1. Foi há mais de vinte anos que pela primeira vez me foi pedido conselho sobre a esterilização directa. Viajava, ou melhor, peregrinava eu a Roma e Assis, quando, numa das muitas boleias que apanhei pelo caminho, um jovem casado, verificando que eu era Padre, me disse, em conversa, que se tinha esterilizado, realizando uma vasectomia, a conselho de um sacerdote do seu país. Os contraceptivos custavam dinheiro, para a mulher era difícil não se esquecer, traziam problemas de saúde e a fiabilidade era a que se sabia. Percebi pela entoação da voz, pelos ademanes e pelas expressões faciais que ele queria, como que implorava, que eu confirmasse a bondade do aviso do seu pároco. Não o pude fazer, pois a verdade para o bem da pessoa que a Igreja anuncia é muito clara a este respeito.
De facto, já em 1975 a Congregação para a Doutrina da Fé afirmava peremptoriamente: “Qualquer esterilização que por si mesma, quer dizer, por sua própria natureza e condição, imediata e unicamente, torna a faculdade generativa incapaz de procriar, tem que ser considerada esterilização directa … É, portanto, absolutamente proibida segundo a doutrina da Igreja, apesar da recta intenção subjectiva de quem procura os cuidados ou a prevenção de um mal tanto físico como psíquico que se prevê ou se teme que se siga à gestação. E, certamente, a esterilização da faculdade mesma é proibida por uma razão ainda maior do que a de cada acto, uma vez que induz um estado de esterilidade na pessoa que é quase sempre irreversível.”[1] Mais adiante continua: “Qualquer cooperação institucionalmente aprovada ou tolerada em acções que são em si mesmas, quer dizer, pela sua natureza e condição, dirigidas a um fim contraceptivo, designadamente, que os efeitos naturais dos actos sexuais deliberadamente realizados pelo sujeito esterilizado sejam impedidos, é absolutamente proibida. A aprovação oficial da esterilização directa e, por maioria de razão, a sua regulação e execução segundo os estatutos do hospital é algo mau por sua própria natureza na ordem objectiva, quer dizer, é intrinsecamente má, não podendo nenhum hospital católico, por isso, prestar a sua colaboração seja por que motivo for.”[2]
2. Com o decorrer dos anos fui-me dando conta da falta de uma formação sólida nestas questões de moral não só na generalidade dos fiéis leigos mas o que é mais preocupante na generalidade dos médicos católicos e mesmo em muitos sacerdotes. Quando há muita gente a praticar o mal julgando que está fazendo o bem, o caso é sério. Tanto mais que aqueles cuja missão consiste em ajudar os outros, quer corporal quer espiritualmente, têm uma responsabilidade acrescida em conhecer a verdade para que a caridade que exercitam seja autêntica e genuína. Há ignorâncias que são culpáveis.
Por outro lado a proeminência concedida a alguns teólogos que tentam tudo para iludir a verdade tem tido uma influência nefasta em muitos que acatam as suas elucubrações com uma reverência maior do que a que prestam ao próprio Jesus Cristo. Trata-se daquele tipo de estudiosos eruditos que recusando a infalibilidade Papal afirmam a sua deles. E é assim que deparamos cada vez mais com médicos católicos, aconselhados por Sacerdotes da mesma Fé, sugerindo, senão mesmo insistindo, em determinadas circunstâncias (por ex. múltiplas cesarianas[3]), a esterilização directa. Esta aparente licitude foi advogada, certamente em boa-fé, principalmente por dois teólogos morais jesuítas: Gerald Kelly (remoção do útero) e Thomas J. O’ Donnel (isolamento do útero).
Como um número significativo de hospitais e sistemas de saúde católicos aceitaram essa licitude e consequentemente tornaram prática comum o “isolamento uterino”, em 1993 foi perguntada à CDF que se pronunciasse sobre a moralidade destas práticas. Foram-lhe dirigidas três perguntas: “i) Quando o útero (por exemplo durante um parto ou uma operação cesariana) chega a ser a tal ponto seriamente danificado que se torna, sob o ponto de vista médico, indicada a extirpação (histerectomia), mesmo total, para evitar um grave perigo imediato contra a vida ou saúde da mãe, é lícito realizar tal procedimento não obstante que para a mulher tenha como consequência uma esterilidade permanente? ii) Quando o útero (por exemplo por causa de operações cesarianas precedentes) se acha num tal estado que mesmo não constituindo em si um risco imediato para a vida ou a saúde da mulher, não está já previsivelmente em condições de chegar ao fim de uma futura gravidez sem perigo para a mãe, perigo que em alguns casos poderá mesmo ser grave, é lícito extirpá-lo (histerectomia), com a finalidade de prevenir um possível perigo futuro derivado da concepção? iii) Numa situação idêntica à do número 2 citado acima, é lícito substituir a histerectomia pela laqueação das trompas (procedimento chamado também 'isolamento uterino’) tendo em conta que se atinge o mesmo fim preventivo dos riscos de uma eventual gravidez, com um procedimento muito mais simples para o médico e menos molesto para a mulher e que além disso, em alguns casos a esterilidade assim adquirida pode ser reversível?” [4]
A estas 3 perguntas a CDF responde afirmativamente à primeira e negativamente às outras duas, adiantando em seguida uma explicação: “No primeiro caso, a histerectomia é lícita enquanto tem carácter directamente terapêutico, ainda que se preveja que do facto resultará uma esterilidade permanente. De facto é a condição patológica do útero (por exemplo, uma hemorragia que não se pode tamponar com outros meios) que torna, sob o ponto de vista médico, a extirpação indicada. Esta tem, portanto, como fim próprio o de afastar um grave perigo imediato para a mulher, independentemente de uma eventual futura gravidez.
“Diferente, do ponto de vista moral, se apresenta o caso de procedimento de histerectomia e de 'isolamento uterino' nas circunstâncias descritas nos números 2 e 3; eles entram no caso moral da esterilização directa, a qual, no documento Quaecumque sterilizatio ( AAS LXVIII - 1976, 738-740, n. 1 ), é definida como uma acção que «tem por único efeito imediato, tornar a capacidade de gerar incapaz de procriar». «Por isso (continua o mesmo documento) não obstante a recta intenção subjectiva daqueles cujas intervenções são inspiradas pelo cuidado ou pela prevenção de uma doença física ou mental, prevista ou temida como resultado de uma gravidez, tal esterilização permanece absolutamente proibida segundo a doutrina da Igreja».
“Na realidade, o útero como descrito no nº 2, não constitui em si e por si nenhum perigo imediato para a mulher. De facto, a proposta de substituir a histerectomia pelo 'isolamento uterino', nas mesmas condições, mostra precisamente que o útero não é em si um problema patológico para a mulher. Portanto os procedimentos acima descritos não têm um carácter propriamente terapêutico, mas são realizados para tornar estéreis os futuros actos sexuais férteis, livremente realizados. O fim de evitar os riscos para a mãe, derivantes de uma eventual gravidez, é pois perseguido por meio de una esterilização directa, em si mesma sempre moralmente ilícita, enquanto outras vias moralmente lícitas permanecem em aberto a uma livre escolha.
“A opinião contrária, que considera as supracitadas práticas referidas nos números 2 e 3 como esterilização indirecta, lícita em certas condições, não pode portanto considerar-se válida e não pode ser seguida na praxe dos hospitais católicos.”[5]
3. Pelo que fica dito torna-se fácil compreender que a) o Sacerdote que aconselha ou dá por lícita a esterilização directa comete um pecado mortal, provocando grave escândalo em quem o consulta, uma vez que induz tal pessoa a uma séria desordem moral objectiva. Não é possível invocar a ignorância como atenuante, uma vez que se não conhece a verdade da moral natural que a Igreja ensina tinha a obrigação estrita de a ter estudado; b) o médico que sugere, persuade, influencia, pressiona e/ou realiza a intervenção comete um pecado, independentemente das intenções subjectivas, uma vez que, como fiel católico, tinha também a obrigação de estudar a moral natural, em especial, no que diz respeito à sua profissão. Claro que pode ter atenuantes. De facto, habitualmente o médico confia no Sacerdote que o orienta espiritualmente e não espera que este lhe incuta doutrina alheia à da Igreja. Por outro lado, a Notas Pastorais dos Bispos, em Portugal, habitualmente não cuidam destas coisas. Porém, como cada vez mais são notórios a quantidade de casos em que sucede o engano acima mencionado o médico prevenido devia consultar os documentos da Igreja muitos dos quais pode encontrar no sítio do Vaticano; c) Finalmente, os fiéis leigos que por indicação, pressão, conselho infundado de Sacerdotes ou médicos se submeteram a esse tipo de operação, naturalmente agiram de boa-fé e, nos tempos que correm, não lhes é possível suspeitar que estão a ser enganados, embora com a melhor das intenções. São vítimas, provavelmente sem culpa alguma, mesmo que ligeira. A culpa não a têm mas padecem na mesma as consequências danosas a nível físico, psíquico e espiritual da intervenção a que se submeteram (quem fuma droga sem o saber está isento de culpa moral mas isso não o impede de padecer os seus feitos funestos).
4. Felizmente para todos há redenção. O Sacerdote e o médico são chamados ao arrependimento, à conversão, à confissão sacramental e, na medida das suas possibilidades, à reparação do mal que ocasionaram ou praticaram. Quanto às vítimas, embora possam não ter culpa, podem no entanto levar isso à confissão sacramental, pedindo a Graça necessária para superarem a sua dor e confusão, implorando o dom da fecundidade espiritual e de uma maternidade ou paternidade, consoante o caso, que gere muitos filhos para Deus e para a Sua Igreja. Estas pessoas não têm a obrigação moral de tentar reverter cirurgicamente a sua situação anterior, quer porque geralmente não há garantias de sucesso, quer pelos riscos que envolve, quer pela despesa que pode implicar. No entanto, não deverão renunciar aos gestos próprios dos esposos que alcançam a sua plenitude no acto conjugal, como expressão de uma vida de verdadeira comunhão de pessoas. Por estranho que possa parecer o recurso aos chamados métodos naturais (que aparentemente - as aparências iludem – não fazem sentido) têm provado ser muito importantes na vida dos casais que padeceram a esterilização.
5. Infelizmente no nosso Portugal em não poucos hospitais e maternidades se esterilizam, por dá cá aquela palha, muitíssimas mães, frequentemente à sua socapa e dos pais dos bebés, sem que elas tenham qualquer problema de saúde, mas tão só porque já têm dois ou três filhos. Mas isto que importa aos nossos Prelados e Pastores? Importante mesmo é saudar a nomeação do infanticida Obama para prémio Nobel da Paz como o fez o Bispo de Fátima nesta peregrinação de 13 de Outubro…
Nuno Serras Pereira
13. 10. 2009
[1] In Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), Resposta sobre a esterilização nos hospitais católicos – Quaecumque sterilizatio, (Responsa ad quaesita conferentiae episcopalis Americae Septentrionalis circa sterilizationem in nosocomiis catholicis), 13 de março de 1975. AAS 68 (1976) 738-740; DOCUMENTA 25, nº 1
[2] Idem, nº 5
[3] O argumento consiste em considerar que o útero enfraquecido se encontra numa situação patológica e que portanto a sua remoção ou o seu isolamento seria uma consequência indirecta, prevista e não querida, de um tratamento médico. Em relação às diabetes, doenças cardíacas e de rins, ou graves doenças psiquiátricas a resposta negativa à licitude da esterilização é claríssima na citação que fizemos da CDF. Também o é em relação, como veremos adiante, em relação a esta questão.
[4] Resposta às dúvidas propostas sobre o “isolamento uterino” e outras questões (Responsa ad proposita dubia circa «interclusionem uteri» et alias quaestiones), 31 luglio 1993 AAS 86 (1994) 820-821
[5] Idem