segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Pelos vistos ando enganado… - Nuno Serras Pereira

1. Eu julgava que elaborar e promulgar uma “lei” que não só não tutela como promove a matança deliberada de seres humanos inocentes era sempre iníquo, injusto e ilícito, e que, portanto, tal lei não o era de facto, sendo antes uma violência tirânica, totalitária e ilegítima. Mas, pelos vistos, ando enganado, porque os nossos Bispos nunca o disseram, ao invés alguns disseram exactamente o contrário.

2. Eu julgava que, no que diz respeito ao direito à vida, todos éramos absolutamente iguais e que, por isso, a vida de um português valia tanto como a de um judeu. Mas, pelos vistos, ando enganado, pois os nossos Bispos nunca o disseram, dando a entender pelos seus silêncios exactamente o contrário (vide, por ex., declarações da última reunião plenária da Conferência Episcopal).

3. Eu julgava que o regímen democrático só era tal quando se tutelava a igual dignidade de toda a pessoa humana, em todas as fases da sua existência. Mas, pelos vistos, ando enganado, pois os nossos Bispos dizem que vivemos em democracia e um ou outro fazem profissões de fé na mesma com um fervor mais intenso do que quando rezam o Credo.

4. Eu julgava que a matança organizada e patrocinada pelo estado de mais de sessenta mil pessoas nascituras era uma tragédia inominável, que nos poria em estado de choque e nos urgiria a uma mobilização geral em defesa da vida. Mas, pelos vistos, ando enganado, pois os nossos Bispos não o dizem, nem dão directivas, antes aparentam uma grande indiferença, entretendo-se com outras coisas.

5. Eu julgava que advogar e votar a favor da matança de pessoas humanas nascituras era um gravíssimo pecado mortal. Mas pelos vistos ando enganado, pois os nossos Bispos dão alegremente a Sagrada Comunhão aos que publicamente o fizeram e nunca manifestaram arrependimento ou se retractaram.

6. Eu julgava que impor, através dos impostos, o pagamento do assassínio de inocentes era uma intolerável agressão à consciência das pessoas de boa vontade e uma violação brutal da liberdade religiosa. Mas, pelos vistos, ando enganado, pois os nossos Bispos nunca o afirmaram, nem fizeram qualquer alusão, nem com isso se preocuparam, minimamente.

7. Eu julgava que a desumana deformação e a ferina perversão do crentes católicos, muitos com cargos de responsabilidade a nível eclesial, no referente à eminente dignidade da pessoa humana, desde o seu início até ao seu termo natural, exigiria uma formação sistemática e contínua nos órgãos de comunicação social da Igreja sobre o direito à vida de cada ser humano, do respeito que lhe é devido e da sua promoção. Mas, pelos vistos, ando enganado, pois isso, de todo, não acontece; pelo contrário, dá-se voz e “púlpito” aos propagadores do homicídio, entre todos, o mais abominável.

8. Eu julgava que era uma injustiça patente e gritante cortar abonos de família e cuidados de saúde mantendo os subsídios à matança de crianças nascentes e à congelação e experiências letais sobre as mesmas. Mas ando enganado, pois os nossos Bispos nunca a tal se referiram, nem têm mostrado preocupação alguma.

9. Eu julgava que era impossível falar ou praticar a Doutrina Social da Igreja sem ter em conta as encíclicas Humanae vitae e Evangelium vitae. Mas ando enganado, pois os nossos Bispos têm mostrado, por palavras e por actos, que tais textos nada têm a ver, nem devem ser tidos em consideração a propósito da tal Doutrina Social.

10. Eu cuidava tudo isto por causa da leitura atenta e repetida, e pela meditação assídua e continuada do Magistério dos últimos Papa e dos documentos da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Pelo que poderia concluir que, se calhar, não sou eu que ando enganado mas sim os Santos Padres e os documentos da cúria romana por eles aprovados.

Mas será justa e razoável tal conclusão?


14. 11. 2011