quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A recusa obstinada da penitência pública


1. O Papa João Paulo II fiel à Sagrada Escritura e à Tradição da Igreja realizou há anos uma celebração penitencial pública na qual a Igreja reconhecia os pecados dos seus membros, passados e actuais, implorando perdão ao Deus de todas as Misericórdias, em nome da Verdade e do Amor, de Jesus Cristo, nosso Redentor.

Creio que haveria toda a conveniência em seguir este exemplo pelas Dioceses do mundo inteiro, em particular por aquelas que continuamente acusam, aliás com grandes exageros injustos, o comportamento dos seus antepassados mas que são incapazes de reconhecer os seus gravíssimos pecados actuais. Este cegamento em relação ao presente lembra aquela ensinança de Jesus: “Porque vês a palhinha que está no olho de teu irmão e não vês a tranca que está no teu?”

Esta obstinação em ignorar os crimes e pecados actuais agrava a cegueira de Pastores e demais Fiéis para o estado em que se encontram estorvando-lhes uma conversão verdadeira. Este apagão eclesial mergulha o mundo em trevas profundas, pois a “Luz que vindo ao mundo a todos os homens ilumina” extingue-se nos corações antes ateados que serviam de farol, de lampadários, de archotes iluminando a noite escura, mostrando o Caminho, alegrando as vidas, dando-lhes cor. Na escuridade angustiosa tudo se confunde, tudo é equivalente, nela prosperam os que “odeiam a Luz porque as suas obras são más”, nelas vencem os cantares maviosos das sereias que conduzem ao naufrágio, à perdição.

2. Não há duvidar que, não obstante as múltiplas coisas boas que a Igreja tem feito nestas últimas décadas em Portugal, os seus Pastores e demais Fiéis, geralmente falando, têm perdido em toda a linha os maiores combates pela humanidade do homem, pela sua Salvação integral. Não só foram derrotados como não se prepararam adequadamente para as guerras anunciadas. Não obstante a enorme percentagem de católicos praticantes, décadas atrás, apesar do Santuário de Fátima, da Rádio Renascença, da maior rede de comunicação social regional e local, dos milhares de Paróquias, da quantidade de Religiosos e Sacerdotes a catástrofe foi enorme.

Como encontrar uma explicação para tamanho descalabro? Eu creio que a condescendência com o erro e a falsidade, dentro da Igreja, uma ingenuidade inconcebível, a indiferença e apatia por aquilo que parecia não atingir directamente a Igreja, uma crença supersticiosa num pluralismo sem limites nem fronteiras, conduziram a uma bandalheira total. Isso explicará que as próprias pessoas e meios de que a Igreja dispunha para Evangelizar foram e são em grande parte usados de tal modo que ou confundem os Fiéis ou induzem-nos em, erro. Por outro lado a falta de Clero e de vocações Religiosas, bem como de Catequistas e demais ministérios levaram a uma procura pouco criteriosa, a escolhas sem discernimento, a irresponsabilidades incríveis.

De facto, quando a Igreja é vista e gerida como uma empresa em que o que conta é o preenchimento de lugares, de funções e o número de pessoas, tudo lá cabe, como se fora um albergue espanhol. Então tanto monta que a pessoa acredite ou não na Ressurreição de Jesus, que advogue a reencarnação, que batalhe a favor do aborto, que aconselhe a reprodução artificial, que não lhe repugne nem a clonagem nem a experimentação em embriões, que recomende nos cursos de preparação para o matrimónio a contracepção, que favoreça as práticas homossexuais e o “casamento” dos mesmos com a correspondente adopção, que propugne a bondade da eutanásia e do suicídio assistido. Então o que interessa é manter a paz podre e insalubre, não provocar “divisões” na Igreja, reconhecer e confessar que todos são excelentes católicos, admiti-los à sagrada Comunhão. O único pecado a confessar será então a falta de delicadeza para com alguém. Arrependimento e conversão? Isso que é?! “Cada um sabe de si e Deus sabe de todos”! Pois… Depois é o que se vê.

3. Um sinal eloquente e eficaz para começar a mudar este estado de coisas seria precisamente uma celebração penitencial, um pedido colectivo de perdão, que poderia ser realizado em Fátima por todo o Episcopado com o seu Clero, Religiosos e Fiéis leigos. Ou então em cada Diocese, num mesmo dia a nível nacional.

O dia 11 de Fevereiro, Memória Litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes, dia em que o Referendo sobre o homicídio/aborto deu a maioria ao sim à liberalização total do aborto até às dez semanas, parece ser uma data particularmente eloquente para tal celebração. Cerca de cinquenta mil pessoas nascituras foram violenta e cruelmente trucidadas por um Estado tirano e totalitário em nome de uma “lei” injusta e iníqua que contou com a aprovação de muitos católicos e com a abstenção e indiferença de muitos mais. Não é isto uma razão suficiente? Estamos à espera de quê?!


Nuno Serras Pereira

03. 02. 2010