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(Entrevista ao General Loureiro dos Santos)
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Em 2009 disse ao i que "na história não se conhece uma alteração das forças globais num tão curto período".
Exactamente. E aquilo a que assistimos agora é a adaptação à realidade. O poder dos países emergentes e reemergentes está a mudar e na Europa há um caso.
A Alemanha?
Exacto. O poder está a ser transferido dos países ditos desenvolvidos para o Sul e para o Leste e na Europa os países estão a perder poder para a Alemanha. Isso acontece pelas dívidas desses países que não têm riqueza - e poder é riqueza. É isso que acontece diariamente com as bolsas. Nestes últimos dias, por causa da queda das bolsas, o Ocidente ficou mais pobre 900 mil milhões de euros. Portugal, nestes últimos dias, perdeu 10 mil milhões de euros. Isto é perda de poder! E no meio disto dá--me a ideia de que os países que perdem mais poder e riqueza e que têm de mudar completamente os seus comportamentos são os europeus, excepto a Alemanha.
Numa crónica recente falou na fatalidade de os países do Sul ficarem completamente dependentes dela...
Nesse artigo também levanto uma dúvida: dizem muito mal da Merkel mas eu interrogo-me sobre se há razões para isso. A táctica de não decidir logo é fenomenal! Pode não significar fraqueza, pode ser intencional, porque ela sabe que não decidindo logo vai criando desespero, os países aflitos vêem as dívidas crescer e a certa altura ficam disponíveis para aceitar tudo o que a Merkel quiser impor e é isso que se está a passar. Com o tempo, a própria legislação da UE altera-se para dar poder à Alemanha, que está em condições de conseguir algo que nunca conseguiu...
Nem com o Kaiser nem com Hitler?
Exactamente, escrevi isso. O grande problema da Alemanha, como da Rússia, é não terem fronteiras defensáveis. A Rússia compensa isso por ter muito espaço, que desgasta o adversário. Foi o que aconteceu quando Napoleão invadiu a Rússia e quando Hitler invadiu a Rússia: foram por aí fora, chegaram lá exaustos, perderam e vieram-se embora. A Alemanha para conseguir fronteiras defensáveis tem de ir para as praias. Tentou fazer isso pela guerra, com o Kaiser e com Hitler, e agora está a fazê-lo pela via económica, pagando as fronteiras. E isto é uma alteração brutal no campo estratégico.
A Alemanha vai dominar-nos?
Ouça, a dada altura pensámos que a UE era o reino da solidariedade, mas eu já digo há muitos anos: em relações internacionais não há solidariedade, só interesses. Quando um país entra numa organização de vários estados é porque está convencido de que é melhor estar dentro. E aí cada um procura sempre defender os seus interesses.
Acha que o sonho europeu falhou?
Houve uma série de pessoas com esse sonho, que viam uma Europa tipo Estados Unidos. Mas desde o início foi claro que nem a Alemanha, nem a França nem o Reino Unido estavam interessados nisso, porque não queriam que houvesse uma câmara alta em que o Luxemburgo pudesse pesar tanto como a Alemanha. Como é que a Alemanha podia admitir isso? Na UE nunca houve solidariedade. Eu escrevo isso desde o ano 2000. Que não pensemos que outros vão vir em nosso socorro. Como esta subida do preço dos alimentos: alguém pensa que, se nós estivermos aflitos sem dinheiro para comer, a Alemanha ou a França nos vêm dar alimentos e ficam eles com fome? Que ninguém pense nisso! Em Portugal houve líderes que se convenceram de que agora éramos todos iguais, podíamos ser todos ricos e andámos a gastar o que não tínhamos! Isto explica a nossa actual situação e não fomos só nós que o fizemos, foi a maior parte dos países. Não há solidariedade internacional e a prova é o que está a acontecer na UE.
Já falámos no desespero generalizado e na rapidez dos acontecimentos. Que previsões faz a médio prazo?
Em 2009 eu dizia que se previam cinco ilhas de poder mundial, estados com capacidade de intervenção global: EUA, Rússia, China, Índia e Brasil. E havia duas áreas que podiam ser ilhas de poder mundial, mas que não eram nem eu esperava que viessem a ser. Uma, a Europa - se se unisse sob um poder comum; a outra, o Médio Oriente. Ambas têm muita população e são muito ricas. Só que, não tendo poder político único, as políticas internas chocam e inviabilizam a projecção exterior.
Esta Primavera Árabe mostra isso...
Sim. E na Europa, qual era a possibilidade? Era que a Alemanha dominasse! [risos] Eu escrevi isso! Se a Alemanha arranjasse maneira de se impor à Europa, transformava-se na sexta ilha do poder mundial. E em 2009 eu estava convencido de que isso ia acontecer, mas nunca tão depressa. As coisas estão a cavalgar. Na altura dizia que os EUA seriam a potência directora, mas estou a ver agora que dentro de uns anos vão deixar de marcar a agenda internacional. Será a China, a Índia ou até a Alemanha, se conseguir submeter a Europa. Basta ver pelos ratings. Agora só há meia dúzia de países com AAA e dos grandes julgo que é só a Alemanha.
Falando em rating, o que pensa dessas agências? Ultimamente tem-se questionado muito a sua existência e poder.
O poder é-lhes dado pela forma como os estados reagem aos seus anúncios. Não são elas que detêm poder, quem lhes dá o poder são os estados. Quando os EUA ficam completamente à nora com a baixa do rating estão a dar-lhes muito poder. O capitalismo já não é aquele que os teóricos do século xx referiam. Agora quem controla são organizações acéfalas, que não se sabe bem o que são, nem quem manda lá... Mas são eles que manobram a economia mundial. E mais, hoje o dinheiro é virtual, são bits, aquelas coisas do computador, que não é nada [risos]. Se não houver mudanças nos estados democráticos, se não arranjarem forma de sair desta tendência quase inevitável, vamos caminhar para capitalismos do género russo ou chinês, autoritários, sem liberdades, sem democracia, e isso é um perigo. Os países democráticos têm de evitar que o actual capitalismo sem rosto se transforme em sistemas ditatoriais.
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