Foi recentemente publicada uma carta
pastoral da Conferência Episcopal portuguesa sobre a visão cristã da
sexualidade, a propósito da difusão da chamada “ideologia do género”.
É oportuna esta nota. Na verdade, a
difusão (por vezes, verdadeira imposição) da “ideologia do género” não é um
fantasma, e muita gente não chega a aperceber-se das suas implicações, que
Bento XVI chegou a qualificar como “revolução antropológica” (isto é,
modificação profunda do modo como as culturas, influenciadas pelo cristianismo
ou outras religiões, têm encarado a pessoa humana e a família). Essas
implicações vão desde a esfera legislativa (leis sobre o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, adoção por uniões homossexuais, mudança de sexo, etc) até à linguagem corrente (de forma
planeada e não inocente, passou a falar-se em “género” em vez de “sexo”, ou
“homem e mulher”). Uma notícia recente dava conta da presença em escolas portuguesas
de ações destinadas a incutir junto de crianças e jovens a ideia da aprovação
da prática homossexual (o que vai para além do respeito sempre devido a
qualquer pessoa).
Mas o que é, então, a “ideologia do
género”?
Para esta corrente de pensamento, a
diferença entre o masculino e o feminino não radica na natureza, mas resulta de
uma construção social (por isso se fala em “género” e não “sexo”). Porque assim
é, pode o “género” não corresponder ao “sexo”, porque qualquer construção
social pode ser “desconstruída”. E também não existe um desígnio natural na
união entre homem e mulher, esta é apenas uma entre várias formas de família
(por isso, passa a falar-se em “famílias”, e não em “família”).
Esta visão contrasta frontalmente
com a visão bíblica e cristã, de que são reflexo as palavras do Génesis: «Ele os criou homem e mulher»
(1, 27); «Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa» (1, 31). Como
afirmou a propósito Bento XVI no seu discurso à Cúria Romana de 21 de dezembro
de 2012; segundo a “ideologia do género”, o homem «nega a sua própria natureza,
decidindo que esta não lhe é dada como um facto pré-constituído, mas é ele
próprio quem a cria»; «contesta a sua própria natureza; agora, é só espírito e
vontade»; «a manipulação da natureza, que hoje deploramos em relação ao meio
ambiente, torna-se aqui a escolha básica do homem a respeito de si mesmo».
Segundo a visão desta ideologia, são negados o significado do corpo e da
realidade objetiva, tal como a verdade como algo que não é por nós construído,
mas nos é “dado” e por nós descoberto e acolhido.
Mas a perspetiva em que se coloca a
nota da Conferência Episcopal não é a da simples crítica. É também a da
apresentação, pela positiva, da beleza da visão cristã da sexualidade, a qual
não se confunde com a da “família tradicional” e até está, em grande medida,
por descobrir.
Essa visão reconhece e valoriza a
dualidade sexual como expressão do desígnio do amor de Deus criador. Nenhuma
das dimensões masculina e feminina exprime o humano em toda a sua riqueza e plenitude
e este resulta apenas da colaboração e comunhão entre os dois sexos (a partir
da família, mas também em todas as dimensões da vida social). Cada um dos
sexos, e cada pessoa sexuada, reconhece., assim, humildemente, os seus limites
e a importância do “outro” e do “diferente”. É a partir desta unidade na diferença
mais básica e fundamental que se exprime a estrutural relacionalidade da
pessoa. À imagem de um Deus uno e trino, a pessoa humana, homem e mulher,
realiza-se plenamente na relação e na comunhão, no “ser para o outro”.
Mais do que a qualquer polémica, é
ao testemunho vivencial desta visão do amor e da sexualidade humana que são
chamados os cristãos e as famílias cristãs.