In Público
João Miguel Tavares (JMT) dedicou
as duas últimas prosas semanais no “Público” à defesa da co-adopção. Antes do
mais, insiste na ideia de que os opositores dessa lei estariam a sacrificar o
interesse das crianças no altar de princípios abstractos. É estranha esta
insistência porquanto o núcleo dessa oposição consiste precisamente na
afirmação de que essa adopção prejudica mesmo, e gravemente, as crianças
afectadas. É também estranha porque são os promotores dessa lei que a vêem como
um instrumento estratégico (um “pequeno passo”, como já foi dito) para a
normalização plena das uniões homossexuais, coisa que suponho JMT não nega.
Todavia, gostaria de centrar-me na questão da Lei Natural – que é o objecto
específico do último artigo de JMT – cuja caricatura o autor ridiculariza com
certa frivolidade e simplismo, que julgo justificar um comentário. Reconheço ser
impossível evitar a superficialidade e fazer justiça à Lei Natural, bem como a
David Hume (e até a JMT), numa página de jornal. Mas é sempre possível
argumentar com um mínimo de seriedade: o escárnio e a piada fácil e grossa não
substituem argumentos.
JMT invoca a famosa “guilhotina
de Hume”: não é legítimo derivar o “dever-ser” (a moral) do “ser” (a realidade
natural). Como argumento de autoridade não é suficiente. A peculiar filosofia
moral de Hume é respeitável mas discutível, e não está isenta de fragilidades:
o seu conceito de natureza humana não transcende o âmbito dos fenómenos
sensoriais e menospreza o papel da razão (que, a seu ver, é apenas, e só deve ser, a “escrava das paixões”). É verdade que a
moralidade não se pode extrair mecanicamente do conhecimento da natureza. As
inclinações naturais humanas não são leis morais. Mas também não são dados
brutos – como pensava Hume – desprovidos de significado moral: a natureza
humana (que inclui essencialmente a racionalidade), não é opaca e exterior à pessoa;
tem um conteúdo e um sentido inteligíveis. É a base sobre a qual a razão
prática reconhece e deseja o que é razoável, conveniente e bom, regulando essas
inclinações em ordem à plenitude humana. Aliás, repare-se que o próprio JMT
afirma (equivocadamente) que a co-adopção é “um caso elementar de direitos
humanos”. Mas que quer dizer JMT com direitos “humanos”? Não faz ele
referência, de algum modo, à nossa humanidade comum, à natureza humana,
assumindo que essa natureza – por si só – é portadora de valores?
No caso vertente, não é difícil
discernir que o bem da criança e o seu crescimento harmonioso reclamam
maternidade e paternidade, cuja presença proporciona aos filhos a riqueza da
dualidade sexual e da complementaridade pai-mãe: isso parece simplesmente
natural, humano, razoável e bom. Ao contrário, a adopção homossexual não exclui
apenas o referente materno ou paterno (isso acontece também nas “adopções
monoparentais”) mas produz, a priori, a confusão entre os dois, com riscos
óbvios para a edificação equilibrada da personalidade e identidade das
crianças. E isso não parece humano, nem conveniente, nem razoável.
De resto, a animosidade
zombeteira que se abateu sobre Marinho Pinto nos últimos dias, revela que ele
atentou contra a “correcção” política: subverteu a ordem estabelecida e
transgrediu a nova ortodoxia. Ele poderia dizer todas as barbaridades
imagináveis (como já disse algumas). Mas desta vez ousou desafiar a ideologia
gay dominante e os poderes deste mundo – de Obama e Hollande à Senhora Ministra
da Justiça, do Washington Post aos editoriais do “Público”, da Google
a Hollywood. Ele não teve o devido respeitinho. Como não têm os
“indignados” da “Primavera francesa”, esses rebeldes e inconformistas de Maio
de 13 que protestam pacificamente contra a lei do casamento homossexual em
França, enfrentando as bastonadas que a polícia lhes dedica – com a aprovação
do establishment mediático – em nome “da lei e da ordem” e dos
bons costumes. O respeitinho é muito bonito…