A primeira é pela interpretação sobre o motivo subjectivo (falta de coragem ou cobardia) do presidente da república. Estou em que ao falar como Presidente da Conferência Episcopal não lhe competia tal apreciação. Deveria isso sim explicar porque é que tal promulgação é injusta e as razões pelas quais um católico não a podia (moralmente) fazer, advertindo para as consequências morais que tal acto tem no próprio e poderá ter no seu destino eterno; acresce que importava que esclarece os católicos, e todos quantos quisessem ouvir, sobre a insustentabilidade da tese do dualismo ético que o presidente invocou (ética da convicção versus ética da responsabilidade) para justificar o seu proceder.
A segunda é a afirmação é a de que a Igreja deve respeitar a decisão e adaptar-se de modo a viver com ela. Daqui parece só se poder concluir que o Arcebispo de Braga e Presidente da Conferência Episcopal convida os fiéis a respeitar e, portanto, acatar uma “lei” gravemente injusta. Ora isto é exactamente o contrário do que a Sagrada Escritura, a Tradição e a Doutrina do Magistério da Igreja sempre ensinaram. Se há coisa que o cristão não pode respeitar e à qual não se pode adaptar é à iniquidade, à impiedade, à injustiça. Pelo contrário deve combatê-las com todas as suas forças, nunca se conformar com elas, recorrer à objecção de consciência e se necessário à desobediência civil, pois “importa mais obedecer a Deus que aos homens”. Faria melhor o Senhor D. Jorge Ortiga, bem como a Conferência Episcopal, em alertar os fiéis para isso mesmo alumiando em particular aqueles que serão mais expostos a circunstâncias de possibilidade de cooperação com o mal.
A terceira, finalmente, é a asseveração, insistente, com que o Episcopado português proclama aos quatro ventos que a Igreja não discrimina ninguém, agora reiterada pelo seu Presidente.
Eu confesso que nunca esperaria a passagem de um atestado de idiotia ou imbecilidade à Igreja por parte de Bispos da mesma. Enquanto a mim, claro que poderei estar enganado, roça a blasfémia. Ai da Igreja se não discriminasse!, pois isso significaria que não era dotada de razão nem iluminada e guiada pelo Espírito Santo! Discriminar significa diferenciar, distinguir, discernir, coisas que Graças a Deus a Igreja faz e continuará a fazer pelos séculos dos séculos. Também pode significar separar, especificar e ainda apartar-se e tudo isto também faz, sempre fez e fará parte da vida da Igreja. A discriminação é irrenunciável. O que a Igreja não pode é discriminar injustamente. Isso sim seria um pecado inadmissível. Não é por acaso que o documento, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, intitulado “Some Considerations Concerning the Response to Legislative Proposals on Non-discrimination of Homosexual Persons”[2] ensina expressamente (II, 11) que “existem âmbitos nos quais não se dá injusta discriminação ao ter em conta a tendência sexual”, dando depois alguns exemplos. Reconhece, assim, que existe uma discriminação mas que ela é justa.
Mais adiante, número 22, adianta que “a Igreja tem a responsabilidade de promover a vida da família e a moralidade pública da inteira sociedade civil baseando-se nos valores morais fundamentais, e não somente a de proteger-se a si mesma da aplicação de leis perniciosas”.
É certo que hoje no linguajar geral se tende a identificar automaticamente discriminação com injustiça, mas essa é a meu ver uma emboscada fatal da qual a Igreja se deve precaver.
Nuno Serras Pereira
21. 05. 2010
[2] CDF, Alcune considerazioni concernenti la Risposta a proposte di legge sulla non discriminazione delle persone omosessuali (Some Considerations Concerning the Response to Legislative Proposals on Non-discrimination of Homosexual Persons), 23 luglio 1992
DeS 11 (1995)
OR 24.7.1992, 4; EV 13, 992-997; LE 5479; Dokumenty, II, 31