In DN
O povo gosta que
lhe mintam. Agora tem um Governo que diz a verdade e considera-o o pior
de sempre, muito inferior aos anteriores, que nos convenceram de todas
aquelas aldrabices que geraram a crise. Uma conclusão plausível do
paradoxo é que o povo quer que o enganem.
Se este Governo diz a
verdade não é por ser melhor. A situação é que é pior. Portugal bateu na
parede e chegou a um estado em que as alternativas boas não existem e a
conjuntura impede ilusões. Por isso, relutantemente, os ministros estão
a dar más notícias, revelar o desastre, impor sacrifícios inevitáveis.
Agora já não é possível aos responsáveis ocultar a realidade e vender
fantasias. Mas o povo não quer isso.
Houve tempos em que o povo
gostava de saber a verdade. Em 1974 e 1986 os portugueses estavam
assustados. Nessa altura quem lhes descrevesse as dificuldades era
eleito e conseguia fazer as reformas necessárias. Depois de 1992 vieram
os anos da euforia a crédito. Hoje o povo está, não assustado, mas
indignado. E quem sente revolta não quer que lhe digam a verdade, mas
que o ajudem a descarregar os nervos. Por isso a mentira anda a prémio.
Quem tiver a retórica mais bombástica e incendiária recebe aplausos,
mesmo que diga rematada tolice; mesmo que agrave a situação já tão
difícil.
António José Seguro sabe perfeitamente que a sua ideia de
renegociar o programa de ajustamento é um mito impossível. Quando o PS
for Governo ninguém, nem ele próprio, gastará um minuto a pensar nisso.
Só o diz porque não pode assumir publicamente que não tem alternativa
credível ao caminho que o País segue. De certa forma, o que afirma até é
lisonjeiro para o Governo, admitindo implicitamente que nestas
condições não se pode fazer melhor. Por isso invoca uma inverosímil
mudança de circunstâncias.
Jerónimo de Sousa tem consciência plena
de que a sua proposta de expulsar a troika e recusar a austeridade
significaria uma desgraça nacional muito pior que a actual. Fazer o que o
PCP e BE propõem seria balbúrdia e miséria. Portugal hoje só consegue
financiar-se através dos fundos de emergência do FMI e UE, que vêm com
as difíceis condições de ajustamento. Mas segui-las é a única forma de
algum dia o País recuperar a credibilidade externa e regressar à
normalidade. A razão por que esses partidos dizem essas coisas com tanta
convicção e vigor, é porque sabem perfeitamente que elas nunca se
verificarão, porque no fundo ninguém lhes liga. Sem quaisquer
responsabilidades, podem esbracejar à vontade, servindo entretanto
alguns interes-ses ameaçados pelos cortes.
Carlos Silva e Arménio
Carlos percebem sem dificuldade que as greves são uma perda de tempo,
nada alterando numa situação em que não há escolhas. Mas têm de
apresentar serviço e fingir que existe outra política que evitaria os
sacrifícios. Sempre com o cuidado de deixar omissos os contornos dessa
solução milagrosa. Tal como os partidos da oposição, fazem dos protestos
uma cortina fumo para esconder o facto de nunca terem dito, afinal, o
que é que queriam que se fizesse, e como se pagava.
Mário Nogueira
não tem ilusões que sem reformas e, em particular, sem cortar a sério
no número e condição dos professores, o sistema de educação português
fica arruinado. Mas o sistema de educação é a última das suas
preocuações. O que ele quer é fazer mais barulho do que os outros
sectores, de forma a que o Governo, para o calar, tire deles para
minorar, ao menos em parte, os sacrifícios da sua classe. E já
conseguiu.
A situação portuguesa é dura mas evidente. Temos uma
das maiores dívidas externas do mundo. É claro que nunca a poderemos
pagar, nem ninguém quer que o façamos. O que é preciso é estancar a
sangria e pôr a casa em ordem, de forma a colocar a dívida em
trajectória descendente, honrando os juros. Para isso surge a
austeridade a que temos assistido. Senão é falência, descrédito,
isolamento. A única alternativa é o caos, que vemos noutras longitudes.
Esta é a verdade, nua e crua. E é bem dura. Assim, até nem admira que o
povo goste que lhe mintam.