30 Setembro, 2013
(Tradução de Filipe Avillez)
Na América contemporânea a condenação da pedofilia tem por
base as emoções e não o raciocínio moral. Não há quem consiga explicar porque é
que a pedofilia é uma coisa tão vil e, ao mesmo tempo, sustentar o primeiro
mandamento da revolução sexual: Satisfazei os vossos desejos.
A estrutura moral da pedofilia é tão simples como isto: o
bem-estar das crianças subordina-se à satisfação sexual dos adultos.
Jerry Sandusky, ex-coordenador defensivo da equipa de
futebol Americano Penn State, criou uma IPSS chamada The Second Mile, para
crianças, a maior parte das quais sem pais, que viviam em lares difíceis. Não
se sabe se o fez com a intenção de atrair os rapazes para uma armadilha, mas a
realidade acabou por ser essa, de acordo com o testemunho de homens que
recordaram, com vergonha e nojo, a forma como foram iniciados à sodomia.
Raymond Lahey, o bispo católico emérito de Antigonish, foi
detido no aeroporto de Otava depois de o seu computador ter sido verificado no
aeroporto. Continha fotografias de rapazes nus. Humilhado, Lahey
resignou. A imprensa canadiana tentou esconder o sexo das crianças e
suprimiu a informação sobre os destinos exóticos para os quais o bispo
costumava viajar. Não se deve perscrutar com demasiada atenção as agências de
viagens que ganham bom dinheiro a transportar homens para locais como a
Tailândia, que está cheia de rapazes prostitutos. E raparigas também; ao que
parece a Tailândia é também um local de eleição para homens de negócios
coreanos.
Devíamos agradecer o facto de os Sanduskys e Laheys ainda
serem considerados monstruosos. Mas na América contemporânea essa condenação
assenta nas emoções e não no raciocínio moral. Não há quem consiga explicar
porque é que a pedofilia é uma coisa tão vil e, ao mesmo tempo, sustentar o
primeiro mandamento da revolução sexual: Satisfazei os vossos desejos.
Pode-se argumentar que os rapazes eram demasiado novos para
dar verdadeiro consentimento. Foram enganados. Isso pode ser verdade para os
miúdos no Pennsylvania, mas não dos meninos de rua de Banguecoque. Mas o
horror, o nojo, não se coaduna com alguém que tenha simplesmente sido enganado.
Se alguém engana um rapaz, vendendo-lhe um pedaço de carvão por 50 euros, o
rapaz, mais tarde, olhará para trás com irritação e desprezo pela pessoa que o
enganou, mas não com horror. A vergonha das vítimas de Sandusky não deriva do
facto de terem sido enganados, mas do acto que foram obrigados a praticar.
Para além disso, o facto de as crianças não poderem dar
verdadeiramente consentimento não é, por si, moralmente decisivo. Obrigamos as
crianças a fazer uma série de coisas para o seu bem – ou para o que dizemos ser
o seu bem. Uma professora de escola pública em Toronto elaborou uma série de
aulas em que se pede às crianças que imaginem usar roupas apropriadas para o
sexo oposto. Foi louvado, não pelos pais desconfiados, mas pela direcção, que
insiste que os professores são “co-pais”. O que ele está a fazer, como é
evidente, é sujeitar crianças ingénuas a um exercício que promove os seus
próprios objectivos sexuais.
O que enoja as pessoas não é como Sandusky e Lahey fizeram o
que fizeram, nem as circunstâncias em que tal aconteceu. É o que eles fizeram –
mas parece que ninguém o quer reconhecer.
A razão pela relutância torna-se clara se tivermos em conta
a estrutura moral da pedofilia. A satisfação sexual é que vale. Graças a Deus
que por agora não existem muitos homens sexualmente atraídos por crianças.
Neste caso, levantamos a voz pelas crianças. Mas é o único.
Se alterássemos a questão, e em vez de perguntarmos quantas
pessoas já abusaram sexualmente de crianças, perguntássemos quantas pessoas já
fizeram coisas de natureza sexual que resultaram no sofrimento de
crianças, então talvez chegássemos à conclusão que a única coisa que separa
milhões de pessoas de Jerry Sandusky é a inclinação. Tudo o que outrora foi
considerado uma aberração sexual é, hoje em dia, aplaudido. Tudo, sem excepção,
tem servido para ferir crianças, e muito.
Podemos apontar o dedo ao divórcio. A não ser que seja
necessário para tirar do caminho do perigo físico e moral um dos adultos e as
crianças, então devemos adoptar a sabedoria antiga em relação ao divórcio. Os
pais dirão: “Os meus filhos nunca serão felizes a não ser que eu seja feliz”,
mas não deviam carregar as suas almas com tamanho narcisismo. As crianças precisam
de pais que as amam, não de pais que sejam felizes; são demasiado novas para
que se lhes peça que dêem a vida por outra pessoa. Não cabe aos filhos sofrer
para benefícios dos pais, antes cabe aos pais suportar, tirar o melhor proveito
de uma situação má, engolir o orgulho e dobrar o joelho para bem do filho.
Podemos apontar os filhos nascidos fora do casamento. A
criança tem direito a mais do que entrar num quarto decorado com presentes. Ela
deve entrar num mundo humano, numa história, num povo. Devia poder nascer numa
família com mãe e pai, entre tios e tias, primos e avós, com longas raízes,
cheia de histórias interligadas, com a sua reflectida em todos esses espelhos
de relação, para não falar nos seus olhos, o seu cabelo, os talentos na ponta
dos dedos e a esperteza da sua mente. Esta pertença a um mundo grande e fiável
apenas pode ser assegurada no contexto do amor permanente da sua mãe e do seu
pai, declarada por uma promessa, diante da comunidade e diante daquele em quem
não existe sombra de mudança.
A maioria dos pais fica reticente quando chega a altura de
falar de sexo aos seus filhos. Essa reticencia é justa e natural, como é o
baixar do tom de voz de um homem quando conduz o seu filho a um lugar sagrado,
o túmulo do seu avô que morreu na guerra, ou a pequena e antiga casa onde
nasceu a sua avó. O sexo não é uma questão de mecânica. Os pais devem falar do
amor que o gerou, e por isso o sexo é também sobre o passado, o presente e o
futuro, e sobre todos os que partilham essa grande rede familiar de geração e
de amor.
Mas depois entrou em cena a Planned Predators, com a sua
multidão de – que lhes havemos de chamar? O que lhes chamaríamos se não
tivessem “credenciais” e títulos antes dos nomes? O que chamaríamos ao velho
que vive no fundo da rua, que gosta de mostrar fotografias de pessoas a
masturbarem-se a criancinhas, enquanto se ri e tosse? Creio que o termo técnico
é “depravado”. Mas lá entrou em cena a Planned Predators, com os seus
depravados, entusiasmadamente a introduzir as crianças às maravilhas do sexo
sem sentido, com bonecos de pénises e vaginas falantes, desenhos de uma menina
dobrada a inspeccionar o seu ânus ao espelho, ou de um menino no quarto a
abusar de si mesmo.
Estaremos a ser injustos? Algumas pessoas gostam de ter as suas
aventuras sexuais, mas são suficientemente discretas para as manter afastadas
das crianças; não que o consigam sempre, mas pelo menos na sua hipocrisia pagam
o tributo do vício à virtude. Mas a Planned Predators não acredita nesse
tributo. Há pedófilos do corpo e pedófilos da alma. A Planned Predators alista,
alegremente, os últimos nas suas fileiras.
Perguntamos como é que Sandusky conseguiu fazer o que fez
durante tanto tempo, sem ser apanhado pelos pais. Pois bem, o abusador separa a
criança dos seus pais. “Este é o nosso segredo”, diz o depravado. “Não contes
aos teus pais”, sibila o lagarto. “Eles não vão perceber”. “Os teus pais têm-te
tratado mal”, sussurra a cobra. “Os teus pais são antiquados. Os teus pais são egoístas.
Os teus pais têm a sua própria agenda. Não tens de te submeter aos teus pais.
Podes ser a tua própria pessoa”, denuncia a doninha, querendo dizer: Submete-te
a mim.
Essa é a mesma estratégia utilizada pelos pederastas
espirituis credenciados. Os pais são o inimigo. Os pais são mantidos à
distância. Os pais são demasiado obscurantistas para saber o que é melhor. Os
pais – mesmo os pais esporadicamente responsáveis que a nossa geração produziu
– não podem saber quão felizes são os que são sexualmente livres.
Começamos então a questionar se o que conta não é o mal
infligido sobre a criança mas, neste mundo em que a publicidade é confundida
com verdade, a forma com que se reveste, ou a classe a que pertence o
destruídor de infância. Para quem não pensa na essência das coisas, é difícil
julgar acções e não actores.
Daí que o velho treinador de futebol é justamente condenado
por abusar dos seus desportistas, mas o Jimmy Saville, menino bonito da BBC,
exibe a sua imoralidade durante anos, perante as brincadeiras de jornalistas
que se recusam a divulgar o que sabem. Daí que Kermit Gosnell, um homem com os
valores morais de Josef Mengele mas sem o mesmo jeito médico se espanta ao
descobrir que muitos imoralistas exprimem agora repulsa por ele ter
transformado o aborto em algo mais que uma fonte de rendimentos: um hobby, um
tesouro de pedaços desmembrados, decepados dos seus donos ao som de tesouradas.
Afinal de contas, como é que aquilo que ele faz aos
bebés difere em mais do que estilo daquilo que a aprumada médica feminista faz
na zona mais chique da cidade? Ele ri-se enquanto trabalha, ela adopta o ar
sério de um soldado no exército da igualdade, a cumprir o seu dever, e a ganhar
dinheiro enquanto o faz.
E a mãe que vive de subsídios, quando perde a cabeça, chega
o cinto ao couro do rapaz que já tem tamanho para a atirar ao chão, com os seus
dedos manchados de tabaco e a voz rouca de cansaço. Mas a sofisticada “mãe
solteira”, com o seu curso em Estudos Femininos de Wellesley, a viver na zona
chique de Boston, veste a sua filha como se fosse assexuada e ignora quando a
criança suplica para ser tratada como uma menina normal. Para ela não haverá
pena de prisão, mas antes uma data para dar uma conferência na biblioteca local
uma semana depois da sua amiga que vai falar sobre a crueldade de se tratar
cães como se não fossem cães e uma semana antes de outra amiga falar sobrem os
benefícios do trigo sem glúten e ovos sem gema.
John Williamson, confesso adepto do swing e dono de uma
gigantesca colónia para nudistas e adúlteros recebe da imprensa nacional um
obituário digno de um grande artista e inventor, e ninguém pára para pensar
quantas vidas de crianças foram eliminadas ou tornadas miseráveis pelas
perversões dos seus pais; mas o Papa emérito Bento XVI, o calmo e sereno professor
de moral que até há pouco tempo limitava-se a ser aturado por todos, cujo único
pecado foi chamar pecado ao pecado, apenas pode desejar ser tratado com
neutralidade aborrecida, ou até inimizade respeitosa. Estilo, homem, estilo.