1. Em passo lento e esforçado, como quem sucumbe sob um peso esmagador, rosto anuviado, olhar sombrio e feições crispadas, arrastava-se cambaleante pela rua abaixo. Duas senhoras compadecidas aproximaram-se pressurosas para a confortar. Ao vê-las desatou num pranto convulsivo arrimando-se àquela consolação. Experimentadas no trato com as infelizes escutam-na, abraçam-na, envolvem-na em carinhos, dizem-lhe esperanças. Subitamente, rompem histéricas duas funcionárias do “abortadouro dos Arcos”, lugar onde aquela mãe dolorosa tinha abortado seu filho, investindo furiosamente em altos gritos: Assassinas!!!!!, assassinas!!!!, assassinas!!!!
O alvoroço e a confusão foram enormes. Houve testemunhas. As injuriadas atordoadas paralisaram de espanto. A mãe grávida ficou pasmada e incrédula. A custo, as matadoras de bebés nascituros que acusavam de assassinato as consoladoras da mãe desconsolada pela perda e cumplicidade na morte do filho lá se retiraram para o seu covil de feras.
Se alguém cuida que este episódio é invenção de uma mente delirante desengane-se, sucedeu há poucos meses e está registado na esquadra da polícia da Praça da Alegria.
2. Os católicos inchados do “caridosamente correcto” encolherão os ombros desculpabilizando com uma compreensão infinita o comportamento e o impropério das funcionárias. Se pelo contrário tivessem sido as consolativas senhoras a acusar, descrevendo rigorosamente o que tinha acontecido, as funcionárias de assassinato logo esses fiéis “caridosamente correctos” se levantariam indignados com a falta de caridade daquela gente que ali tem salvado crianças nascituras e confortado mães desvairadas pelo crime que cometeram. Naturalmente os jornais, as televisões e as estações emissoras, com a Rádio Renascença a pontificar, noticiariam o acontecimento, repetindo até à exaustão, as “injúrias” caluniosas dos fundamentalistas religiosos, abortofóbicos, radicais conservadores, extremistas terroristas, etc.
3. Se matar crianças nascituras é muito grave, se legalizar esse extermínio ainda o é mais, pior é ainda dar como assassinos os que as salvam e como benfeitores os que as eliminam. Por este caminho não tardará a perseguição policial aos amantes da vida.
Nuno Serras Pereira