Nos palácios do Céu estão os grandes apóstolos, os mártires heróicos, pastores atentos, doutores sublimes, virgens puras, santos incomparáveis. Mas lá também há lugar para aqueles de nós que nos limitamos a levar com fidelidade e diligência a carga que nos foi imposta. Sem fazer coisas extraordinárias, sem sequer compreender bem o sentido de tudo isto, mas desempenhando todos os dias a tarefa que nos está atribuída. É normal que no fim não tenhamos lugar nas mansões do Céu. Mas lá até as cocheiras são maravilhosas. Porque no Céu os currais são Presépio.
Quer isto dizer que qualquer asno entra no Céu? Afinal também lá chegam as vozes de burro? Não. Não basta ser um bom jerico para chegar ao Céu: é preciso mais uma coisa. Claro que é condição indispensável ser um jumento de qualidade. E isso, admitamos, não é nada fácil. Muitos conseguem carregar certas coisas algum tempo, mas o bom burro é aquele que leva o que for preciso e leva-o todos os dias. Carrega aquilo que tiver de ser, sem discutir, sem escolher, sem resmungar, sem pedir descanso, contentando-se com a ração. Aos apóstolos, mártires e pastores valem-lhes os feitos, aos doutores, virgens e grandes santos cabem-lhes os merecimentos. Mas os burros apenas lá chegam pela fidelidade e diligência.
Existe ainda uma outra condição: é preciso reconhecer o tempo em que se é visitado (cf Lc 19, 44). Além de levar a carga tem de se comprender o que a carga tem dentro. É preciso perceber que no jugo que nos oprime está Jesus. O burro do Presépio levava uma mulher, como tantas outras. Mas a Senhora tinha dentro de si o Salvador. Era isso que fazia dele o burro do Presépio. Aqueles que pretenderem seguir os seus passos para chegar ao Céu têm de reconhecer que dentro de tudo o que levam na vida está o mesmo Jesus. Só assim a vida ganha sentido. Só assim a tarefa bruta, árdua, pesada que repetimos quotidianamente se torna caminho de salvação.
Aliás desta forma o caminho do burro do Presépio ganha uma grandeza que, em certa medida, é superior aos demais. Porque nem todos são apóstolos, poucos são pastores atentos e doutores sublimes, são raras as virgens puras e os santos incomparáveis. Mas todos, até esses, numa altura ou outra do caminho para o Céu, têm de passar pela tarefa do burro do Presépio. Todos os santos cumprem com fidelidade e diligência a tarefa que lhes está atribuída: "Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" (Mt 16, 24). Assim se entra no Céu, levando a carga da vida, reconhecendo nela a presença do Senhor: carregar a nossa cruz, de onde pende Cristo.
Esta é a grandeza do burro do Presépio, uma das mais notáveis da história da salvação. Mesmo que acabe na cavalariça, mas numa cavalariça do Céu. Mesmo que termine num estábulo, mas num estábulo transformado em Presépio pela presença do Senhor do universo. Do Senhor do universo que só se dignou deitar, não num palácio da Terra, mas numa mangedoura. Numa mangedoura de burro.
O Presépio podia existir sem vaca. Podia existir sem pastores, carneiros ou magos. Até podia existir sem S. José ou os Anjos. No Presépio existem apenas três personagens indispensáveis: Jesus, Maria e o burro. Jesus é o Deus que se faz homem, que muda o sentido do universo, que cria o Presépio. Maria é o caminho que Jesus escolheu para vir. O burro é o meio de lá chegarem. Sem Jesus o Presépio não havia. Sem Maria, Jesus não tinha nascido. Sem o burro, Maria não chegaria ao Presépio.
Esta importância volta a ver-se no final. Estas três são as únicas personagens do Presépio que estão na Paixão. Na Semana Santa já lá não está S. José, não se vêem os magos, pastores ou carneiros, nem sequer há vacas e os Anjos vêm de fugida. Está lá Jesus crucificado, a Senhora das Dores e o burro que leva o Rei no Domingo de Ramos. Até à glória da cavalariça celestial.