quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O Natal és Tu!


Sempre lhe tinham dito que o Natal era a festa da família. E de facto durante a sua infância e juventude à volta da árvore iluminada reuniam-se os parentes em lauta ceia trocando prendas requintadas embrulhadas em papéis vistosos. Depois, com o passar dos anos, os mais velhos foram desaparecendo, como hoje tontamente se diz quando morre alguém. A sua mulher tinha-o deixado, de repente, sem explicações, trocando-o por outro, sem que ele percebesse porquê. O filho, à míngua de trabalho, partira para o Brasil. Um dos irmãos, podre de rico, viria a falecer na penúria, deixara dois filhos, um emigrado na China e outro na Índia; Quanto ao outro, pouco sabia, esse sim desaparecera, corria que tinha enlouquecido: habitava uma ermida em ruínas no cimo de uma montanha escarpada em Trás-os-Montes, dizia acreditar em Deus, querer viver só para Ele, e afirmava que já não era homossexual, que se extinguiram esses desejos, - ou como ele dizia desorientação tinha-se delido -, e que agora é que estava orientado. A irmã expirara brutalmente aquando do segundo aborto “legal e seguro”. A comunicação social, como era costume nestas circunstâncias, ignorou por completo a tragédia.

Com a pobreza em que o país mergulhara desapareceram as iluminações nocturnas da época. No que restava das grandes superfícies não havia venda de brinquedos; uma vez que a natalidade descera tão drasticamente as empresas só produziam artigos para adultos de idade avançada. Uma imensidade de velhinhos vivia e morria sozinha nos seus andares feitos tugúrios. A sociedade estava caquéctica, a solidão era infinita, a tristeza imensa, a negrura espessa e profunda.

Em respeito à saudade desentrapou a árvore de Natal, já gasta, revelha. Lágrimas copiosas cascateavam-lhe pelo rosto e soluçava convulsivamente enquanto repuxava pela fantasia para que lhe pescasse na memória a imagem dos que tinham sido e dos que se foram. Era a natureza a protestar contra a morte e a ausência, tentando em vão perpetuar tempos idos.

Montado o artefacto natalício com as suas luzes e restante decoração fixou-o pensativo. Foi então que para seu grande espanto as iluminações se pagaram, a decoração caiu e a verdura desapareceu permanecendo tão só um tronco tosco e nodoso o qual antes de se prolongar um pouco mais se ramificava para um e outro lado. De repente, nele apareceu um infante desfigurado, as mãozinhas e os pezinhos eram atravessados por grossos cravos ferrugentos, e do lado esquerdo uma ferida larga e funda jorrava abundante sangue e água. E dessa fonte se formou um rio caudaloso que inundou a sala envolvendo e afogando em si o cismador. E três horas depois foi despertado e erguido por luzes incandescentes de lume que saíam daquelas feridas incendiadas do Menino que agora era todo Ele um fogo abrasador do qual se despediam deslumbrantes raios de Amor e o Amor era o Senhor, e era mais resplandecente que o sol, mais suave que a brisa, mais doce que o mel, mais pacífico do que a pomba branca. Então Gabriel, o Arcanjo, clamou Tu és Aquele que foi, que é e que será, o Cordeiro imolado que venceste a grande tribulação, que morrendo destruíste a morte e ressuscitando restauraste a vida, venceste o pecado e esmagaste a cabeça do dragão antigo, o acusador dos nossos irmãos. Vem Senhor Jesus!

Fora de si, fascinado, arrojou-se por terra e exclamou cheio de alegria: Meu Senhor e Meu Deus! O Natal és Tu, Jesus Cristo Senhor!

Nuno Serras Pereira

21. 12. 2011