1. A primeira leitura deste Domingo apresenta profeticamente a vinda do Messias como um evento transformador, transfigurador, libertador, redentor. Quando ou onde Ele reinar os desertos florescerão, as águas vivas brotarão, os enfermos serão curados, os oprimidos libertos, os tristes consolados. O salmo que se entoa de imediato diz-nos Quem Deus é, Amor, ao descrever o que Ele faz: ampara o órfão e a viúva, vinga os oprimidos, dá pão aos que têm fome, resgata os cativos, ilumina os olhos dos cegos, ama os justos e estorva o caminho dos pecadores. S. Tiago, na sua carta, ensina-nos que quem ama a Deus, deve ser como Ele não usando os critérios mundanos para distinguir ou fazer excepção de pessoas, mas pelo contrário priorizar os pobres em detrimento dos ricos, embora Cristo tenha vindo para todos, procedendo como Ele que concedeu uma preferência aos mais necessitados. O Evangelho, por fim, mostra-nos como as profecias de Isaías e a revelação do salmo sobre a identidade de Deus se realizam e tornam presentes em Jesus Cristo, Deus Filho feito homem, o Messias Salvador. A cura do surdo-mudo que nele é narrada não significa tão-somente a concessão da saúde a esse infeliz, mas é também um sinal da redenção da humanidade operada por Cristo que nos torna capazes de escutar a Verdade, a palavra de Deus, deixarmo-nos transformar por ela e transmiti-la aos outros. Quem escuta a Deus e por Ele se deixa converter logo O anuncia e comunica a todos. Não é por acaso que a Igreja viu neste milagre um sinal do Baptismo e introduziu na sua celebração a seguinte oração: “O Senhor Jesus que fez ouvir os surdos e falar os mudos, te dê a Graça de em breve poderes ouvir a Sua Palavra e professar a Fé, para louvor e glória de Deus Pai”. A Glória de Deus Pai é que todos os homens se possam salvar e chegar ao conhecimento da Verdade: “ A Glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão (comunhão imediata) de Deus”, já dizia Santo Ireneu.
2. O Logos, isto é, o Deus Filho, revelou-Se, ao fazer-Se homem, como Amor e Verdade, como Amor e Razão, como Pensamento e Doação, como Pensamento que Se diz operando, fazendo.
Tomando os homens consciência de que Deus é a Suprema Razão Amante, ou o Supremo Amor Ordenadíssimo (racionalíssimo) e, conhecendo pela Revelação, que tinham sido criados à Sua imagem e semelhança, e que tudo quanto existia n’ Ele tinha origem, acabaram por entender que a sua razão era participação da Divina e que o mundo não podia ser caótico mas teria de ser ordenado, dotado de racionalidade, de inteligibilidade, que podia e devia ser compreendida e usufruída por aqueles a quem Deus quis fazer Seus colaboradores no aperfeiçoamento da Criação. Acresce a isto que o facto de Jesus Cristo, o Logos de Deus, Se comunicar, no Seu Espírito, à Sua Igreja, em particular nos Sacramentos, capacitou a humanidade para uma progressão científica, até então desconhecida, que vem perdurando até aos dias de hoje. Esses avanços, mais ou menos lentos, mais ou menos lestos, com uma ou outra incompreensão ou dificuldade pelo caminho, proporcionaram à humanidade bens antes impensáveis. Claro que o mafarrico, o diabo, também se aproveitou da fraqueza dos homens e induziu-os frequentemente a recorrer a esses conhecimentos em detrimento do género humano, que ele odeia.
Mas se hoje a medicina pode, em muitos casos, curar cegos, dar fala aos mudos, ouvidos aos surdos, alegria aos melancólicos; se a política pode empenhar-se na libertação de oprimidos, no socorro aos pobres, etc., tudo isto tem origem no Logos comunicado durante gerações pelo Seu Espírito, especialmente presente e operante no Seu Corpo que é a Igreja.
Claro que, do ponto de vista espiritual, a medicina não tem competência nem capacidade para operar como a Igreja que Jesus Cristo instituiu, nos domínios espirituais significados por estas enfermidades
3. Importa muito notar e considerar atentamente que com a descristianização das sociedades e nações os conhecimentos e a sabedoria que Cristo nos proporcionou deixam de ser usados segundo o Seu Espírito, o Espírito de Deus, para serem utilizados de um modo anti-messiânico, satânico. É o espírito do anticristo. O que nos foi dado e nós fomos conquistando, no sentido de cooperação, não se exprime agora em obras de amor e de vida mas sim de aversão e de morte. O que era usado para conceder a saúde (saúde significa salvação), para salvar, é agora utilizado para matar, aniquilar, esmagar. E, por isso, os sistemas de saúde (de salvação) têm vindo a ser transformados em campos de extermínio – através da experimentação em seres humanos na sua etapa embrionária, da clonagem dita “terapêutica, da “redução fetal”, do aborto químico, mecânico e cirúrgico, do suicídio assistido, da eutanásia e o que mais se verá.
O anticristo voeja pairando sinistra e lugubremente sobre as nossas mentes e cultura. Podemos vencê-lo. Mas para isso será necessário vivermos de Cristo e torná-Lo presente em todo o lado e em todas as realidades.
Nuno Serras Pereira