(Há textos que para se perceber o seu sentido têm de ser lidos na sua totalidade. Creio que este será porventura um deles.)
1. Sabereis que quando o Papa João Paulo II, esse Santo, convocou à nova Evangelização foi mal compreendido por muitos. Rosnavam estes que o Evangelho era eterno e que falar de um novo Evangelho era uma heresia. E, nisto, tinham claro toda a razão. A verdade, porém, é que o Santo Padre nunca falou de um novo Evangelho, antes sublinhou que o Evangelho de sempre deve continuamente encontrar quem o anuncie com um novo ardor, com novos métodos, enfim, com aqueles instrumentos acidentais, que não essenciais, que as circunstâncias deste tempo aconselham. A novidade, aliás, não exclui necessariamente o antigo, por vezes até o recupera, embora inserindo-o num novo contexto. A arte, por exemplo, quer nas suas expressões mais sublimes, quer quando exprime a simplicidade de um povo que genuinamente vive a sua Fé e a tem inculturada no dia-a-dia, como que ultrapassa as fronteiras da temporalidade. A sua verdade perdura e continua a comunicar-se-nos nos dias de hoje. Por isso, não obstante, se dever estar sempre aberto à criatividade, que, se autêntica, é dom gratuito do Criador, e às novas expressões da Beleza eterna, que é Deus, não só se pode como é aconselhável repropor o antigo. Aliás, este é fonte perene de novidade, uma vez que não há futuro sem memória.
2. Vai para uns 30 anos que o Rafael Salinas Calado, Deus lhe fale na alma, que conheci num “cursilho de cristandade”, muito meu amigo, com quem tinha grandes conversas pelas ruas e cervejarias do bairro de Alvalade, me levou a ver o museu dos azulejos, de que era director. Com um grande entusiasmo, que eu na altura não compreendi[1], me falou do azulejo, da sua beleza, do seu valor, da sua preciosidade e até da sua portugalidade; outrossim desabafou com muita tristeza sobre as dificuldades, a incompreensão, a destruição de grande parte deste vasto património abandonado, roubado, escaqueirado.
É verdade que da parte de meus pais sempre recebi incentivos a apreciar a beleza de tantos azulejos em Igrejas e santuários. São daquelas coisas que ficam mas depois se vão desvanecendo com o tempo até que a pessoa descobre por si própria, com uma nitidez de gigapixéis[2], o que tantas vezes tinha olhado sem ver realmente. Antes tinha-me entusiasmado, e com muita razão, pelos frescos e pinturas que vi por grande parte da Itália, na minha vida de frade. Era o deslumbramento não só com a beleza genial e inspirada, mas com a lindeza do diferente, do nunca visto.
Depois, já ordenado Sacerdote, fui descobrindo, em Portugal, uma multidão de Capelas e Igrejas nos Baptizados e Casamentos que celebrava (o casamento é a união indissolúvel, exclusiva e aberta à vida, entre um homem e mulher) muitas delas azulejadas que eram de uma formosura indescritível. Muitos desses painéis que admirei são verdadeiros catecumenatos visuais. São Evangelho que nos entra pelos olhos dentro e penetra até ao âmago da unidade entre o corpo e a alma.
3. Com estas novidades, nem todas elas são boas senão que algumas são péssimas, de querer desenraizar a Europa do cristianismo e da sua cultura que se tem manifestado, entre muitas outras coisas na abolição do Crucificado e de outros símbolos religiosos do espaço público fui deparando com uma diminuição drástica dos registos nas casas portuguesas. Chamo registos àqueles painéis de azulejos figurando Jesus Cristo, Nossa Senhora, os Santos e outras figuras religiosas que era costume colocar no exterior de cada habitação. Uns deslumbravam pelo seu esplendor, outros comoviam pela sua ingenuidade, aqueles pareciam-nos pirosos no seu gosto, mas gritavam a Fé.
Estes registos, benzidos, eram por um lado uma protecção do Céu (por exemplo, em Lisboa encontram-se muitos de S. Marçal, Bispo, para proteger dos incêndios) por outro, uma ocasião de oração para quem passava que a ver a imagem sagrada elevava o pensamento a Deus, pedindo a intercessão da Virgem Maria, ou do santo representado. A câmara de Cascais em grandes painéis representa S. Pedro e S. Paulo, os quatros Evangelistas, Santo António, S. João de Brito, S. Marçal, S. Sebastião e S. Jerónimo. Não sei se a intenção era implorar a protecção da cidade. Mas sei que vale a pena ir a Cascais só para ver esse edifício e para se recolher em oração diante dessas imagens que nos remetem para a Santidade de Deus presente naqueles que ali são representados e que agora gozam da bem-aventurança eterna. Contemplando-os nessas “fotografias” azulejadas, queremos saber quem foram, o que fizeram, o que pregaram, escreveram e ensinaram. E tudo isso nos atira para os Evangelhos, para Jesus Cristo, o único Salvador e Redentor, quer das pessoas, quer dos povos e das nações.
Este deserto do Sobrenatural em que as nossas cidades se estão a tornar pode e deve ser contrariado.
Não quero de modo nenhum fomentar uma cruzada. Mas quero com todas as veras suscitar uma azulejada!, de motivos religiosos, como é claro. A nova Evangelização, à portuguesa, isto é, devidamente inculturada, passa pela azulejada. Querem expulsar Deus do espaço público? Enchamos as nossas moradias e prédios de registos de azulejos, maiores ou menores, consoante a circunstância e as possibilidades. Tornaremos as nossas cidades mais belas e mais cristãs.
Importa agora uma pausa neste assunto para a ele voltar mais adiante.
4. Foi-me concedida a Graça de poder percorrer durante vários anos muitas Igrejas e Santuários em Itália. Vamos ao exemplo de Assis (Mas podiam ser os museus do Vaticano). Nesta cidade onde S. Francisco nasceu e viveu não se pode usar flash nem tripé para tirar fotografias nas Igrejas magnificamente pintadas ou esculpidas (embora muitos não respeitem a proibição). Mas qualquer turista ou peregrino que o queira, encontra, adjacentes aos lugares de culto, lojas com reproduções, notáveis pela sua qualidade e pela sua dimensão, que pode comprar e levar para sua casa, para a Paróquia ou para oferecer aos familiares e amigos.
Pelo contrário, aqui em Portugal é um desastre. Vamos nós, por exemplo, ao museu dos azulejos (neste pelo que me informaram não existe um arquivo fotográfico nacional dos azulejos de Portugal!), ao palácio de Queluz, a o convento de Mafra. Contemplamos encantados as maravilhas que ali estão. Queremos levar uma recordação. Os livros que existem não têm a maioria dos quadros ou imagens esculpidas que queremos; as poucas que têm são minúsculas ou de reprodução fraca. Postais, são raros e manhosos. Posters, não há. O que abundam são funcionários zelosos que quando fotografamos, mesmo sem tripé nem flash, parece que contam as fotografias para nos advertir que precisamos de uma autorização superior. Enfim, um desassossego. Claro que nestas condições só mesmo com uma câmara de topo se consegue alguma coisa de jeito, com resolução suficiente para poder reproduzir e oferecer.
Esta gente da cultura ou do estado é como os cães que não comem nem deixam comer (quando antigamente o cão se deitava na manjedoura cheia de palha, não a comia por não ser alimento próprio de caninos, mas também, rosnando e ladrando, que o jumento ou a vaca se nutrissem).
5. Recordo-me de na minha meninice e adolescência acompanhar os meus irmãos mais velhos, em especial o Gonçalo, na descoberta da fotografia. Foi em Abrantes que pela primeira vez assisti extasiado à revelação de fotografias na loja a que habitualmente recorríamos para comprar material fotográfico e revelar os rolos.
Mais tarde, em Lisboa, entusiasmei-me pela arte, embora, nem por sombras, como a de um amigo que é hoje um conceituado fotógrafo. Passei então algumas férias fotografando, experimentando ângulos, aberturas, velocidades e revelando, a preto e branco – uma vez ia ficando debaixo de um comboio rápido na Parede…
6. Depois a vida tornou-se vertiginosa e sucederam tantas coisas, algumas das quais já tenho partilhado convosco, que não obstante conservar o gosto pela fotografia não a praticava. Porém de há una anos a esta parte tenho vindo a fotografar esporadicamente quer confrades, quer familiares, quer motivos religiosos. Há alguns meses, no entanto, caiu-me do Céu, desígnios da Providência Divina, uma câmara boa, de alta resolução. Entendi, pois, que tina obrigação de a aproveitar na azulejada e missões similares. De modo que, antes que desapareçam, disparando sobre os registos que encontro, nos lugares por onde passo. Muitas vezes as condições não são as ideais mas a fotografia cá fica para memória futura. Recordando-me de algumas, ainda poucas, Igrejas e museus conhecidos em Lisboa ou à sua beira, “passo-os a pente fino”. De modo que o meu computador está atafulhado de imagens sagradas, de azulejadas. Entretanto verifiquei duas coisas. Apesar de a máquina ser boa, não é suficiente para grandes painéis que se queiram reproduzir nem tem a definição bastante para fotografar com nitidez quadros ou imagens em locais de ténue iluminação, como Igrejas e museus, sem flash – ficam com imenso ruído. Em Cascais, por exemplo, no parque Marechal Carmona, há dois larguíssimos e lindíssimos painéis de azulejos antigos, ambos referentes à Imaculada Conceição da Virgem Maria. No primeiro, vê-se o Beato Duns Escoto, franciscano, defendendo essa Verdade de Fé numa assembleia de grandes teólogos contraditando a mesma. A um canto painel está S. Francisco de Assis, ajoelhado, rezando a uma Imagem de Nossa Senhora. O outro ilustra “o triunfo da Imaculada”. Vai a Virgem, Senhora Nossa, num coche, com São Boaventura e S. Ivo, guiado por Duns Escoto, acompanhada de Anjos e precedida por muitos outros Santos e sábios franciscanos – Alexandre de Halles, as Santas Isabel de Hungria e de Portugal, S. Luís, rei de França, etc., etc. Estes preciosos painéis terão cada um entre 8 a 10 metros, suponho eu. Com a máquina de que vos falei alcancei tirar fotografias que imprimidas com o tamanho de dois a três metros os conseguem reproduzir com definição. Com uma câmara melhor, que tenho em vista, assim Deus o queira, seria possível reproduzi-los no tamanho original.
Provavelmente muitos dos leitores não saberão mas nos dias de hoje pode-se imprimir fotografia em praticamente todo o material – vinil, pedra, azulejo, etc. O que significa que se alguém quiser colocar numa sua propriedade painéis idênticos àqueles só tem de pagar uns azulejos em branco, muito baratuchos, e a impressão. O que lhe sairá “infinitamente” mais barato do que pedir às cerâmicas (por exemplo, viúva Lamego ou Isabel Garcia) que produzam uma cópia pintada à mão.
6. Se, quem me lê, experimentar ir, por exemplo, à Igreja de Palmela vê-se, do chão até ao tecto rodeado de azul (do Céu!) de Nosso Senhor, dos Santos e das virtudes. Repara particularmente num pormenor que gostaria de ver estampado em azulejo, no interior ou no exterior de sua casa, pede-me a fotografia, envio-lha por correio electrónico, e só tem de mandar imprimir. É fácil, é barato (o azulejo e a impressão, nada mais) e dá devoção.
Claro que pode acontecer que tenha conhecimento de um painel o qual esteja de tal modo degradado que não fique bem tal e qual. Aí será de toda a conveniência tratar com uma cerâmica, mostrar-lhes a fotografia, se é que a não têm na sua base de dados e pedir uma “cópia restaurada”.
7. No que puder servir estou ao dispor, porque isto é também um bom meio de Evangelização. Isto foi percebido pelo governo da nossa Província portuguesa franciscana que para comemorar os 800 anos da fundação da Ordem pediu ao arquitecto João Sousa Araújo um grande e outro enorme painel de azulejos, magníficos, para o Convento da Imaculada Conceição da Luz.
“Recebestes de graça, dai de graça”.
Nuno Serras Pereira
16. 07. 2010
[1] Não que eu fosse insensível à questão. Uns 7 ou 8 anos antes, frequentando o antigo 7 ano no colégio Manuel Bernardes, indignava-me o estado a que tinha deixado chegar muitos a “quinta dos azulejos” onde espairecíamos, no intervalo das aulas. Recordo-me de falar com o então director, o Sr. Louro, sobre a gravidade do assunto.
[2] É verdade, já há máquinas fotográficas cuja resolução não se mede em megapixéis, mas sim em giga! Tanto quanto sei, não se encontram no mercado português.