sábado, 4 de dezembro de 2010

Pobre Papa...


A incompetência ou negligência com que têm sido traduzidas as declarações do Santo Padre no último livro-entrevista, Luz do Mundo, fazem-no dizer coisas inacreditáveis, absurdas e incompreensíveis. A edição portuguesa, infelizmente, não escapa ao mesmo descuido.

Três breves exemplos, talvez os mais gritantes, mostram o desmazelo:

a) Na página 119, no último parágrafo, em vez do termo base ou fundamento encontramos a palavra justificados, o que induz a pensar que o Santo Padre considera moralmente justificado (moralmente justo) o uso do preservativo. Ora o Papa um pouco mais adiante afirma claramente: “É evidente que ela (a Igreja) não a considera (a utilização de preservativos) uma solução verdadeira e moral”.

b) Na página 120, logo a seguir à frase anteriormente citada, a tradução portuguesa faz o Papa dizer exactamente o contrário do que ele disse. A nossa tradução escreve: “Num ou noutro caso, embora seja usado (= apesar de ser usado) para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.” Ora a tradução correcta seria: “Mas num ou noutro caso poderá, não obstante (apesar disso), ser, na intenção de reduzir o risco de infecção, um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana”. Ou seja, a intencionalidade de reduzir o risco da infecção pode constituir um primeiro passo para humanizar a sexualidade.

c) Nas páginas 148-149 a tradução portuguesa traslada como comentário do Santo Padre à afirmação do entrevistador - que “… sem dúvida que existe homossexualidade nos mosteiros entre os clérigos, mesmo que possa não ser vivida, e seja uma homossexualidade não praticada.”-, esta afirmação absolutamente extraordinária: “Isso também faz parte das necessidades (!) da Igreja” quando o que o Papa diz é o seguinte: “Isso é uma das misérias da Igreja”.

Estes breves exemplos pediriam enquanto a mim que fossem recolhidos os exemplares das livrarias e que se fizesse uma outra edição cuidada.

Nuno Serras Pereira

04. 12. 2010