quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Aventuras mediáticas do Papa Francisco - o Bem, o Mal e a Consciência - por Nuno Serras Pereira



02. 10. 2013

‘Ai dos têm o mal por bem, e o bem por mal’ (Is 5, 20).

O Santo Padre, na entrevista que deu a Scalfari afirmou peremptório: “Cada um tem a sua ideia do Bem e do Mal e deve escolher seguir o Bem e combater o Mal (tal) como os concebe. Bastaria isto para melhorar o mundo”. Evidentemente esta afirmação é objectivamente falsa. Já na carta que enviou ao mesmo Scalfari quando escreve sobre a consciência afirma algo que pode ser verdade mas também pode ser falsidade, adiante veremos porquê, prestando-se por isso aos maiores equívocos, tendo como efeito a indução em grave erro da multidão daqueles que têm uma ideia muito diferente daquilo que a dela Igreja prega. Por isso é que S. João Paulo II ensinou: “Não basta dizer ao homem: ‘segue sempre a tua consciência’. É necessário acrescentar imediatamente e sempre: ‘pergunta-te se o que a tua consciência diz é verdadeiro ou falso e procura incansavelmente conhecer a verdade. Se esta necessária precisão não fosse feita, o homem arriscar-se-ia a encontrar na sua consciência uma força destruidora da sua humanidade verdadeira em vez do lugar santo onde Deus lhe revela o seu verdadeiro bem.” (Sublinhados meus).

A concepção que Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao, Pol-Pot tinham do Bem é responsável por monstruosidades horrendas; e a do Mal levou-os a combater Deus, o Cristianismo a Lei Natural e o que mais se sabe. Hitler concebia os judeus como um Mal, e o resultado como sabemos está entre as coisas mais abomináveis e pavorosas da história da humanidade; e entendia que era um Bem as guerras tremendas que desencadeou. Obama acha que é um Bem impor o controlo demográfico, o aborto, o pseudocasamento “gay”, a ideologia do género desde a mais tenra infância, a supressão da liberdade religiosa e de consciência, não só no seu país como na política internacional (coisas que aparentemente não incomodam excessivamente sua Santidade – foi notória a indiferença papal pública, patente em relação aos cristãos e demais pessoas de boa-vontade, crianças, jovens e velhos agredidos e presos em França pelas forças policiais, somente porque se manifestavam pacificamente contra o “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, sendo que parece terem levado um “raspanete” na entrevista às revistas jesuítas) e as suas palavras a Scalfari dão a impressão que o incentivam a prosseguir nesse caminho e a combater o Mal que nós somos e representamos. Terá o Papa (nunca pensei que algum dia viria a escrever isto, mas enfim, uma vez que Francisco I não gosta de lisonjeiros e aduladores mas de quem fale com franqueza di-lo-ei) consciência das consequências destas graves imprecisões? O Santo Padre já disse várias vezes que normalmente o que em primeiro lugar lhe vem à cabeça não é bom – não será melhor, apesar dos muitos aspectos positivos nessas entrevistas, repensar este modo de se comportar? 

Depois da segunda grande guerra, conta o então Cardeal Ratzinger, nas conversas entre teólogos era consenso praticamente geral que os nazis, mesmo os SS, tinham o Céu garantido, uma vez que seguiam as suas consciências. Claro que Joseph Ratzinger nunca acolheu, sem mais, esta tese e explica-o num dos seus livros. O pecado não consistiu em ter seguido a sua consciência errónea, mas sim no terem ofuscado e ignorado a Lei natural inscrita nos seus corações, a verdade do seu ser pessoas, a sinderésis, que se torna presente à consciência para a iluminar. Como escrevi há muito:

“A consciência verdadeira é o núcleo mais secreto, o sacrário do homem, onde este se encontra a sós com Deus, para escutar a Sua voz e acolher a verdade do seu ser, a sua estrutura interna, a sua identidade, isto é, a lei inscrita por Deus no seu coração, à qual é chamado a obedecer e segundo a qual será julgado. Podemos dizer que a consciência é: 1. um “ouvido”, uma instância de acolhimento, que escuta a verdade; 2. um “olhar”, isto é, um juízo, lançado sobre a realidade que a) percebe o bem a fazer e o mal a evitar e b) avalia (ajuíza) a bondade ou maldade de uma acção realizada; 3. uma força que move e empuxa a realizar o bem e a evitar o mal.” 

Mas para que não haja dúvidas demos a palavra a Bento XVI:

“No pensamento moderno, a palavra ‘consciência’ significa que em matéria de moral e de religião. A dimensão subjectiva, o indivíduo, constitui a última instância de decisão. O mundo é dividido nos (em dois) âmbitos objectivo e subjectivo. Ao objectivo pertencem as coisas que se podem calcular e verificar por meio da experimentação. A religião e a moral são subtraídas a este método e por isso são considerados como (pertencendo ao) âmbito do subjectivo. Aqui não existiriam (não se dariam), em última análise critérios objectivos. A última instância que pode decidir seria portanto o sujeito, e com a palavra ‘consciência’ exprime-se, precisamente, isto: nesta instância somente cada um é que pode decidir, o indivíduo com a sua intuição e experiências. 

(Ora) “… a ‘consciência’ significa a capacidade de verdade do homem: a capacidade de reconhecer mesmo nos âmbitos decisivos da sua existência – religião e moral – uma verdade, ‘a’ verdade. A consciência, a capacidade do homem reconhecer a verdade, impõe-lhe com isso, ao mesmo tempo, o dever de encaminhar-se para a verdade, de procura-la e de a ela se submeter onde a encontrar. Consciência é a capacidade de verdade e obediência a ela, que se mostra ao homem ao homem de coração aberto. … ”.

Para afirmar a identidade entre o conceito que a Igreja tem da consciência e moderna compreensão subjectiva da mesma muitos gostam de referir as palavras do Bem-aventurado (Cardeal) Newman “… segundo a qual ele – no caso de ter de fazer um brinde – teria primeiro brindado à consciência e depois ao Papa. Mas nesta afirmação, ‘consciência’ não significa a obrigatoriedade última da intuição subjectiva. (Pelo contrário é) “… expressão da acessibilidade e da força vinculante da verdade: é nisso que se funda o seu primado. Ao papa pode ser dedicado o segundo brinde, porque a sua missão consiste em exigir a obediência à verdade”.

O Bem-aventurado Newman di-lo magistralmente, na sua carta ao Duque de Norfolk: “O sentido do que é recto e do desordenado - elemento primeiro da religião - é tão delicado, tão vacilante, tão facilmente confundido, obscurecido, pervertido, tão subtil nos seus métodos argumentadores, tão impressionável por factores educativos, tão influenciado pelo orgulho e pela paixão, tão flutuante e instável no seu percurso, na luta pela existência no meio dos diversos exercícios e triunfos da razão: um sentido, em suma, que é a mais elevada das sabedorias, mas a menos luminosa. Por isso a Igreja, o Papa, a Hierarquia são - no projecto divino - o auxílio que Deus providencia para satisfazer esta nossa necessidade tão urgente.”

Estas são as razões pelas quais S. João Paulo II ensinou, referindo-se a toda a humanidade: “O Magistério da Igreja encontra-se entre os meios que o amor redentor de Cristo providenciou para evitarmos este perigo de erro (da consciência errónea). Em Seu nome, o Magistério possui uma autoridade verdadeira e própria para ensinar”. Foi por isto que o Senhor, depois de ter dito que toda a autoridade Lhe tinha sido dada no Céu e na terra, determinou e ordenou: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; … Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi.”

Falta-me o tempo para comentar a afirmação do Santo Padre ao dizer que não tinha nenhuma intenção de converter o seu interlocutor. Recordo tão-somente que isso está muito longe do que S. Francisco de Assis viveu, pregou e ensinou; e parece estarem em contraste nítido, não só com a Tradição viva da Igreja, como com as primeiras palavras de Jesus, no início da Sua vida pública, tal como nos é relatado no Evangelho, segundo S. Marcos: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho.”

À honra e glória de Cristo Ámen.