Pela forte bátega de mensagens-e, de gente estupefacta e “incrédula”, que recebi a propósito da notícia Matar um bebé é o mesmo que fazer um aborto, dizem estudiosos, dei como infrutífero o penosíssimo trabalho a favor do Evangelho da vida a que me tenho dedicado progressiva e arduamente desde há trinta e quatro anos. Não saberei dizer se vos parece pouco e uma sem-razão quer o empenho quer o queixume. Por isso acrescentarei que estar continuamente estudando, escrevendo, alertando, insistindo, rezando, pregando, explicando, teimando, descrevendo, coisas tão sórdidas como o aborto provocado, a matança de embriões humanos e eutanásia, contra quase todos, a condenação de muitos, a incompreensão geral e a marginalização sistemática, é uma agonia, uma exaustão que me deixa literalmente esbodegado. Não que me arrependa ou sequer o lamente, de modo nenhum, tanto mais que no meio de tanta cruz lá se encontra a ressurreição e o amparo fiel de uma porção significativa de amigos formidáveis.
Mas custa a crer que tantos não tenham entendido que a morte provocada de uma pessoa no estado embrionário, fetal, recém-nascida, criança, adolescente, adulta, anciã, saudável, enferma, deficiente ou moribunda constitui, objectivamente, um assassinato. E que a gravidade de tal acto se torna tanto maior quanto mais vulnerável é a pessoa eliminada. Por isso, como lembra o Beato João Paulo II, o Vaticano II designa como crimes abomináveis quer o infanticídio quer o aborto. Mas, para que entendamos bem não somente a semelhança entre um e outro, mas também a diferença no grau de gravidade logo afirma sem titubeações: “A gravidade moral do aborto provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio e, particularmente, quando se consideram as circunstâncias específicas que o qualificam. A pessoa eliminada é um ser humano que começa a desabrochar para a vida, isto é, o que de mais inocente, em absoluto, se possa imaginar: nunca poderia ser considerado um agressor, menos ainda um injusto agressor! É frágil, inerme (indefeso, desarmado), e numa medida tal que o deixa privado inclusive daquela forma mínima de defesa constituída pela força suplicante dos gemidos e do choro do recém-nascido. Está totalmente entregue à protecção e aos cuidados daquela que o traz no seio. E todavia, às vezes, é precisamente ela, a mãe, quem decide e pede a sua eliminação, ou até a provoca.” (João Paulo II, Evangelium vitae, 58). Daqui a conclusão: “De entre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente perverso e abominável.” (Idem). Torno a repetir, como já o fiz num texto anterior, que isto foi escrito por um Papa que antes de o ser passou pelos terrores e horrores quer do nazismo quer do comunismo.
Constitui para mim uma enorme perplexidade como, aqui em Portugal, se branqueia e se censura esta Encíclica que João Paulo II considerava central no seu Magistério: “Desejo, antes de tudo, agradecer … o facto de terem pensado e organizado esta Jornada comemorativa do quinto aniversário da publicação da Encíclica Evangelium vitae. … Documento, que considero central no conjunto do Magistério do meu Pontificado (sublinhado meu) e em ideal continuidade com a Encíclica Humanae vitae do Papa Paulo VI, de venerada memória.” (João Paulo II, Discurso no 5º aniversário da Evangelium Vitae).
Quantas conferências, entrevistas, palestras, reportagens, livros sobre este Papa e o seu Pontificado, realizadas pelas mais graúdas sumidades da Igreja em Portugal e nem uma palavra, uma referência, uma atenção a este ponto nuclear do seu Magistério. A Humanae vitae e a Evangelium vitae geram paralisia mental nesses Prelados e Fiéis Leigos subidamente qualificados.
Em verdade vos digo que a não haver intervenção Divina não tardará muito a termos professores na ucp (universidade católica portuguesa) e comentadores na rr (rádio renascença) que advogam o infanticídio, o eugenismo, a eutanásia, o suicídio assistido, como hoje lá temos os que propagandam o aborto, a selecção embrionária, a clonagem e outras atrocidades ignominiosas.
Nuno Serras Pereira
03. 03. 2012