1. Não sofre dúvida que a maior acusação que se pode fazer a um discípulo de Cristo é a de que não tem Caridade. Uma vez que Deus é Amor e que Jesus Cristo é o mesmo Incarnado, que nos amou até ao extremo, e nos deixou como novo e definitivo Mandamento o de amarmos como Ele nos amou não pode haver maior ingratidão nem maior dissemelhança com o Criador e Redentor do que arredar-se da caridade, isto é, do amor. Por isso S. Paulo nos adverte que sem amor verdadeiro, sem caridade, nada somos e nada nos aproveita.
São tão numerosas as vezes que, por causa dos meus textos, tenho sido arguido, por amigos e desconhecidos, de falta de caridade, que já lhe perdi a conta. Não competirá pois a um monstro medonho como eu colocar em dúvida a infabilidade destes cristãos amorosos que têm a bondade de assim me distinguir. No entanto, não deixo de atentar, com alguma surpresa, que nunca deles ouvi a mesma invectiva em relação a outras pessoas, cristãs ou não, a propósito dos temas que costumo abordar.
Nunca, mas mesmo nunca, escutei essa acusação dirigida aos grandes responsáveis pela legalização (1984) e depois pela liberalização (2007) do aborto. Nem Zita Seabra, nem Álvaro Cunhal, nem Mário Soares, nem Odete Santos, nem Manuel Alegre, nem António Guterres, nem Ramalho Eanes, Jorge Sampaio, nem Francisco Louçã, nem Fernando Rosas, nem José Sócrates, nem Pedro Silva Pereira, nem Maria Barroso, nem Maria de Belém, nem José Saramago, nem Miguel Oliveira e Silva, nem Luís Graça, nem António Correis de Campos, nem Ferreira do Amaral (o economista), nem Helena Matos, nem José Manuel Fernandes, nem Frei Bento Domingues, nem P. Anselmo Borges, nem Aníbal Cavaco Silva, nem Paulo Portas, nem Marcelo Rebelo de Sousa, nem Fernando Nobre, nem Eurico Reis, nem Maria José Nogueira Pinto (que autorizou o abortamento, quando dirigia a Maternidade Alfredo da Costa, de crianças nascente anencéfalas), nem os membros a APF, nem o pessoal da “clínica” dos Arcos, etc., etc., etc.
Temos pois que escangalhar e retalhar crianças decapitando-as, decepando-as, envenenando-as, queimando-as, triturando-as, com a cumplicidade activa do estado que nos rouba nos impostos para tal, não é falta de caridade. Mas dizê-lo chamando as coisas pelos nomes, evitando eufemismos, isso sim é uma grave falta de amor; e se porventura se mostra por desenho, pintura ou fotografia o que sucedeu às vítimas então é puro terrorismo. O problema não é o matar mas sim o mostrar.
Que o homicida e o serial killer (por si ou por interpostas pessoas), se apresentem como pessoas de bem, enganando e manipulando as mentes dos desprevenidos e incautos servindo-se, para isso, de meios ingentes pagos com o dinheiro dos nossos impostos, não é falta de caridade. Desmascará-los porém é uma grandíssima injúria toda alheia ao amor fraterno e cristão.
Estar num hospital, num centro de saúde, ou numa clínica entretidos a aniquilar pessoas indefesas e totalmente inocentes, não é falta de caridade. Irromper por ali a dentro tentando impedir, mesmo que por meios pacíficos, ou dissuadir as mães grávidas ou o pessoal matador de levarem o seu intento adiante é motivo suficiente para chamar a polícia, ser levado a uma esquadra e apresentado a um juiz.
Se não se prestar o auxílio e socorro devido a uma pessoa nascida, em perigo, é crime; assistir a uma pessoa nascente também o é! Por outras palavras, ajudar uma pessoa nascida, em perigo, é um acto de caridade; fazer o mesmo em relação a uma nascente é uma barbaridade.
2. Assinei uma petição, para ser apresentada, à assembleia da república, por ocasião do quarto aniversário do referendo, inválido (jurídica e politicamente), sobre o aborto que serviu de pretexto para a sua liberalização factual, até às dez semanas de idade da criança, intitulada com o conhecidíssimo verso de Sophia: Vemos, ouvimos e lemos; não podemos ignorar. E se assinei é porque concordo. Não posso, no entanto, deixar de confessar que uns tempos depois, pensando naquele título, considerei como aquilo era falso para a maioria das pessoas.
De facto, raramente o assunto é abordado quer na rádio quer na imprensa – e quando o é, é-o enviesadamente e submergido numa torrente tamanha de notícias que se “afoga” desaparecendo num turbilhão -, para que se possa dizer que verdadeiramente ouvimos e lemos.
Se não ouvem nem lêem, muito menos vêem, porque não só a comunicação social mas, geralmente falando, os mesmos movimentos pró vida, em Portugal, censuram as imagens que mostram a realidade.
Ora acontece que apesar de ser o mostrengo que todos reconhecem e apontam, uma vez que sou Sacerdote não posso deixar de advertir quem me lê que é uma gravíssima falta de Caridade esconder, ocultar, disfarçar, distorcer a verdade; é uma gravíssima falta de amor estar implicado ou cooperar na matança de inocentes e também ser indiferente ao destino destes nossos irmãos mais pequeninos e vulneráveis que só nos têm a nós para os defender. Deixemo-nos de “coar mosquitos e engolir camelos”. E imploremos, neste 11 do 2, a intercessão de Nossa Senhora de Lurdes para que nos alcance de Seu Filho e nosso Salvador a verdadeira caridade e nos dê o desassombro da verdade.
Se em Portugal, quotidianamente se matassem, propositadamente, 53 pessoas já nascidas, que sururu e alvoroço aí não haveria!?
Nuno Serras Pereira
09. 02. 2011