Pedro Afonso
Médico Psiquiatra
In jornal
Público 30.09.12
Portugal é dos países com maior consumo per capita de
antidepressivos da Europa. Mais recentemente, ficámos a saber que as vendas
destes medicamentos aumentaram quase 7% nos primeiros oito meses deste ano,
fazendo supor que os casos de depressão estão a aumentar. A situação económica
que o país atravessa tem um impacto terrível na vida das pessoas, causando um
enorme sofrimento e levando por vezes a situações de desespero absoluto. De
resto, o INEM já alertou para um aumento significativo das tentativas de
suicídio nos primeiros meses deste ano. Infelizmente, tudo isto era previsível
pois sabemos que existe uma correlação entre a crise económica e o aumento
deste fenómeno trágico.
Uma das explicações para esta situação reside na subida do
desemprego, e nas consequências que daí resultam: o empobrecimento súbito de
muitas famílias, o aparecimento de dívidas, a incapacidade para garantir a
subsistência ou manter uma vida digna, a humilhação da perda da habitação e,
por fim, o abismo do desespero.
Do meu ponto de vista, o governo e os partidos políticos,
não têm dado a devida atenção a esta tragédia humana. Neste momento não é
apenas a fome que grassa no país, é também o sofrimento, o desalento, e a morte
que ceifa a vida de várias centenas de portugueses que perderam aesperança no
futuro. O facto de existirem indicadores que apontam para um aumento da taxa de
suicídio e de termos a segunda pior taxa de natalidade do mundo (1,3 filhos por
casal) revela que o nosso país está perante um retrocesso civilizacional,
vivemos numa sociedade moribunda, incapaz de se renovar e de acreditar no
futuro.
O aumento do número de casos de depressão, relacionados com
a crise económica que Portugal atravessa, já é percepcionado há bastante tempo
nas consultas de psiquiatria. E quem não está deprimido, vive actualmente com
medo. As pessoas andam receosas, inquietas e encontram-se dominadas pela
convicção de que algo negativo vai ocorrer nas suas vidas. Muitos
portugueses estão aterrorizados com a vaga de despedimentos indiscriminados,
sentindo-se um joguete do destino, expectantes e apavorados com a ideia de
serem os próximos. Outros estão confusos e impotentes diante uma aparente
escalada imparável dos impostos que ameaçam transformarem-se numa epidemia
devastadora.
Importa sublinhar que, apesar de as manifestações que temos
assistido entre nós terem sido felizmente pacíficas, o país começa a ser
dominado por uma “neurose colectiva” e a tolerância à frustração começa a
escassear. Dito de outro modo, o sentimento de revolta germina entre as pessoas
e a irritabilidade colectiva pode transformar-se em violência não apenas
autodirigida (através do suicídio), mas também encaminhada para as figuras
representativas do poder, criando-se perigosamente condições para que o caos e
a anarquia se instalem. Neste contexto, os erros políticos, e as falhas de
comunicação podem revelar-se fatais, já que os rastilhos estão por todo o lado.
É preciso que os nossos líderes políticos transmitam
esperança, com autoridade e sem sinais contraditórios, explicando que o
sofrimento e a provação que estamos a passar têm um fim e, acima de tudo, um
sentido. É preciso, neste momento de medo e depressão, acreditar que o nosso
futuro não está inevitavelmente escrito. É preciso que muitos portugueses
vítimas do infortúnio trazido pela crise acreditem que, num futuro próximo, os
antidepressivos irão ser abandonados, pois dentro de cada um de nós há sempre
uma esperança e uma reserva de força que nos é desconhecida.