In DN
Portugal tem um
grave problema educativo. Tem-no há décadas. Todos o diagnosticam,
todos sabem a solução e ninguém resolve. Um livro recente ajuda a
perceber as razões do paradoxo.
Os pais queixam-se e os
professores são crescentemente severos na denúncia dos erros educativos.
Aos alunos ninguém pergunta, mas também acham que a coisa vai mal. Com a
eventual excepção do ministro do momento, todos dizem que a educação
está péssima. E até ele estará de acordo, logo que saia, como todos os
antecessores e possíveis sucessores.
Uma simples inspecção da
estrutura explica a causa: o sistema educativo português segue o modelo
estalinista. Aliás é, com Cuba e Coreia do Norte, uma das poucas
realidades sociais ainda nesse curioso sistema de duvidosa memória. O
Ministério da Educação, descuidando as funções normais desse
departamento num estado democrático, assume-se como "gosplan",
controlando centralmente estrutura, evolução, gestão e operação dos
actos escolares. Assim explodem custos, multiplicam-se desperdícios e
pululam professores desocupados. Pior, consciente do problema educativo,
o Ministério reage com sucessivas reformas e revisões, introduzindo uma
nota original de "revolução permanente" trotskista.
É verdade
que, apesar de hegemónico, o mecanismo não é totalitário. Um conjunto de
acossadas escolas particulares permanece teimosamente ao lado da
esmagadora mole pública. Mas a sua existência é sempre precária,
ameaçada, incerta. Em particular nestes anos o ensino privado sofre mais
um ataque devastador, que muitos consideram fatal. O mais curioso é que
isto não varia com a linha política, pois permanece com qualquer
orientação do executivo.
O governo Sócrates foi especialmente
agressivo contra a liberdade de ensino, por razões ideológicas, enquanto
o governo Passos usa alegadas razões financeiras. O que constitui uma
rematada mentira, porque fica muito mais caro ao Orçamento de Estado ter
um aluno no sector público que no privado com apoio. Os cortes nos
contratos de associação são suicidas para o Orçamento.
Num tempo
que apregoa a liberdade como valor supremo, de que a liberdade educativa
é parte central, num tempo de concorrência, abertura e globalização,
num tempo de privatizações, até forçadas e apressadas, como se explica a
tendência estatizante na educação nacional, que repetidamente provou a
sua ineficácia? A razão é muito mais profunda que a flutuação
governativa e até geracional.
A verdadeira origem vem do traço
paternalista da cultura portuguesa, que sempre gosta de sentir a mão
protectora do Estado. Até para poder dizer mal dela. Em Portugal nunca
houve, nem pode haver, pensamento liberal. Há críticos e defensores do
Governo, mas da extrema-esquerda à extrema-direita toda a gente só fala
do Estado. Esta atitude de fundo manifesta-se depois nas opções
particulares. Os pais querem saber que o Estado paga, mesmo quando o
único dinheiro vem dos nossos impostos e é mal gosto. Os professores
querem ser funcionários públicos, mesmo que detestem o patrão-Estado. O
Ministério quer aumentar ao máximo as suas competências, mesmo sabendo
que ficará com culpas de que é inocente.
Isto está patente no livro do professor Jorge Cotovio O Ensino Privado nas Décadas de 50, 60 e 70 do Século XX. O Contributo das Escolas Católicas (Gráfica
de Coimbra 2, 2012). A obra monumental, além de exaustiva investigação
das fontes documentais, estatísticas e legislativas, inclui 30 preciosas
entrevistas a protagonistas, alguns já falecidos. Lendo esta fascinante
história compreende-se a questão educativa portuguesa, não apenas nessa
época e tipo de escola, mas em geral.
"Os trinta anos do
período em análise são atravessados por dois regimes com diversos
'Estados' e variadas políticas governamentais. Apesar deste mosaico, e
no tocante ao ensino privado e temário conexo, a atitude do Poder
manifesta um denominador comum que se pode traduzir pela palavra
'tolerância'" (p. 379). Assim não admira que Portugal tenha há décadas um grave problema educativo.