por João César das Neves
In DN - 16. 05. 2011
Já tudo se disse sobre o memorando de entendimento entre Portugal e as organizações internacionais. Temos aí um plano, exigente mas equilibrado, para regressar à solidez financeira e crescimento económico. Basta que o próximo governo o assuma como prioridade e vença os grupos de pressão, aqueles que nos trouxeram a esta situação e ainda estão vivos e activos para se protegerem dos cortes.
O mais espantoso neste processo é que, na miríade de comentários, mal se tenha falado do pior problema estrutural do país que, apesar de compreensivelmente alheio ao memorando, está por baixo de boa parte das dificuldades actuais: a decadência demográfica. Portugal tem a taxa de fertilidade mais baixa da Europa ocidental, quase metade do nível de reposição das gerações. Somos um país em via de extinção.
A crise torna essa queda mais patente com o refluxo da imigração, que mascarou a situação, agravado pela retoma da emigração. A ausência de crianças e jovens, que afecta o sistema educativo há anos, sente-se já em múltiplas outras áreas. Falta de produtividade, envelhecimento da população, problemas de segurança social, saúde, assistência, etc., são crescentes. Até a solução da dívida, poupar mais e trabalhar melhor, fica difícil num país com percentagem crescente de idosos. Temos a atenção centrada na solução das futuras condições socioeconómicas, sem haver sequer a certeza de existir um futuro.
Nos últimos anos, o Governo teve uma posição clara e empenhada neste assunto, com decisões fortes e incisivas. Facilitou o divórcio, subsidiou o aborto, promoveu o casamento homossexual, criando assim a mais maciça campanha de ataque e desmantelamento da família da nossa história. Dados os resultados, pode dizer-se que, pelo menos aqui, a política governamental foi um grande sucesso e o Executivo pode orgulhar-se. Deu mesmo cabo do País!
Até no meio da crise financeira, esta campanha ideológica continua imparável. Um exemplo um pouco tonto mostra-o bem. Nas últimas semanas, as ruas foram invadidas por um cartaz, assinado pela Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida e pelo Ministério da Saúde, com uma única mensagem: "Uso preservativo sempre."
Será que os nossos responsáveis querem mesmo aquilo que dizem? Devem os cidadãos usar sempre o preservativo? Mesmo sempre? É isso que a senhora ministra, secretários de Estado, todos os médicos e funcionários fazem na sua vida pessoal e recomendam vivamente aos portugueses?
Imaginem o Ministério das Obras Públicas fazer uma campanha a dizer: "Use capacete sempre." De facto nunca sabemos quando uma coisa nos vai cair na cabeça. Mesmo assim tal propaganda seria paranóica e ridícula. Mas um cartaz desses à entrada das obras ou dirigido a motociclistas faria todo o sentido. Do mesmo modo o Ministério da Saúde tem justificação em recomendar o preservativo nas relações sexuais perigosas e inseguras. Mas não é isso que faz. Ele impõe o preservativo sempre.
Qual a razão por que o Executivo assume que o deboche e a promiscuidade são a condição normal, a ponto de divulgar esta mensagem por todo o País? Não se trata de posição médica ou científica, mas de atitude ideológica. O prazer venéreo é, na doutrina que inspira os nossos governantes, o valor supremo e intocável. Por isso se facilita o divórcio, se torna o aborto barato e acessível, se dignifica a perversão. O País anda aflito mas não poupa nos preservativos.
Até os médicos, que não têm problemas em nos dar ordens em todos os aspectos da vida, hesitam neste tema. Cortam-nos o tabaco, fritos, açúcar e sal, impõem exercício, regulam o sono, determinam os mais pequenos detalhes do comportamento, mas calam-se quando está em causa a líbido triunfante. Aí, o máximo que se atrevem é recomendar preservativo, sem sequer falar sobre a inconveniência de práticas sórdidas, perversas ou desviantes, mas que são sagrada liberdade.
Isto é um pormenor ínfimo, mas muito revelador. As futuras gerações terão muita dificuldade em entender esta tolice. Se chegar a haver gerações futuras, claro