Propositadamente, por saber que ele não gostava do que denominava “música de serrote”, tinha muito baixinho o volume do rádio do automóvel, sintonizado na antena 2. No entanto, ao ouvir os inícios de uma das admiráveis cantatas de J. S. Bach, fui aumentando o som, enquanto lhe dizia: repara-me nesta beleza! Que elevação! Que harmonia! Mas, ele, visivelmente incomodado ripostava: bah! Que horror! Apaga-me isso! E eu, mas ouve, presta atenção! Ao que ele, para minha maior surpresa, com esgares de repúdio e ademanes de nojo, tapou os ouvidos, às mãos ambas. E eu vencido, porque compadecido, mudei de estação emissora…
Este meu bom amigo deleita-se e extasia-se com aquilo que eu considero ruídos estridentes, dissonâncias estrídulas, chiadeiras estralaçadas, buzinetas estrupícias, estardalhaços fragoídos, enfim, abominações sonoras que são emitidos nalgumas estações de rádio, por maldade dos demónios ou para castigos dos povos, penso eu.
Música polifónica, barroca, clássica ou erudita são para ele ressonos insuportáveis e retumbos detestáveis. Um oratório de Haendel é para ele um suplício, uma sinfonia de Beethoven um tormento, uma cantata de Bach uma tortura, um Stabat Mater de Haydn uma sevícia, uma Missa de Mozart um inferno.
Este episódio deixou-me absorto. Meditando sobre ele recordei-me de ter aprendido que o Amor, a Beleza e a Bondade de Deus enquanto constituem para os bem-aventurados a felicidade suprema são, pelo contrário, para os condenados motivo de raiva e empedernimento no ódio. Assim se compreende que apesar de Deus amar os réprobos (por isso que são sustentados no ser e não aniquilados), por culpa deles, de nada lhes aproveita, antes, mais os mergulha na infelicidade e na desesperação.
Se as penas do purgatório são bem maiores que as terrenas (na tradição da Igreja isto parece pacífico entre os teólogos. Pelo contrário, se a menor pena do purgatório é maior do que a mais grande pena terrena, tese sustentada por St. Agostinho e S. Tomás d’ Aquino, é uma questão disputada, S. Boaventura, por exemplo, discorda dos Santos atrás mencionados), que dizer das do Inferno? Certamente não há palavras nem conceitos que as possam exprimir adequadamente. Se aquilo que são apenas “imagens” terrenas do Inferno eterno, como são as fomes, as pestes, as guerras, os genocídios, os holocaustos trazem consigo tantos terrores, horrores e pavores, que dizer da realidade do mesmo?
Felizmente, dê-mos graças ao Pai das misericórdias, que temos um Redentor que nos pode e quer salvar, Jesus Cristo total, Ele e a Sua Igreja. Ponto é que cooperemos com a Sua Graça.
Nuno Serras Pereira