Andaria pelos dezanove vinte anos de idade quando um dia como era costume foi com os seus amigos beber para uma cervejaria que ficava na avenida de Roma, quando esta, descendo do largo dos EUA, pegava com o de Santo António (esse franciscano tão amigo e solícito do bem de todos) que dividia a avenida da Igreja, no bairro de Alvalade. Era tido por muitos como um gajo porreiro que pagava as fartas rodadas de canecas e “girafas” com os respectivos acompanhamentos.
O lapim, canalha como era, roubava muitas notas graúdas dos haveres que seus pais tinham numa gaveta fechada à chave no quarto onde dormiam. A sua astúcia olharapa conseguiu forjar uma cópia da mesma, de modo a furtivamente gamar o dinheiro quando mais lhe convinha.
Como nas outras noitadas, procurou com contumácia e obstinação embebedar-se não só a si como a todos os que o acompanhavam. Chegada a hora do encerramento saíram porta fora com o pulha a pontificar em gesticulações e brados exibicionistas numa euforia toda alcoólica. Estando na praça de Santo António dizendo baboseiras e fazendo “partes gagas”, como sentisse precisão de despejar o que tinha bebido, lampejou sinistramente os olhos, esboçou um sorriso sarcástico e vai de trepar pela estátua do Santo até onde lhe foi possível. E dali, descompondo-se, verteu as águas com risos imbecis. Os seus amigos, atónitos, não conseguiram disfarçar uma súbita expressão de desconforto, de desilusão, de quem percebia o excesso indecente. Importa saber que o bandalho tinha tido em casa uma excelente educação católica quer da parte dos pais quer dos avós paternos e maternos. Acresce que o desbriado tinha frequentado, durante dez anos, o colégio S. João de Brito, dos Padres Jesuítas. Nenhum dos amigos tinha de perto ou de longe a mesma formação e educação nas coisas de Deus e da Sua Igreja. Alguns bordejavam mesmo no ateísmo e no agnosticismo.
Não sabia o salafrário que o Santo com quem se metia não se deixaria ficar. Ele que durante a sua vida apostólica bravejou sem medo contra prelados indignos, bramiu contra poderosos cruéis e infames, não poderia deixar de se vingar de tamanha afronta, ainda para mais pública. E assim o fez!
Sabereis que aquele pilantra uns anos depois, arrependido do seu passado doidivanas, entrou para a Ordem do mesmo Santo, a franciscana, cursou filosofia, fez o noviciado e os votos, estudou a teologia, professou solenemente, foi ordenado diácono e depois sacerdote. É hoje padre franciscano e é quem escreve este artigo.
Está bem de ver o patife miserável que sou. Que seria de mim sem a Igreja? Sem esta Igreja que está em Portugal eu não poderia nem quereria viver. A ela devo tudo quanto sou, enquanto resgatado e redimido. Sem ela afogar-me-ia no mais espesso lodo do vício e do pecado. Não posso, que disso ninguém duvide, ter a maior admiração e gratidão para com o Episcopado, os Sacerdotes, os Consagrados e os Leigos a quem tudo devo e sem os quais nada seria. Sei bem que sou o último e o mais indigno de todos e também, entre todos, o mais inútil. Mas também sei que são essa mesma gratidão e amor que me têm levado a tomar as posições públicas conhecidas. Para que não haja dúvidas.
Nuno Serras Pereira