sábado, 30 de novembro de 2013

Homem e Mulher os Criou - por Pedro Vaz Patto



            Foi recentemente publicada uma carta pastoral da Conferência Episcopal portuguesa sobre a visão cristã da sexualidade, a propósito da difusão da chamada “ideologia do género”.       
            É oportuna esta nota. Na verdade, a difusão (por vezes, verdadeira imposição) da “ideologia do género” não é um fantasma, e muita gente não chega a aperceber-se das suas implicações, que Bento XVI chegou a qualificar como “revolução antropológica” (isto é, modificação profunda do modo como as culturas, influenciadas pelo cristianismo ou outras religiões, têm encarado a pessoa humana e a família). Essas implicações vão desde a esfera legislativa (leis sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, adoção por uniões homossexuais, mudança de sexo, etc) até à linguagem corrente (de forma planeada e não inocente, passou a falar-se em “género” em vez de “sexo”, ou “homem e mulher”). Uma notícia recente dava conta da presença em escolas portuguesas de ações destinadas a incutir junto de crianças e jovens a ideia da aprovação da prática homossexual (o que vai para além do respeito sempre devido a qualquer pessoa).
            Mas o que é, então, a “ideologia do género”?
            Para esta corrente de pensamento, a diferença entre o masculino e o feminino não radica na natureza, mas resulta de uma construção social (por isso se fala em “género” e não “sexo”). Porque assim é, pode o “género” não corresponder ao “sexo”, porque qualquer construção social pode ser “desconstruída”. E também não existe um desígnio natural na união entre homem e mulher, esta é apenas uma entre várias formas de família (por isso, passa a falar-se em “famílias”, e não em “família”).
            Esta visão contrasta frontalmente com a visão bíblica e cristã, de que são reflexo as palavras do Génesis: «Ele os criou homem e mulher» (1, 27); «Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa» (1, 31). Como afirmou a propósito Bento XVI no seu discurso à Cúria Romana de 21 de dezembro de 2012; segundo a “ideologia do género”, o homem «nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe é dada como um facto pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria»; «contesta a sua própria natureza; agora, é só espírito e vontade»; «a manipulação da natureza, que hoje deploramos em relação ao meio ambiente, torna-se aqui a escolha básica do homem a respeito de si mesmo». Segundo a visão desta ideologia, são negados o significado do corpo e da realidade objetiva, tal como a verdade como algo que não é por nós construído, mas nos é “dado” e por nós descoberto e acolhido.
            Mas a perspetiva em que se coloca a nota da Conferência Episcopal não é a da simples crítica. É também a da apresentação, pela positiva, da beleza da visão cristã da sexualidade, a qual não se confunde com a da “família tradicional” e até está, em grande medida, por descobrir.
            Essa visão reconhece e valoriza a dualidade sexual como expressão do desígnio do amor de Deus criador. Nenhuma das dimensões masculina e feminina exprime o humano em toda a sua riqueza e plenitude e este resulta apenas da colaboração e comunhão entre os dois sexos (a partir da família, mas também em todas as dimensões da vida social). Cada um dos sexos, e cada pessoa sexuada, reconhece., assim, humildemente, os seus limites e a importância do “outro” e do “diferente”. É a partir desta unidade na diferença mais básica e fundamental que se exprime a estrutural relacionalidade da pessoa. À imagem de um Deus uno e trino, a pessoa humana, homem e mulher, realiza-se plenamente na relação e na comunhão, no “ser para o outro”.
            Mais do que a qualquer polémica, é ao testemunho vivencial desta visão do amor e da sexualidade humana que são chamados os cristãos e as famílias cristãs.