terça-feira, 2 de outubro de 2012

Ciências da (dí)Vida - por José Luís Nunes Martins

In i

Nesta semana, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida pronunciou-se no sentido de que o Estado português pode e deve racionar o acesso aos medicamentos mais caros para tratar o cancro, a sida e a artrite reumatóide. Tendo o médico que preside ao referido Conselho dito que se trata de “uma luta contra o desperdício e a ineficiência, que é enorme em saúde”. Mais, que “não é só legítimo, mas desejável”. Chegando- -se a referir ao facto de que 50 mil euros por 2 meses de vida não se justificam.

Uma vida não tem preço. Nem qualquer pedaço dela.

Como pode um homem, médico, chegar à conclusão de que há um valor justo para um mês de vida... todos já tivemos muitos meses maus, anos até... eu também, poderia ter passado por cima deles, mas, ainda assim, integram a minha história, fazem parte do meu caminho até aqui... Mas, apesar de tudo, amputar passados é diferente de abortar futuros.

Matar de forma absoluta o amanhã de alguém é crime. Chama-se homicídio. Trate-se de um bebé em embrião que se desenvolve à velocidade da vida ou um doente em coma, com cancro em fase terminal... é sempre homicídio. Sempre. Porque morre alguém por vontade de outrem.

Na vida, há momentos, um olhar, um sorriso, um beijo que duram segundos mas que valem (mais que) uma vida...

A vida é essencialmente futuro. Ainda que numa cama de hospital, em lágrimas, num mar de sofrimento... a Vida também é isso. Não é só alegria, também é dor.

Será que os médicos deixarão de fazer juramento de Hipócrates para, hipocritamente, jurar defender com aprumo, brio, disciplina e coragem militares o Orçamento? Na conclusão 6 do parecer, o Conselho refere que os médicos deviam obrigatoriamente ter mais formação ética para tomarem decisões mais justas e mais, imagine-se, responsáveis!

Argumentarão que não há recursos e perguntarão quem escolheria eu de entre dois doentes com diagnósticos e prognósticos diferentes... Mas a falta de recursos deve-se não a quem está doente, mas a quem andou a desperdiçá-los. Em casa onde não há razão, todos ralham, mas nunca há pão. Talvez porque alguém o come todo assim que chega... O problema não é o custo das terapias, mas o dinheiro que devia existir para as pagar e que foi canalizado para outras vi(d)as.

Haverá, por esta altura, uma multidão de gente à procura de uma fórmula matemática que decida, ela própria, o “sim” ou “não” em relação ao futuro dos doentes em avançado estado de despesa pública... No entanto, parecia-me bem mais humano que, em casos extremos, fosse alguém a fazê-lo, alguém com valores a assumi-lo, mas nunca um algoritmo que se aplica de forma impessoal... e atrás do qual, depois, muitos se esconderão.

Em breve, a capacidade de o Estado pagar reformas acabará... O que argumentarão, perante esse cenário, os então senhores das Ciências da (dí)Vida? Talvez alguém ligado a um qualquer conselho de ética (!) venha dizer que a vida, para além dos 70 anos, já não é vida, que a qualidade de vida dos mais novos é posta em causa por esses egoístas que já viveram mais do que o suficiente... ou talvez que se devia ter investido mais em aborto... ou outra enormidade que não me é dado imaginar...

Está completamente errado quem contribui com a sua sabedoria sobre Ética e sobre a Vida para a aplicação de medidas políticas inumanas, num país que pode ter pouco dinheiro, mas que não deixa por isso de ter muito valor. Apesar dos concidadãos que trocam vidas por dinheiro.

Resta um apelo: que se perdoem estes senhores da Ética pois, seguramente, não sabem o que dizem nem o que fazem... Na melhor das hipóteses, porque talvez nunca tenham conseguido um olhar que de um sorriso se fez beijo... mas, sabem, nunca é tarde! E vale sempre muito mais que 50 mil euros – asseguro eu.

Investigador