terça-feira, 25 de maio de 2010

Ainda as Presidenciais

Escrevi há dias um pequeno texto (escrevo sempre por tópicos[1]) no qual afirmava que se não fora Sacerdote faria campanha pela abstenção nas próximas eleições presidenciais[2]. Mas como não sou político nem filho de político[3] todo o meu empenho é pela conversão dos corações, pela salvação das almas. Todavia, pelos ecos recebidos, verifiquei a necessidade de esclarecer um ou outro ponto.

Um dos que me chegou por vias diversas foi o da afirmação de que em vez da abstenção deveria apelar ao voto em branco, uma vez que este significaria, por um lado, a adesão ao sistema democrático e, por outro, a demonstração de que o eleitor não se reconhecia em nenhum dos candidatos e, por isso, os repudiava desse modo. A verdade, porém, é que, absurdamente, em Portugal, o voto branco não conta como tal mas é equivalente ao voto nulo[4].

Outro ponto é o de que o católico tem a obrigação moral de se empenhar e participar na política de modo a fermentá-la com o Evangelho. O voto, adianta-se, é um dever grave do cristão, de modo que a abstenção, consciente e livre, seria uma falta ou pecado grave. Ora quanto a esta objecção podemos concordar inteiramente com a primeira parte mas, no que se refere à segunda devemos dizer que ela é condicional.

Para inteira inteligência dessa condicionalidade importa ter em conta vários factores. O primeiro é o de que actualmente se vive em Portugal num regime democrático meramente formal. Substancialmente vivemos num estado tirano, num regímen totalitário[5]. Ora o voto pode, em determinadas circunstâncias, contribuir para a consolidação e mesmo promoção dessas realidades gravemente injustas.

Se atentarmos bem ao que se tem passado ao longo destas últimas décadas teremos de concluir que o católico bem formado e todo o homem de boa vontade têm progressivamente visto o seu horizonte de escolha lícita ser de tal modo reduzido que chegámos ao ponto de nos quererem obrigar a optar somente entre coisas ilícitas e injustas. Embora possamos não concordar com a identidade não há dúvida de que as eleições presidenciais, que se aproximam, têm muitas semelhanças com o dilema nazi. Aqui chamo dilema nazi àquela escolha a que quiseram obrigar um pai de família. Consta, de facto, que durante a segunda grande guerra um oficial nazi dirigindo-se a um pai, diante das suas duas filhas, lhe teria dito: ou matas uma delas ou eu mato as duas. Evidentemente que a crueldade diabólica desta proposta só poderia ter como resposta de amor verdadeiro a recusa do pai em assassinar qualquer uma delas. Outra opção traduzir-se-ia numa cumplicidade e numa promoção objectivas da mentalidade nazi, e numa transformação do desventurado num filicida. Que nunca é lícito escolher o mal é um princípio absoluto da moral natural, confirmado pela Revelação sobrenatural de Deus.

É verdade que haveria grande conveniência em conseguirmos um candidato, intransigente em relação aos princípios não negociáveis, que aproveitasse a campanha eleitoral para esclarecer e formar as consciências com a verdade que por sê-lo é universal e encontra eco em todos os corações. Será possível, creio eu, e mesmo provável que isso possa vir a acontecer. No entanto, como não se antevê a possibilidade de um candidato com peso político suficiente para derrotar aqueles cujas propostas ou/e actuações representam o Inimigo do género humano, melhor seria que não fosse a votos mas que apelasse à abstenção maciça. E isto porque o seu revés (mesmo que conseguisse algumas dezenas de milhares de votos) seria interpretado como uma derrota clamorosa, como um soçobro, das forças favoráveis à vida e à família. Ora parece-me mais fácil persuadir as pessoas à abstenção do que mobilizá-las para uma candidatura alternativa ao candidato “católico e grande amigo” do Papa.

Uma abstenção maciça, isto é, uma abstenção que excedesse significativamente a habitual enfraqueceria politicamente a legitimidade formal do presidente, representaria um sério aviso para os partidos que o tivessem apoiado e constituiria uma advertência para os políticos que intitulando-se católicos[6] se têm entretido em trair a sua Fé, seduzindo os simples.

Momentos excepcionais exigem comportamentos e medidas excepcionais.

Estas reflexões, já se sabe, são de um franciscano miserável e idiota. Os fiéis leigos são chamados a agirem de acordo com a sua consciência, bem formada, quer dizer concorde com a Verdade interpretada autenticamente pelo Magistério da Igreja. Isto significa que serão eles e não os Pastores (se cumpriram o seu dever) a responder, a prestar contas, perante Deus no Juízo particular e no final.

Nuno Serras Pereira

25. 05. 2010



[1] Escrever, para quem ainda não o saiba, para mim é um tormento. Não o faço por vocação mas por ser compelido a tal. Sendo um suplício tão grande julgo que se compreenderá facilmente porque não desenvolvo nem explicito miudamente as ideias e conceitos. Geralmente parto do princípio que quem me lê tem já a informação suficiente para contextualizar o que escrevo. Muita dessa informação é enviada por mim mesmo por outras vias para os meus leitores.

[2] Nuno Serras Pereira, As Presidenciais, 18. 05. 2010. In http://jesus-logos.blogspot.com/2010/05/cavaco-e-as-presidenciais.html

[3] De facto o meu pai, segundo a carne, foi político mas aqui refiro-me à paternidade espiritual de S. Francisco de Assis.

[4] É certo que nos resultados eleitorais se distingue entre brancos e nulos, mas ambos não contam como votos expressos.

[5] É isto que nos ensinam, por exemplo, as Encíclicas O Esplendor da Verdade e O Evangelho da Vida do Papa João Paulo II.

[6] Vide Nuno Serras Pereira, Dos políticos católicos, livrai-nos Senhor, 25. 05., 2009. In http://jesus-logos.blogspot.com/search?q=ladainha