a pílula do dia seguinte. Importa muito reparar no que habitualmente se passa por alto: no nosso país existe o aborto a pedido, ou se quisermos, a liberalização total do aborto, até à nidação ou implantação. Quer dizer, em Portugal todos os governantes e partidos políticos, com representação parlamentar, aceitam o recurso ao aborto como um direito. Adiante-se, de passagem, que é um erro gravíssimo que a luta contra o aborto se centre no aborto cirúrgico, ignorando quase por completo o precoce.


2. Ora, o facto de se admitir, obstinadamente, o aborto como um direito, ainda que pessoalmente se seja contra, e mesmo que somente em algumas circunstâncias e em certas fases do estádio de desenvolvimento do ser humano constitui uma heresia.


a) Vamos por partes. Importa, em primeiro lugar referir os cânones 750 e 751 do CDD: “Deve-se crer com fé divina e católica tudo o que se contém na palavra de Deus escrita e transmitida por Tradição, ou seja no único depósito da fé confiado à Igreja, quando ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado, quer pelo magistério solene da Igreja, quer pelo seu magistério ordinário e universal ... por conseguinte, todos têm a obrigação de evitar quaisquer doutrinas contrárias. Diz-se heresia a negação pertinaz, depois de recebido o baptismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica., ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma ... . Ora, uma proposição apresentada para ser crida, pelo magistério universal e ordinário, é de fé divina e católica, é uma verdade dogmática, e a doutrina contrária é formalmente herética.[2] Acresce que o cânone 750, ao aludir às verdades dogmáticas refere-se também à Lei Divina ou lei a crer. [3] Uma verdade formalmente revelada é aquela que Deus tornou clara directamente em seu próprio conceito ou termos – de um modo explícito ou implícito: explicitamente em termos directos ou equivalentes, implicitamente quando a verdade está incluída no que foi explicitamente revelado – a parte está incluída no todo, o particular no universal. [4]


Tudo isto se tornará, porventura, mais claro se nos recordarmos que Deus revelou o decálogo, declarando no quinto mandamento: Não assassinarás, isto é, não matarás o inocente nem o justo (Ex. 23, 7). Por isso, o Cardeal Ratzinger esclareceu que a doutrina da Igreja sobre a grave imoralidade da morte voluntária e directa de um ser humano é um dogma de Fide Divina et Catholicae (verdade de Fé Divina e Católica). [5] Também o então secretário da Congregação para a Doutrina da Fé e hoje Cardeal Arcebispo de Génova escreveu: “Estas doutrinas [“a morte directa e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral” e “o aborto directo constitui sempre uma desordem moral grave”], que até hoje não foram declaradas por um juízo solene, pertencem, no entanto, à Fé da Igreja e têm sido ensinadas infalivelmente pelo magistério ordinário e universal.”. [6]


b) Já em 1995, na encíclica Evangelium Vitae, João Paulo II tinha escrito: “... com a autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus Sucessores, em comunhão com os Bispos da Igreja Católica, confirmo que a morte directa e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. Esta doutrina, fundada naquela lei não-escrita que todo o homem, pela luz da razão, encontra no próprio coração (cf. Rm 2, 14-15), é confirmada pela Sagrada Escritura, transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal. A decisão deliberada de privar um ser humano inocente da sua vida é sempre má do ponto de vista moral, e nunca pode ser lícita nem como fim, nem como meio para um fim bom. É, de facto, uma grave desobediência à lei moral, antes ao próprio Deus, autor e garante desta; contradiz as virtudes fundamentais da justiça e da caridade. «Nada e ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante.» ...”. (EV. 57); e ainda: “com a autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus Sucessores, em comunhão com os Bispos — que de várias e repetidas formas condenaram o aborto e que, na consulta referida anteriormente, apesar de dispersos pelo mundo, afirmaram unânime consenso sobre esta doutrina — declaro que o aborto directo, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, enquanto morte deliberada de um ser humano inocente. Tal doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a Palavra de Deus escrita, é transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal.” (EV. 62).


c) Vinte anos antes, a 18 de Novembro de 1974, com a Declaração sobre o Aborto Provocado, Paulo VI, através da Congregação para a Doutrina da Fé, quis dar ao mundo uma interpretação autêntica e declaratória da condenação doutrinal do aborto provocado e da nova legislação do “direito de optar” pelo aborto que tinha surgido nos USA e noutros países. Nessa declaração é dito sem ambiguidade alguma que: “A lei divina e a razão natural excluem, portanto, qualquer direito à morte directa de um ser humano inocente ... no caso de uma lei intrinsecamente injusta como a que admite o aborto, nunca é lícito conformar-se com ela, nem participar numa campanha de opinião a favor de uma lei de tal natureza, nem dar-lhe a aprovação com o seu voto.”.[7]


Portanto, a admissão do “direito a escolher abortar” ou do “direito de optar pelo aborto”, mesmo por alguém que não queira exercer esse suposto direito, mas o admita para os outros, é directa, formal e, pelo menos, implicitamente contrário e contraditório com uma verdade de Fé Divina e Católica ensinada infalivelmente pelo Magistério ordinário e universal. A doutrina da grave imoralidade do “direito de optar” pelo assassínio na forma de aborto directo e voluntário não é uma conclusão teológica ou sintética que introduza um novo conceito heterogéneo. De facto, uma vez que a morte voluntária e directa de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral e que o aborto directamente provocado consiste na morte voluntária e directa de um ser humano, só se pode concluir que o aborto directamente provocado é sempre gravemente imoral.


Uma vez que a declaração da verdade de Fé Divina e Católica que o Papa faz no número 62 da encíclica Evangelium Vitae, é a que está expressa em itálico: “o aborto directo, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave”, o acrescento “enquanto morte deliberada de um ser humano inocente” é explicativo e não constitutivo. Podemos, pois, afirmar com toda a certeza, se dúvidas houvesse, que a proposição “ninguém tem qualquer direito ao aborto directamente provocado, querido como fim ou como meio” é uma verdade de Fé Divina e Católica, que obriga todos os fiéis ao assentimento de Fé Teologal, segundo o cânone 750.


d) Como escrevemos acima, citando o cânone 751: “Diz-se heresia a negação pertinaz, depois de recebido o baptismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica., ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma ...”. Para que esta pertinácia se verifique externamente não é necessário que o sujeito conheça o grau de certeza teológica ou o valor da nota teológica da verdade em questão, mas basta que saiba que a Igreja guarda ou ensina a doutrina oposta à heresia por ele perfilhada.[8]


O facto de alguém negar que dissente da doutrina da Igreja não o desculpa do crime de heresia, se adere a uma doutrina que ele sabe que é contra a Fé - não há desculpa para quem faz algo que é oposto aquilo que afirma.[9] Portanto, qualquer católico que pertinazmente declare que “pessoalmente é contra o aborto”, mas que todavia por factos, sinais, palavras ou silêncio exterioriza uma única negação ou dúvida que seja, que a Lei Divina exclui qualquer direito ao aborto provocado, admitindo implicitamente o “direito ao aborto” incorre, segundo o cânone 1364 §1 do CDD, na pena de excomunhão latae setentiae, isto é, automática.[10]


3. Parece-me pois evidente que os políticos portugueses, baptizados - caso não tenha havido arrependimento -, que votaram a lei 6/84, e/ou concordam com ela, ou com o seu alargamento (caso da aprovação da proposta de Strecht Monteiro), ou que por votação a 3 de Março do corrente ano aprovaram uma recomendação ao Governo para que a levasse a cabo; e os governantes que abriram as portas à introdução dos abortivos precoces ou a não fecharam, podendo fazê-lo, mantendo assim o “direito” ao aborto a pedido, incorrem no crime de heresia e na pena de excomunhão. Nenhum deles pode ignorar as frequentíssimas intervenções do Papa João Paulo II sobre o assunto, nem os variados documentos da Conferência Episcopal e outras intervenções dos Bispos, individualmente considerados, desde, pelo menos, 1977. Deste modo, políticos como estes podem ser acusados não só de heresia, mas também de escândalo diabólico que conduz à heresia, cooperação imediata e formal com a heresia, escândalo diabólico que leva ao assassínio, grave mal infligido à moral pública e desprezo da Fé e da autoridade eclesiástica, e, alguns deles, de profanação das Sagradas Espécies.


Não parece haver dúvidas de que políticos como Cavaco Silva, António Guterres, Maria de Belém, Freitas do Amaral, Paulo Portas, Durão Barroso, Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, têm, de um ou de outro modo, por factos, sinais, palavras ou silêncio exteriorizado negações ou dúvidas de que a Lei Divina exclui qualquer direito ao aborto provocado, admitindo implicitamente o “direito ao aborto”.


4. Uma vez que as posições tomadas por políticos como estes ocasionam gravíssimo escândalo nos fiéis, conduzindo-os a doutrinas e comportamentos erróneos, seria, assim parece, de toda a conveniência que os senhores Bispos tomassem as disposições disciplinares apropriadas, previstas no CDD: Can. 751; 1364 §1, 2; 915; 1367; 1369; 1399. De facto, “Há uma necessidade urgente de criar uma opinião pública na Igreja coerente com a identidade Católica, livre da subjugação da opinião mundana tal como é referida nos mass media ... Na perspectiva da disciplina da Igreja parece mais oportuno do que nunca lembrar que os Bispos têm a obrigação de aplicar a legislação disciplinar da Igreja de um modo efectivo, especialmente quando se trata de defender o ensino da Verdade Divina”.[11]

Nuno Serras Pereira

04. 10. 2004


[1] Com a graciosa colaboração de Marc A. Balestrieri.

[2] Cf. R. P. I. Salaverri, S.J., Sacrae Theologia Summa, I., De Ecclesia Christi III, Ed. 2, B.A.C., Matriti, N. 897, p. 786

[3] Cf. R. P.S. Cartechini, S.J., De valore notarum theologicarum et de criteriis adea dinoscendas (Romae 1951) 11

[4] cf. Ad. Tanquerey, S. S., Manual of Dogmatic Theology, I, Desclée Co., Tournai, 1959, N. 323 A, 202-203

[5] J. Card. Ratzinger, Professio Fidei et Iusiurandum fidelitatis in suscipiendo officio nomine Ecclesiae exercendo una cum nota doctrinali adnexa, AAS 90 (1998) 542-551; Communicationes 30 (1998) 42-49

[6] AA. VV., Tarcisio Bertone in Proclaiming the Truth of Jesus Christ: Papers from the Vallombrosa Meeting, 9-12 Feb. 1999, USCCB, p. 39

[7] Congregação da Doutrina da Fé, Declaração sobre o Aborto Provocado (18. 11. 1974), n. 22: AAS 66 (1974), 744

[8] H. Busenbaum, S. J., Medulla Theologiae Moralis, I, 3. Quid sit Haeresis, Typis S. Cong. De Propaganda Fide, Romae, p. 61

[9] A. Sancatarelli, S. J., Tractatus de Haeresi, Zannetti, Romae, MDCXXV, Nn. 26-27, pp. 18-19

[10] Cf. St. Afonso Maria Ligório, Theologiae Moralis, VII, 300 seqq., RR. PP. Cl. Marc et Fr. X Gestermann, Institutiones Morales Alphonsianae seu S. Alphonsi Mariae de Ligorio Doctrina Moralis ad usum Scholarum Accomodata, Editio Decima Nona, I, E. Vitte, Lugduni, N. 437, 1º, 1933 e H. Noldin, S. J., Summa Theologiae Moralis, II. De Praeceptis Dei et Ecclesiae, Ed. 15, F. Rauch, Oeniponte, 1922, Nn. 18-20, pp. 24-25

[11] AA. VV., Cardeal Tarcisio Bertone, SDB, Vallombrosa Meeting, supra, p. 42

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Ecclesia, uma agência minada?


1. Nos textos que vou escrevendo tenho-me referido com frequência aos desserviços que a Rádio Renascença, não obstante algumas qualidades óbvias, tem prestado, quer por actos quer por omissões, à desumanização e descristianização de Portugal. Tenho até agora “ignorado” a agência ecclesia não só por supor que o seu impacto na opinião pública será menor mas principalmente por recear que me acusem de ressentimento no caso de a criticar. Hoje, porém, dei-me conta de que é uma grande falta de humildade temer o juízo injusto dos outros – enfim, mais vale tarde do que nunca. Para que se entenda o meu pudor deverei contar a traços largos os fundamentos da minha apreensão. Depois da Polícia Judiciária (PJ) contactar a dita agência em virtude de um artigo meu – Os Abortófilos – que eles tinham colocado no seu sítio, todos os artigos eu que ali tinha publicado foram retirados – tratar-se-á, admito, de uma coincidência. Importa fazer aqui um parêntesis para informar que depois de um julgamento e recurso ao Tribunal da Relação fui ilibado, inocentado, da acusação que a APF fazia contra mim. A agência em questão tinha, no seu sítio, escritos meus desde, pelo menos, 1997, sendo que ao menos um foi escrito a pedido dela. Ignoro se também fizeram desaparecer os números do seu boletim em papel que continham textos da minha autoria. Mas sei muito bem que o direito a rescrever a história eliminando textos ou fotografias está consagrado, pelo menos, desde o estalinismo. Quanto ao que me diz respeito, não coloco objecções, não tenho pretensão alguma de que os meus escritos mereçam ser publicados e acho mesmo que provavelmente o destino de serem queimados é o mais apropriado. Já, algum tempo antes da PJ se tinham recusado a publicar um texto intitulado “Homossexuais activos na vida Religiosa”. Parece que não era conveniente falar de um assunto que todo o mundo abordava aquando do escândalo dos padres abusadores de menores nos EUA. Nada a opor, eles lá têm a sua linha editorial e são evidentemente livres de a prosseguirem como entenderem.

Depois, aconteceu aquele famoso “anúncio” num jornal diário, que provocou um enorme sobressalto na Igreja em Portugal e um grande tumulto na comunicação social e no mundo político, no qual eu comunicava que em virtude do Cânone 915, do Código de Direito Canónico, estava impedido de dar a Sagrada Comunhão a quem manifestamente (publicamente) persistisse em estado de pecado grave, exemplificando que esse era o caso (entre outros) de quem permanentemente advogava a legalização do aborto e cirúrgico, hormonal ou mecânico[1]. Logo a agência ecclesia se apressou a publicar umas declarações do Senhor Cardeal Patriarca - "Espero que todos percebam que aquela posição não é a posição oficial da Igreja, que não é a posição da hierarquia" -, e do então meu superior provincial – A posição da Igreja “… não coincide totalmente, como o documentam as reacções de alguns dos seus autorizados porta-vozes (Cf. Declarações de Dom José da Cruz Policarpo à Renascença), com o teor da intervenção do P. Nuno Serras Pereira -, desmentindo-me. Profundamente preocupado, não com o direito de resposta, mas com a perniciosidade dessas declarações ou comunicados que teriam como efeito induzir a multidão dos fiéis em erro, solicitei que me publicassem um texto intitulado: “A Minha Posição e a Doutrina Oficial do Magistério da Igreja (03. 03.2005) que pela sua extensão sintetizo em nota de rodapé[2] (caso queira ler o artigo original pode fazê-lo em: http://jesus-logos.blogspot.com/2009/11/minha-posicao-e-doutrina-oficial-do.html). A agência da Conferência Episcopal Portuguesa recusou-se a publicá-lo. Também a Rádio Renascença, com quem fiz igual diligência, propriedade do Patriarcado de Lisboa e da Conferência Episcopal se recusou quer a referi-lo quer a fazer uma síntese ou a dar conhecimento desse importante Documento da Santa Sé que eu citava abundantemente e que confirmava em absoluto a minha posição. Se alguém pesquisar no sítio da agência ecclesia o meu nome “Nuno Serras Pereira” somente, tanto quanto pude verificar, encontrará a minha “condenação” ditada pelas duas autoridades referidas. Não o lamento, no que à minha pessoa diz respeito, pois para mim é um título de glória. E do ponto de vista de estima e consideração, mantenho-as iguais em relação a todos os implicados.

2. a) Quem se der ao trabalho de pesquisar nomes de católicos dissidentes do Magistério da Igreja em temas tão graves como o da liberalização do aborto provocado, da experimentação letal em embriões humanos, do “casamento” de sodomitas e da eutanásia, disfarçada de testamento vital encontrá-los-á em abundância e sem nenhuma nota crítica. Pesquise, por exemplo, José Manuel Pureza, Maria Barroso, Cavaco Silva, Paulo Rangel, Maria de Belém Roseira.

b) Se quiser topar, por exemplo, com uma crítica injustíssima e imbecil, embora em linguagem doce, à Humanae vitae do Papa Paulo VI, na celebração dos seus quadragésimo aniversário, basta clicar: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=62110; ou uma idiotia perversa sobre o Documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé intitulado "Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais", basta clicar em http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=2364.

3. É possível, há lá alguma coisa impossível nos dias de hoje, que alguns se regozijem com este politeísmo doutrinal, mas espero que aqueles de mente lúcida e juízo são, na sua indignação contra as más notícias não lapidem o mensageiro que as dá a conhecer.

Nuno Serras Pereira

09. 11. 2009



[1] Participação aos Interessados - 02. 03. 2005

Na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas envolvidas o padre Nuno Serras Pereira, sacerdote católico, vem por este meio dar público conhecimento que, em virtude do que estabelece o cânone 915 do Código de Direito Canónico, está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente têm perseverado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes quer através de diversas pílulas, do DIU, da pílula do dia seguinte – ou outras substâncias que para além do possível efeito contraceptivo possam ter também um efeito letal no recém concebido; quer por meio das técnicas de fecundação extra-corpórea, da selecção embrionária, da crio preservação, da experimentação em embriões, da investigação em células estaminais embrionárias, da redução fetal, da clonagem…; quer através da legalização do aborto (votar ou participar em campanhas a seu favor), o que inclui a aceitação ou concordância com a actual “lei” em vigor (6/84); quer, ainda, pela eutanásia.

O respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para com o povo cristão e para com todos são razões ponderosas que, seguramente, ajudarão a compreender a razão de ser deste grave dever que o cânone 915, vinculando a consciência, exige dos ministros da Eucaristia.

Da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo convido todos ao arrependimento e à retractação pública, para que refeita a comunhão com Deus e com a Sua Igreja possam receber digna e frutuosamente o Corpo do Senhor.

[2] Não Matarás, Cânone 915 e Comunhão Eucarística - A Doutrina da Igreja

O Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, declara:

1. A proibição feita no cânon 915, por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja. O texto das Escrituras ao qual a Tradição eclesial sempre remonta é o de São Paulo: 1 Cor 11, 27-29.

Este texto diz respeito primeiramente ao próprio fiel e à sua consciência como consta no cânon 916. Porém o ser-se indigno por se achar em estado de pecado põe também um grave problema jurídico na Igreja: precisamente ao termo «indigno» refere-se o cânon do Código dos Cânones das Igrejas Orientais que é paralelo ao cân. 915 latino: «Devem ser impedidos de receber a Divina Eucaristia aqueles que são publicamente indignos» (cân. 712). Com efeito, receber o Corpo de Cristo sendo publicamente indigno é um comportamento que atenta contra os direitos da Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa comunhão. Deve-se evitar o escândalo, concebido como acção que move os outros ao mal. Tal escândalo subsiste mesmo se, lamentavelmente, um tal comportamento já não despertar admiração alguma: pelo contrário, é precisamente diante da deformação das consciências, que se torna mais necessária por parte dos Pastores, uma acção tão paciente quanto firme, que tutele a santidade dos sacramentos, em defesa da moralidade cristã e da recta formação dos fiéis.

2. Qualquer interpretação do cân. 915 que se oponha ao conteúdo substancial, declarado ininterruptamente pelo Magistério e pela disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é claramente fonte de desvios. A fórmula: «e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto» é clara e deve ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando a norma inaplicável. As três condições requeridas são:

a) o pecado grave, entendido objectivamente, porque da imputabilidade subjectiva o ministro da Comunhão não poderia julgar; b) a perseverança obstinada, que significa a existência de uma situação objectiva de pecado que perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não sendo necessários outros requisitos (atitude de desacato, admonição prévia, etc.) para que se verifique a situação na sua fundamental gravidade eclesial; c) o carácter manifesto da situação de pecado grave habitual.

3. A prudência pastoral aconselha vivamente a evitar que se chegue a casos de recusa pública da sagrada Comunhão. Os Pastores devem esforçar-se por explicar aos fiéis envolvidos o verdadeiro sentido eclesial da norma, de modo que a possam compreender ou ao menos respeitar. Quando, porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito ou não tenham sido possíveis, o ministro da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la a quem seja publicamente indigno, com firmeza, consciente do valor que estes sinais de fortaleza têm para o bem da Igreja e das almas.

4. Nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar directrizes que a contradigam.

5. O dever de reafirmar esta impossibilidade de admitir à Eucaristia é condição de verdadeira pastoral, de autêntica preocupação pelo bem dos fiéis e de toda a Igreja.

Ano 2000 - Síntese de texto completo em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declaration_po.html

A Minha Posição e a Doutrina Oficial do Magistério da Igreja

1 - No dia de hoje alguns jornalistas telefonaram-me pedindo que comentasse as declarações do Senhor Cardeal Patriarca, D. José Policarpo, sobre o anúncio que fiz publicar ontem no jornal público. Eu, evidentemente, recusei-me a tal. Devo muito ao Senhor Patriarca, tenho pelo meu Bispo uma enorme estima, reverência e admiração. Se entende pronunciar-se, em comunhão com o Santo Padre, sobre alguma questão doutrinal ou moral, fazendo uso da autoridade que lhe foi concedida compete-me escutar e meditar as suas palavras, procurando passá-las para a vida. Adiante-se, por mera informação, que se emite juízos meramente prudenciais ou manifesta opiniões, qualquer católico é livre de concordar ou não.

2 – Muita outra gente me contactou por e-mail e telefone felicitando-me pelas intervenções a que assistiram na comunicação social, mas confusas com o que alguns média diziam, invocando fontes anónimas, sobre a alegada posição de sacerdotes e de Bispos, apontando para discrepâncias entre o conteúdo do que eu declarava e a doutrina do Magistério da Igreja. Convém, pois, esclarecer.

3 – a) Importará, em primeiro lugar, adiantar que muita gente, incluindo meios de comunicação social, não entendeu ou tresleu, o que a Participação aos Interessados dizia. Quando invoco o cânone 915 e falo de preservar manifestamente em advogar o desrespeito pelo mandamento não matarás, através dos mais variados meios (alguns dos quais exemplifico), quero com isso dizer, o que aliás expliquei pormenorizadamente a muitos jornalistas, que a permanência obstinada e notória (pública) num estado objectivo de pecado grave obriga o sacerdote a não admitir à sagrada comunhão todo aquele que publicamente indigno a ela se apresenta. Esta obrigação do celebrante que deriva da lei divina não admite dispensa ou impedimento da parte de quem quer que seja.

b) No comunicado que fiz publicar como anúncio não refiro substâncias ou artefactos contraceptivos, enquanto tais (não quis propositadamente, por ora, entrar nessa discussão; embora o cânone também abranja essa questão, como todas outras de matéria grave), mas tão só na medida em que podem ter um efeito letal no recém concebido – será preciso recordar que a pílula (aquelas que também têm efeito abortivo) mata anualmente mais de trinta milhões de seres humanos e o DIU mais de duzentos milhões (os cálculos estão feitos e publicados por farmacêuticos e estatísiticos)? De facto, refiro que o que está em questão é o advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes. Também as técnicas de fecundação extra-copórea, e os exemplos sucessivos, se referem ao colocar deliberadamente em circunstâncias de morte certa uma multidão de seres humanos na sua fase embrionária ou fetal. Ainda há poucos dias os Bispos da Croácia afirmaram que a fecundação in vitro era um crime grave e adiantaram que as 15. 000 (quinze mil) crianças ali nascidas por essa técnica custaram a vida de 285. 000 (duzentas e oitenta e cinco mil).

c) Evidentemente que o sacerdote não tem que bisbilhotar a vida alheia e é chamado a tratar de muitos casos no atendimento pessoal e no confessionário. Mas é óbvio que no referido texto não se está a falar dessas situações. O que está em questão é a responsabilidade objectiva de, por ex., legisladores e demais políticos, responsáveis de laboratórios e de farmácias, de médicos, de fazedores de opinião, de jornalistas, de pastores da Igreja, enfim, de qualquer pessoa que confessando-se católica, não obstante, permanece notoriamente numa recusa da doutrina da Igreja num ponto tão essencial como o respeito pelo Mandamento da Lei de Deus Não Matarás o inocente e o justo. Este mandamento é um absoluto moral que não admite excepções, independentemente das circunstâncias. Nem permite que se coopere na execução de alguém – não consta que Hitler ou Goebbels tenham directamente morto algum judeu; mas toda a gente percebe que são responsáveis da morte injusta e cruel de milhões deles. Estes dois senhores foram baptizados na Igreja católica. E, pelo andar da carruagem, não me admiraria que alguns membros do clero, se vivessem naquele tempo, os admitissem à comunhão eucarística. Com este exemplo não pretendo comparar o holocausto nazi com o holocausto abortista – existem muitas diferenças -, mas tão só chamar a atenção para que a vida humana de um recém concebido tem exactamente a mesma dignidade e o mesmo valor do que um feto, um infante, uma criança, um adolescente, um jovem, adulto ou idoso. São tudo fases da existência do mesmo sujeito humano. Ora se ele é dotado do mesmo valor e da mesma dignidade merece o mesmo respeito e protecção em qualquer etapa da sua existência.

d) Parece-me, pois, indiscutível que quem manifestamentepublicamente indigno e, por isso, deve ser impedido de receber a Sagrada Comunhão Eucarística. (notoriamente) advoga, contribui para, ou promove a morte de seres humanos inocentes é

4 – a) É da competência do Bispo diocesano, se assim o entender, proibir publicamente os seus sacerdotes de admitirem à Sagrada Comunhão esta ou aquela pessoa concreta, cujo nome é tornado público. Nenhum sacerdote pode usurpar essa competência episcopal. Mas como toda gente que leu o anúncio sabe, eu não fiz tal. Limitei-me a dizer de um dever sacerdotal, do qual terei de responder, eu e só eu, perante Deus. Não preciso que nenhum Bispo, Cardeal ou Papa me autorize a recusar a Comunhão a quem é publicamente indigno.

b) Será opinável, discutível, dependente do juízo prudencial (não se trata seguramente de matéria essencial) se é oportuno ou não que um sacerdote publique num jornal o que eu anunciei, sem mencionar, aliás, nomes particulares e falando somente da minha atitude (se referi que o Direito Canónico tem exigências que vinculam a consciência dos sacerdotes foi somente para explicitar a minha posição). Mas um padre como eu que não tem responsabilidades pastorais (celebrando em várias igrejas) nem possibilidade de contactar pessoalmente os interessados e pretende, por caridade, evitar um possível embaraço público, a que meio deverá recorrer de modo a informar os interessados?

5 – Para que quem me lê possa avaliar da coerência dos conteúdos do que afirmo na Participação aos Interessados e a posição oficial do Magistério da Igreja passo a transcrever uma Declaração do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos (é que para mim é evidente que o direito serve a caridade, a moral serve a misericórdia e a excomunhão é uma pedagogia ao serviço da comunhão – neste aspecto não há “ou” “ou”, mas sim “e” “e”) feita em acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Se alguém encontrar alguma discrepância agradeço o favor de ma explicarem. Estou aberto e agradeço todas as correcções, caso as hajam. Acrescento que a citação não está completa não só por se referir em concreto a outro assunto, embora os princípios a aplicar sejam exactamente os mesmos, mas também para não a tornar demasiado extensa. (Quem estiver interessado na totalidade do texto encontrá-lo-á em:

http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declaration_po.html )

Declaração do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos

[Os sublinhados e o negrito são meus]

O Código de Direito Canónico estabelece que: «Não sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto» (cân. 915). Nos últimos anos, alguns autores … propugnam [que] porque o texto fala de «pecado grave», seriam necessárias todas as condições, mesmo as subjectivas, requeridas para a existência de um pecado mortal, razão pela qual o ministro da Comunhão não poderia emitir ab externo um juízo do género; ademais, para que se fale de perseverar «obstinadamente» naquele pecado, seria necessário verificar-se no fiel uma atitude de desacato, após uma legítima admonição por parte do Pastor.

Face a este pretenso contraste entre a disciplina do Código de 1983 e os ensinamentos constantes da Igreja nessa matéria, este Conselho Pontifício, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, declara quanto segue:

1. A proibição feita no citado cânon, por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja. O texto das Escrituras ao qual a Tradição eclesial sempre remonta é o de São Paulo:

«E, assim, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se cada qual a si mesmo e, então, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que come e bebe, sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação» (1 Cor 11, 27-29).

Este texto diz respeito primeiramente ao próprio fiel e à sua consciência, e isto está formulado pelo Código no sucessivo cânon 916. Porém o ser-se indigno por se achar em estado de pecado põe também um grave problema jurídico na Igreja: precisamente ao termo «indigno» refere-se o cânon do Código dos Cânones das Igrejas Orientais que é paralelo ao cân. 915 latino: «Devem ser impedidos de receber a Divina Eucaristia aqueles que são publicamente indignos» (cân. 712). Com efeito, receber o Corpo de Cristo sendo publicamente indigno constitui um dano objectivo à comunhão eclesial; é um comportamento que atenta contra os direitos da Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa comunhão. [Importa evitar] o escândalo, concebido qual acção que move os outros ao mal … . Tal escândalo subsiste mesmo se, lamentavelmente, um tal comportamento já não despertar admiração alguma: pelo contrário, é precisamente diante da deformação das consciências, que se torna mais necessária por parte dos Pastores, uma acção tão paciente quanto firme, em tutela da santidade dos sacramentos, em defesa da moralidade cristã e da recta formação dos fiéis.

2. Qualquer interpretação do cân. 915 que se oponha ao conteúdo substancial, declarado ininterruptamente pelo Magistério e pela disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é claramente fonte de desvios. Não se pode confundir o respeito pelas palavras da lei (cfr. cân. 17) com o uso impróprio das mesmas palavras como instrumentos para relativizar ou esvaziar a substância dos preceitos.

A fórmula «e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto» é clara e deve ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando a norma inaplicável. As três condições requeridas são:

a) o pecado grave, entendido objectivamente, porque da imputabilidade subjectiva o ministro da Comunhão não poderia julgar;

b) a perseverança obstinada, que significa a existência de uma situação objectiva de pecado que perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não sendo necessários outros requisitos (atitude de desacato, admonição prévia, etc.) para que se verifique a situação na sua fundamental gravidade eclesial;

c) o carácter manifesto da situação de pecado grave habitual.

3. Naturalmente a prudência pastoral aconselha vivamente a evitar que se chegue a casos de recusa pública da sagrada Comunhão. Os Pastores devem esforçar-se para explicar aos fiéis envolvidos o verdadeiro sentido eclesial da norma, de modo que a possam compreender ou ao menos respeitar. Quando, porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito ou não tenham sido possíveis, o ministro da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la a quem seja publicamente indigno. Fá-lo-á com extrema caridade e procurará explicar no momento oportuno as razões que a tanto o obrigaram. Deve, porém, fazê-lo com firmeza, consciente do valor que estes sinais de fortaleza têm para o bem da Igreja e das almas.

O discernimento dos casos de exclusão da Comunhão eucarística dos fiéis que se encontrem na condição descrita pertence ao Sacerdote responsável pela comunidade. Ele dará instruções precisas ao diácono ou ao eventual ministro extraordinário acerca do modo de se comportar nas situações concretas.

4. Considerando a natureza da já mencionada norma (cfr. n. 1), nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar directrizes que a contradigam.

5. [O] dever de reafirmar esta impossibilidade de admitir à Eucaristia é condição de verdadeira pastoralidade, de autêntica preocupação pelo bem destes fiéis e de toda a Igreja, porque indica as condições necessárias para a plenitude da conversão à qual todos estão sempre convidados pelo Senhor […]

Do Vaticano, 24 de junho de 2000, Solenidade da Natividade de São João Baptista.

Nuno Serras Pereira

03. 03. 2005