sábado, 19 de novembro de 2011

A hipocrisia dos Benetton

Andrea Tornelli

In La Stampa

Como já é sabido, ontem (16/11) rebentou a polémica sobre a nova campanha publicitária, que pretendeu reviver os dias de glória das campanhas de Oliviero Toscani. Assim, de repente, na ponte do Castelo de Sant'Angelo [perto do Vaticano], afixaram uma gigante foto-montagem onde aparece Bento XVI e o imã de Al Ahzar, Ahmed al-Tayyeb, que
se beijam na boca.

A descabida campanha publicitária, que apenas pretende provocar, prevê outros beijos (entre Obama e o presidente chinês, entre Merkel e Sarkozy) e está inspirada na foto famosa do beijo entre Leonid Brejnev, então presidente da URSS e Erich Honecker, presidente da Alemanha Oriental. O autor da fotomontagem, entre outras coisas, quis tornar o beijo entre os dois líderes religiosos mais «passional» que o beijo dos líderes políticos.

A apresentação da nova campanha Benetton realizou-se em Paris, cidade onde Gilberto Benetton recebeu a Legião de Honra, a máxima condecoração honorífica do Estado francês, directamente das mãos do presidente Sarkozy, durante uma cerimóina no Eliseu.

«O objectivo da campanha é combater a cultura do ódio, promovendo a proximidade entre povos, crenças, culturas e compreensão pacífica das razões dos outros, explicou Alessandro Benetton, vice-presidente executivo da Benetton Group.

Os ódios nunca irão cessar por força do ódio, hão-de cessar graças ao não-ódio». Esta campanha, concluiu Benetton, «gera um estado de espírito de reconciliação, mas não é uma campanha suave: o amor seria irrealista, mas o não-ódio é, pelo contrário, uma coisa que podemos fazer».

Como era de esperar, o uso e o abuso da imagem do Papa e do imã egípcio afixada a poucos passos da Praça de S. Pedro provocaram indignação e a justa resposta da Santa Sé.

O P. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, expressou «um protesto firme pelo uso totalmente inaceitável da imagem do Papa, manipulada e instrumentalizada no contexto de uma campanha publicitária com fins comercias».

«Trata-se - acrescentou - de uma grave falta de respeito para com o Papa, de uma ofensa aos sentimentos dos fiéis, de uma demonstração evidente de como no âmbito da publicidade se podem violar as regras elementares do respeito pelas pessoas com o fim de atrair atenções».

O aspecto mais surreal e nalguns pontos ridículo destes tristes acontecimentos está representado pela (falsíssima) resposta do grupo Benetton, que à reacção vaticana respondeu:

«Repetimos que o sentido desta campanha é exclusivamente combater a cultura do ódio em todas as suas formas. Estamos, portanto, tristes por saber que o uso da imagem do Papa e do imã tenha de alguma maneira ferido a sensibilidade dos fiéis. Como confirmação dos nossos sentimentos, decidimos, com efeito imediato, retirar esta imagem de todos os lugares onde foi publicitada».

Coitadinhos, ficaram tristes.
Coitadinhos, não podiam imaginar.
Coitadinhos, não fizeram de propósito.
Coitadinhos, tão empenhados em promover a sua camisola colorida que nem se lembraram de quem é o Papa.
Coitadinhos, não imaginaram que para um fiel católico, como para um fiel muçulmano, e até simplesmente para uma pessoa
de bom senso, aquela fotomontagem teria de ofender, ferir, indignar.
Coitadinhos, os Benetton não chegaram lá.

Eles não queriam provocar, nãããããããããão... Nunca!
Eles só queriam dizer que não querem o ódio.
Por isso, «com efeito imediato», assim que conseguiram a visibilidade mundial que procuravam, retiraram - oh a bondade deles,
que sensibilidade! - a foto do Papa Ratzinger e do imã do Cairo.
Isto é, sim, um exemplo de responsabilidade e de compreensão das razões do outro: será já um primeiro efeito positivo do novo governo Monti?

* * *

Espero vivamente que o Vaticano desta vez avance em iniciar um processo judicial contra o grupo Benetton, em vez de deixar passar. Eventualmente anunciando desde já o projecto social a que será destinado o valor da indemnização.

E aos irmãos Benetton, exemplo da Itália perspicaz, daquela Itália que trabalha não só para ganhar dinheiro, mas que quer ainda ajudar a todos a serem melhores, assim tão atentos à sensibilidade de cada qual, permito-me azer uma sugestão: vão pessoalmente - talvez com a Legião de Honra de monsieur Sarkozy cravada no peito - colar o mesmo mega cartaz diante
da sede de Al Azhar, no Cairo.

Então veremos se o prezado gesto surtirá o efeito esperado de combater a cultura do ódio.