terça-feira, 14 de abril de 2009

Igreja cria emprego para os mais pobres

Rita Carvalho

In Diário de Notícias - 14. 04. 2009

Reforço do apoio alimentar, promoção do emprego e dos cuidados de saúde continuados. Cardeal-patriarca reúne--se na sexta-feira com padres de Lisboa para divulgar estas medidas de apoio às famílias.

A Igreja de Lisboa vai criar postos de trabalho nos centros sociais e paroquiais e quer fazer protocolos com os centros de emprego e formação do Estado. Esta é uma das medidas de combate à crise, que afecta cada vez mais famílias, que serão apresentadas aos padres da diocese lisboeta na sexta-feira, num encontro promovido pelo patriarca, D. José Policarpo.

A curto prazo, a acção urgente do projecto "Igreja Solidária" passa pelo reforço da ajuda alimentar e pelo apoio às famílias no pagamento de créditos à habitação. Para isso, já começaram a ser angariados alguns fundos.

"Há muita gente a precisar de emprego e as instituições precisam de pessoas para trabalhar", afirmou ao DN Francisco Crespo, director da pastoral sociocaritativa do patriarcado de Lisboa. Para além do trabalho nos centros sociais e paroquiais, que cresce à medida que sobem as necessidades das famílias, a Igreja está a estudar o alargamento das valências de algumas instituições, que necessitarão, assim, de mais funcionários.

Outra medida, ainda em estudo e que avançará apenas numa segunda fase do projecto, passa pelo estabelecimento de protocolos com o Instituto de Emprego e Formação Profissional para a criação de empregos "para quem mais necessita", explica o cónego Francisco Crespo.

No futuro, o patriarcado pondera avançar com a construção de equipamentos de prestação de cuidados de saúde continuados a nível paroquial, para libertar camas nos hospitais, actualmente ocupadas por alguns doentes que podem ser acompanhados noutras instituições. Neste momento, estão já a decorrer contactos com o Ministério da Saúde.

A prioridade actual passa, contudo, por dar de comer a quem tem fome, sublinha o responsável do patriarcado de Lisboa, referindo que as paróquias têm sentido muito o aumento da crise e da procura de ajuda. "Temos cada vez mais gente a bater-nos à porta e sabemos que isto não vai acabar," diz Francisco Crespo.

Em articulação com a Cáritas diocesana, pretende-se reforçar o serviço de refeições nos centros sociais e aos idosos que vivem sozinhos, o acesso aos cuidados de higiene e a distribuição de roupas. Outra prioridade é apoiar as pessoas no pagamento dos créditos à habitação e das rendas, para que não percam o direito à sua casa.

"As situações serão estudadas caso a caso. O objectivo é envolver ao máximo as comunidades locais e, quando isso não for possível, encaminhar os pedidos para a Cáritas diocesana que não dará ajuda directamente às pessoas, mas apoiará quem está no terreno", explica Francisco Crespo. Para financiar estas acções, o projecto conta já com mais de dez mil euros - uma verba ainda insuficiente -, mas o grupo coordenador da diocese está já a recolher contributos monetários junto das empresas e da banca. Serão ainda lançadas campanhas de recolha de fundos, nomeadamente através da Rádio Renascença, apelando à generosidade de todos.

O desafio lançado por D. José Policarpo aposta numa maior responsabilização dos padres na missão de ajudar os pobres. Por isso, e em ano de crise, para o encontro que anualmente costuma reunir apenas os responsáveis dos centros sociais foram convocados todos os párocos, mesmo os que não têm a seu cargo instituições de acção social, apurou o DN. Estes deverão ir acompanhados por um leigo da sua paróquia. Actualmente, ainda há paróquias sem centros de apoio social.

O encontro do clero decorrerá na manhã de sexta-feira, no Centro de Espiritualidade do Turcifal, em Torres Vedras, onde haverá também um espaço de partilha de experiências que já estão a correr nas paróquias. O Projecto Igreja Solidária será apresentado pelo departamento da pastoral socio-caritativa aos padres e bispos e entrará imediatamente em vigor, não tendo data para terminar, uma vez que não se antevêem sinais de retoma económica.

Francisco Crespo considera ainda que, na área social, a prioridade tem de passar também pela aposta na formação dos técnicos que trabalham nas instituições, pois a Igreja "não pode ajudar por ajudar, nem apenas abrir os cordões à bolsa". Fazer melhor acção social, acrescenta, passa por fazer um levantamento mais rigoroso das necessidades das pessoas, responsabilizando-as na construção do seu futuro, e dando respostas mais integradas.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Conto de Páscoa

João César das Neves

In Diário de Notícias - 13.04. 2009

Um dia olhei e vi diante de mim uma espessa e ameaçadora floresta. A minha vida era um bosque sombrio e emaranhado, onde vários perigos espreitavam. Atrás estava uma alta parede de rocha, de que não via o topo, e à minha frente a selva. Pior de tudo, sentia que devia sair daquela pequena clareira onde me encontrava, mas não sabia como.

O problema não era a falta de caminho. Pelo contrário, havia várias vias diferentes abertas diante de mim, cada uma seguindo na sua direcção. Eu podia bordejar a parede de rocha, em ambos os sentidos, ou seguir sempre em frente, adensando-me no arvoredo. Mas podia também ir em várias linhas oblíquas à montanha, em mais de dez atalhos diferentes.

Olhando com atenção vi que, embora houvesse alguns ameaçadores, outros caminhos eram bastante convidativos. Muitos deles. Esse era o problema. Eram ensolarados, como a clareira, e se alguns pareciam infestados de feras, outros mos- travam-se empedrados, até com indicações de destinos. Por qual deles seguir?

Nessa altura reparei que não estava sozinho na mata. Aliás estava ali uma multidão que, apesar de ser tão grande e o local tão apertado, surpreendentemente não me oprimia nem acotovelava. Procurei saber a direcção que eles iam escolher, mas percebi logo que ainda estavam mais confusos que eu. Todos menos um idoso, com roupagens estranhas, que olhava para mim intensamente. Dirigi-me a ele e perguntei se me podia ajudar a encontrar o caminho na vida. Ele disse-me que a escolha era minha. Mas, se eu quisesse, podia mostrar-me onde se dirigiam as várias veredas.

Aceitei com interesse e o homem penetrou decididamente na floresta, através de um arbusto que parecia sem passagem. Segui-o e logo depois chegámos a uma outra clareira onde havia um enorme balão de ar quente, com um cesto preso em baixo. Ele ia mostrar-me os caminhos subindo no balão. Entrámos ambos e o homem, largando o lastro e aumentando a chama na base do aeróstato, fê-lo subir.

Poucos minutos depois estávamos acima das copas das árvores, e logo a seguir via-se bem a clareira junto à rocha e o traçado dos vários carreiros que dela saíam. O que vi espantou-me. Todos aqueles caminhos eram sinuosos e embrulhados, criando uma rede impossível de distinguir. Alguns seguiam em linha recta algum tempo, mas eram cruzados por outros ou entroncavam nos demais. Não se via uma direcção clara em nenhum deles. Aliás, as direcções pareciam multiplicar-se à medida que se afastavam da montanha. Olhei assustado para o velho e ele limitou-se a sorrir e a aumentar a chama para subirmos mais.

Quando atingimos uma altura considerável acima da floresta, de repente comecei a notar um padrão. Os vários caminhos que serpenteavam no meio da selva, agora apenas linhas no verde escuro do fundo, pareciam agrupar-se. É difícil explicar, mas o emaranhado de veredas era como que dividido em dois feixes de percursos, que se dirigiam para lados diferentes. Notei que a mistura era intensa, sem que a origem do caminho permitisse prever em qual dos dois lados acabaria. Algumas linhas vinham de um dos extremos para acabarem no feixe contrário. Uma vez feita a separação, no entanto, deixava de haver ligação entre os dois conjuntos, que seguiam claramente cada um no seu sentido.

Tentei perceber onde se dirigia cada uma das direcções, mas ambas se perdiam no nevoeiro. A minha confusão aumentava e ia dirigir a palavra ao meu silencioso companheiro quando vi, mesmo no local onde os dois grupos de veredas se separavam, luzir algo muito intensamente. Perguntei o que era e o velho perguntou se queria ir ver. Aceitei e descemos rapidamente.

Quando nos aproximámos de novo do topo das árvores, encontrei-me numa clareira, onde em cima de um rochedo estava uma placa dourada. Era ela que eu vira luzir. O balão aterrou e corri para a placa, onde estava escrito: "Dois amores fizeram as duas cidades: o amor de si até ao desprezo de Deus - a terrestre; o amor de Deus até ao desprezo de si - a celeste." S. Agostinho A Cidade de Deus, livro XIV, cap. XVIII.