In Vatican
Venerados Cardeais,
Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs!
Reunimo-nos à volta do altar para celebrar solenemente os Apóstolos São
Pedro e São Paulo, Padroeiros principais da Igreja de Roma. Temos connosco os
Arcebispos Metropolitas nomeados durante os últimos doze meses, que acabaram de
receber o pálio: a eles dirijo, de modo especial e afectuoso, a minha
saudação. E, enviada por Sua Santidade Bartolomeu I, está presente também
uma eminente Delegação do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, que acolho
com gratidão fraterna e cordial. Em espírito ecuménico, tenho o prazer de
saudar, e agradecer pela sua participação, «The Choir of Westminster Abbey»,
que anima a Liturgia juntamente com a Capela Sistina. Saúdo também os Senhores
Embaixadores e as Autoridades civis: a todos agradeço pela presença e a
oração.
À frente da Basílica de São Pedro, como todos bem sabem, estão colocadas
duas estátuas imponentes dos Apóstolos Pedro e Paulo, facilmente
identificáveis pelas respectivas prerrogativas: as chaves na mão de Pedro e a
espada na mão de Paulo. Também na entrada principal da Basílica de São Paulo
Extra-muros, estão conjuntamente representadas cenas da vida e do martírio
destas duas colunas da Igreja. Desde sempre a tradição cristã tem considerado
São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o
Evangelho de Cristo. Mas, a sua ligação como irmãos na fé adquiriu um
significado particular em Roma. De facto, a comunidade cristã desta Cidade viu
neles uma espécie de antítese dos mitológicos Rómulo e Remo, o par de
irmãos a quem se atribui a fundação de Roma. E poder-se-ia, continuando em
tema de fraternidade, pensar ainda noutro paralelismo antitético formado com o
primeiro par bíblico de irmãos: mas, enquanto nestes vemos o efeito do pecado
pelo qual Caim mata Abel, Pedro e Paulo, apesar de ser humanamente bastante
diferentes e não obstante os conflitos que não faltaram no seu mútuo
relacionamento, realizaram um modo novo e autenticamente evangélico de ser
irmãos, tornado possível precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que
neles operava. Só o seguimento de Cristo conduz a uma nova fraternidade: esta
é, para cada um de nós, a primeira e fundamental mensagem da Solenidade de
hoje, cuja importância se reflecte também na busca da plena comunhão, à qual
anelam o Patriarca Ecuménico e o Bispo de Roma, bem como todos os cristãos.
Na passagem do Evangelho de São Mateus que acabamos de ouvir, Pedro faz a
sua confissão de fé em Jesus, reconhecendo-O como Messias e Filho de Deus;
fá-lo também em nome dos outros apóstolos. Em resposta, o Senhor revela-lhe a
missão que pretende confiar-lhe, ou seja, a de ser a «pedra», a «rocha», o
fundamento visível sobre o qual está construído todo o edifício espiritual
da Igreja (cf. Mt 16, 16-19). Mas, de que modo Pedro é a rocha? Como
deve realizar esta prerrogativa, que naturalmente não recebeu para si mesmo? A
narração do evangelista Mateus começa por nos dizer que o reconhecimento da
identidade de Jesus proferido por Simão, em nome dos Doze, não provém «da
carne e do sangue», isto é, das suas capacidades humanas, mas de uma
revelação especial de Deus Pai. Caso diverso se verifica logo a seguir, quando
Jesus prediz a sua paixão, morte e ressurreição; então Simão Pedro reage
precisamente com o impeto «da carne e do sangue»: «Começou a repreender o
Senhor, dizendo: (...) Isso nunca Te há-de acontecer!» (16, 22). Jesus, por
sua vez, replicou-lhe: «Vai-te daqui, Satanás! Tu és para Mim uma ocasião de
escândalo...» (16, 23). O discípulo que, por dom de Deus, pode tornar-se uma
rocha firme, surge aqui como ele é na sua fraqueza humana: uma pedra na
estrada, uma pedra onde se pode tropeçar (em grego, skandalon). Por aqui,
se vê claramente a tensão que existe entre o dom que provém do Senhor e as
capacidades humanas; e aparece de alguma forma antecipado, nesta cena de Jesus
com Simão Pedro, o drama da história do próprio Papado, caracterizada
precisamente pela presença conjunta destes dois elementos: graças à luz e
força que provêm do Alto, o Papado constitui o fundamento da Igreja peregrina
no tempo, mas, ao longo dos séculos assoma também a fraqueza dos homens, que
só a abertura à acção de Deus pode transformar.
E no Evangelho de hoje sobressai, forte e clara, a promessa de Jesus: «as
portas do inferno», isto é, as forças do mal, «non praevalebunt»,
não conseguirão levar a melhor. Vem à mente a narração da vocação do
profeta Jeremias, a quem o Senhor diz ao confiar-lhe a missão: «Eis que hoje
te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de
bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos
sacerdotes e do povo da terra. Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer -
non praevalebunt -, porque Eu estou contigo para te salvar» (Jr 1,
18-19). Na realidade, a promessa que Jesus faz a Pedro é ainda maior do que as
promessas feitas aos profetas antigos: de facto, estes encontravam-se ameaçados
por inimigos somente humanos, enquanto Pedro terá de ser defendido das «portas
do inferno», do poder destrutivo do mal. Jeremias recebe uma promessa que diz
respeito à sua pessoa e ministério profético, enquanto Pedro recebe garantias
relativamente ao futuro da Igreja, da nova comunidade fundada por Jesus Cristo e
que se prolonga para além da existência pessoal do próprio Pedro, ou seja,
por todos os tempos.
Detenhamo-nos agora no símbolo das chaves, de que nos fala o Evangelho. Ecoa
nele o oráculo do profeta Isaías a Eliaquim, de quem se diz: «Porei sobre os
seus ombros a chave do palácio de David; o que ele abrir, ninguém fechará; o
que ele fechar, ninguém abrirá» (Is 22, 22). A chave representa a
autoridade sobre a casa de David. Entretanto, no Evangelho, há outra palavra de
Jesus, mas dirigida aos escribas e fariseus, censurando-os por terem fechado aos
homens o Reino dos Céus (cf. Mt 23, 13). Também este dito nos ajuda a
compreender a promessa feita a Pedro: como fiel administrador da mensagem de
Cristo, compete-lhe abrir a porta do Reino dos Céus e decidir se alguém será
aí acolhido ou rejeitado (cf. Ap 3, 7). As duas imagens – a das chaves
e a de ligar e desligar – possuem significado semelhante e reforçam-se
mutuamente. A expressão «ligar e desligar» pertencia à linguagem rabínica,
aplicando-se tanto no contexto das decisões doutrinais como no do poder
disciplinar, ou seja, a faculdade de infligir ou levantar a excomunhão. O
paralelismo «na terra (...) nos Céus» assegura que as decisões de Pedro, no
exercício desta sua função eclesial, têm valor também diante de Deus.
No capítulo 18 do Evangelho de Mateus, consagrado à vida da comunidade
eclesial, encontramos outro dito de Jesus dirigido aos discípulos: «Em verdade
vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu, e tudo o que
desligardes na terra será desligado no Céu» (Mt 18, 18). E na
narração da aparição de Cristo ressuscitado aos Apóstolos na tarde da
Páscoa, São João refere esta palavra do Senhor: «Recebei o Espírito Santo.
Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os
retiverdes, ficarão retidos» (Jo 20, 22-23). À luz destes paralelismos,
é claro que a autoridade de «desligar e ligar» consiste no poder de perdoar
os pecados. E esta graça, que despoja da sua energia as forças do caos e do
mal, está no coração do mistério e do ministério da Igreja. A Igreja não
é uma comunidade de seres perfeitos, mas de pecadores que se devem reconhecer
necessitados do amor de Deus, necessitados de ser purificados através da Cruz
de Jesus Cristo. Os ditos de Jesus sobre a autoridade de Pedro e dos Apóstolos
deixam transparecer precisamente que o poder de Deus é o amor: o amor que
irradia a sua luz a partir do Calvário. Assim podemos compreender também por
que motivo, na narração evangélica, à confissão de fé de Pedro se segue
imediatamente o primeiro anúncio da paixão: na verdade, foi com a sua própria
morte que Jesus venceu as forças do inferno; com o seu sangue, Ele derramou
sobre o mundo uma torrente imensa de misericórdia, que irriga, com as suas
águas salutares, a humanidade inteira.
Queridos irmãos, como recordei no princípio, a iconografia tradicional
apresenta São Paulo com a espada, e sabemos que esta representa o instrumento
do seu martírio. Mas, repassando os escritos do Apóstolo dos Gentios,
descobrimos que a imagem da espada se refere a toda a sua missão de
evangelizador. Por exemplo, quando já sentia aproximar-se a morte, escreve a
Timóteo: «Combati o bom combate» (2 Tm 4, 7); aqui não se trata
seguramente do combate de um comandante, mas daquele de um arauto da Palavra de
Deus, fiel a Cristo e à sua Igreja, por quem se consumou totalmente. Por isso
mesmo, o Senhor lhe deu a coroa de glória e colocou-o, juntamente com Pedro,
como coluna no edifício espiritual da Igreja.
Amados Metropolitas, o pálio, que vos entreguei, recordar-vos-á sempre que
estais constituídos no e para o grande mistério de comunhão que
é a Igreja, edifício espiritual construído sobre Cristo como pedra angular e,
na sua dimensão terrena e histórica, sobre a rocha de Pedro. Animados por esta
certeza, sintamo-nos todos juntos colaboradores da verdade, que – como sabemos
– é una e «sinfónica», exigindo de cada um de nós e das nossas
comunidades o esforço contínuo de conversão ao único Senhor na graça de um
único Espírito. Que nos guie e acompanhe sempre no caminho da fé e da
caridade, a Santa Mãe de Deus. Rainha dos Apóstolos, rogai por nós!
Amen.