Um dos problemas mais interessantes e influentes do nosso tempo é saber se a redução do custo degrada o valor. Graças à tecnologia cada vez temos mais coisas e mais baratas, mas isso não significa que vivamos melhor. Pode ser que, aumentando as disponibilidades, desça a satisfação. Esta é a questão mais decisiva do progresso: será que avanço significa melhoria?
A primeira coisa a reduzir o custo, logo nos inícios da industrialização, foi naturalmente a mais indispensável: a alimentação. Graças a isso foi praticamente eliminado o drama da fome endémica nas sociedades desenvolvidas. Mas não se pode dizer que comamos hoje melhor que antes, multiplicando-se problemas como obesidade, colesterol, bulimia e anorexia. Vestuário e habitação, igualmente básicos, vieram a seguir, mas basta ver a indumentária de um jovem actual ou visitar o seu quarto para perguntar se a abundância significou qualidade.
Outro campo com ganhos notáveis é a arte. Em todos os modos de expressão, da música à literatura e artes plásticas, qualquer um pode hoje facilmente dar largas à sua manifestação estética de forma impensável há poucas décadas. A técnica até gerou novas formas de criação, da fotografia ao cinema, até às curtíssimas dos tele- móveis. A dúvida é saber se este tempo deixará obras de qualidade comparáveis aos anteriores, ou se a descida de custos fez brotar o grotesco, boçal, mesquinho. Onde estão os novos Mozart, Rembrant ou Dante? Muitos diziam que a antiga sociedade elitista e limitada afogava a expressividade de múltiplos génios em potência. As últimas décadas dificilmente provam a tese de que o aumento da acessibilidade melhora o talento. O menor custo gerou pouca excelência.
Este fenómeno tem dimensões compreensíveis e naturais devido a uma característica humana básica. As pessoas tendem a desprezar aquilo que abunda, mesmo óptimo, enquanto admiram a raridade, até detestável. A água indispensável é mais barata que o ácido sulfúrico tóxico e há mais gente a contemplar a telenovela que o pôr-do-sol. Mas existe outra dimensão: o alargamento do leque de escolhas leva as pessoas frequentemente a optarem pelo mal. Errar é, não só humano, mas necessidade básica.
Talvez o aspecto onde este elemento é mais visível seja aquele onde a redução de custos tem sido maior: a comunicação. Internet, telemóveis e afins ampliaram espantosamente o grau de conectividade dos seres humanos. Mas terá aumentado a proximidade, solidariedade e elevação das conversas? Será o Facebook mesmo uma rede social, ou antes uma promoção de vacuidade, ilusão, embuste e solidão?
Durante milénios a forma de contacto à distância era a carta, em tempos onde papiro e pergaminho eram caríssimos. Por isso cada um pensava muito bem naquilo que ia escrever. O resultado é que ainda hoje guardamos colectâneas de epístolas de figuras marcantes como tesouros do pensamento. Seria natural e saudável que a abissal descida no custo da comunicação multiplicasse as mensagens inúteis e banais, como os que usam chamadas grátis para dizer "estou a chegar". O verdadeiro problema, porém, é se esta enorme explosão de ligações não eliminou as tais mensagens profundas, ponderadas e elaboradas, aquelas que valeria a pena guardar em colectâneas de correspondência. O mal seria se a redução de custo do contacto tivesse degradado o valor das mensagens. Não apenas da mensagem marginal, que é compreensível, mas de todas.
O progresso sempre assustou. Malthus previu fome e miséria, Marx anunciou exploração e conflitos, os ecologistas prometem catástrofes planetárias. Na verdade a enorme descida de custos no acesso aos bens, em todos os campos, tem criado ganhos espantosos, que nem sempre sabemos apreciar. Apesar de tudo, a maravilhosa comunicação na Internet é inestimável. No entanto, temos de dizer também que o esforço, sofrimento e sacrifício são condições necessárias da qualidade. A facilidade do progresso gera banalização e mata a excelência.
Por isso, talvez as crises sejam indispensáveis para nos sentirmos humanos.