por Pedro Vaz Patto
In Público – 05. 02. 2011
Tem sido noticiada a proposta dos partidos de esquerda para que na redacção do artigo 13º da Constituição da República, onde se consagra o princípio da igualdade e não discriminação e se faz referência ao sexo como um dos motivos de discriminação arbitrária, essa palavra seja substituída por género. Tornou-se corrente, na verdade, a expressão igualdade de género para designar algo que anteriormente era designado como igualdade entre sexos ou igualdade entre homem e mulher. Não se trata, no entanto, de uma simples e anódina actualização linguística. É bom alertar para o alcance ideológico da modificação: exigem-no a honestidade e transparência próprias de uma democracia autêntica. Uma questão fracturante está longe de merecer o consenso alargado próprio de um texto constitucional.
Estamos perante uma agenda de afirmação ideológica. Está em causa a afirmação da chamada ideologia do género (gender theory) e a sua tradução no plano legislativo. Parte esta teoria da distinção entre sexo e género. O sexo representa a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher. O género representa uma construção histórico-cultural. Há apenas dois sexos: o masculino e o feminino. Há cinco géneros (ou até mais, de acordo com outras versões): o heterossexual masculino e feminino, o homossexual masculino e feminino e o bissexual. O sexo é um fato empírico, real e objectivo que se nos impõe desde o nascimento. A identidade de género constrói-se através de escolhas psicológicas individuais, expectativas sociais e hábitos culturais, e independentemente dos dados naturais. Para estas teorias, o género assim concebido deve sobrepor-se ao sexo assim concebido. E como o género é uma construção social, este pode ser desconstruído e reconstruído. As gender theories sustentam a irrelevância da diferença sexual na construção da identidade de género, e, por consequência, também a irrelevância dessa diferença na relações interpessoais, nas uniões conjugais e na constituição da família. Daqui surge a equiparação entre uniões heterossexuais e uniões homossexuais. Ao modelo da família heterossexual sucedem-se vários tipos de “família”, tantos quantas as preferências individuais e para além de qualquer “modelo” de referência.
É um novo paradigma antropológico, uma verdadeira “revolução cultural” que representa a ruptura com a matriz judaico-cristã da nossa cultura («Homem e mulher os criou - afirma o Génesis), mas também com um dado intuitivo da razão universal (A espécie humana não se divide entre heterossexual e homossexual, mas entre homens e mulheres – afirmou a propósito o político socialista francês Lionel Jospin).
Pretende-se impor esta ruptura desde cima, desde as instâncias do poder. Ela não surge espontaneamente da sociedade civil e da mentalidade corrente. Pretende-se transformar através da política e do direito essa mentalidade. E o que está em causa não é um aspecto secundário, mas referências culturais fundamentais relativas à relevância da dualidade sexual. Admitir que a Lei sirva propósitos destes, numa pretensa engenharia social, revela tendências mais próprias de um Estado totalitário do que de um Estado respeitador da autonomia da sociedade civil.