Como os leitores de The Catholic Thing bem sabem, o Journal of Medical Ethics, um periódico para o qual já contribuí, publicou recentemente um artigo controverso, “Aborto pós-parto: Porque é que o bebé há-de viver?”, escrito pelos filósofos Alberto Giubilini e Francesca Minerva.
Ao longo do artigo os autores referem-se a
fetos e a recém-nascidos como “pessoas em potência”, um termo que
certamente parecerá um estranho neologismo para aqueles que não estão
habituados às lides da filosofia contemporânea. É, contudo, um termo que
tem sido usado na literatura de bioética há mais de quatro décadas.
Segundo Giubilini e Minerva, “fetos e
recém-nascidos são pessoas em potência porque podem desenvolver, graças
aos seus mecanismos biológicos, aquelas propriedades que as tornarão
‘pessoas’ no sentido de ‘sujeitos com um direito moral à vida’: isto é, o
ponto a partir do qual poderão traçar objectivos e apreciar as suas
próprias vidas.”
É por isto que, argumentam os autores, é
moralmente permissível matar tanto fetos como recém-nascidos. São apenas
pessoas em potência, não são pessoas de verdade.
Os autores “definem ‘pessoa’ como
significando alguém que é capaz de atribuir à sua própria existência
(pelo menos) algum valor, ao ponto de que a privação da mesma seria
entendida como uma perda para ela.” Daí, um feto não é uma pessoa porque
não tem maturidade suficiente para apreciar os seus próprios
interesses. Mas essa é a própria definição de feto. Logo, um feto não é
uma pessoa, porque é um feto. É um argumento sem brechas pela simples
razão de que é perfeitamente circular.
Apesar de “pessoa em potência” ser uma
etiqueta comum no mundo académico da bioética, os dois termos “potencia”
e “pessoa” têm um longo e rico historial que poucos no mundo da
bioética, incluindo Giubilini e Minerva, parecem compreender.
Por exemplo, o carvalho no meu jardim é uma
secretária em potência, ou seja, um carpinteiro pode construir uma
secretária com as partes que em tempos foram o meu carvalho. Quando o
carvalho é morto, antes de o carpinteiro começar a trabalhar nele, a sua
existência cessa em termos literais. Não há nada na natureza do
carvalho que o ordena a ser uma secretária, nem quando era bolota nem
quando foi ordenado a tornar-se uma versão madura de si mesmo.
Por isso quando os autores dizem que um
feto é uma “pessoa em potência” não se estão a referir a este tipo de
potencial, porque consideram que o feto continua a ser o mesmo ser, antes e depois de se “tornar” pessoa.
Talvez por potência queiram dizer no
sentido em que eu sou um “potencial membro do corpo docente da faculdade
de Amhurst”. Mas isso não me parece correcto, porque esse potencial é o
de adquirir uma propriedade acidental que não é essencial à minha
natureza. Isto é, se eu permanecer em Baylor, continuo a ser eu. Quero
eu pese 87 ou 93 quilos, seja um canalizador, um professor, um padeiro
ou um artesão de candelabros, não afecta aquilo que eu sou enquanto ser.
Mas como já vimos, Giubilini e Minerva afirmam que todos
os fetos têm a mesma natureza, “porque podem podem desenvolver, graças
aos seus mecanismos biológicos, aquelas propriedades que as tornarão
‘pessoas.’”
Em conclusão, segundo Giubilini e Minerva,
nós somos o mesmo ser que eramos enquanto fetos e o nosso potencial para
exercer certos poderes pessoais – incluindo o potencial de exercer as
capacidades de “traçar objectivos e apreciar a [nossa] própria vida”,
não são acidentais à nossa natureza. Logo, o feto não é uma pessoa em
potência no sentido em que se “torna” outra coisa – como o carvalho se
“torna” uma secretária. E não é uma pessoa em potência no sentido em que
a aquisição de poderes pessoais é acidental à sua natureza – como
quando o meu peso passa de 93 para 87 quilos.
O que significa que a capacidade de exercer estes poderes pessoais é essencial à natureza do feto, uma natureza que retém antes e depois de se tornar capaz de os exercer.
Nesse caso, porém, o feto não é uma pessoa
em potência. É aquilo que é: um ser com uma natureza pessoal e, por essa
razão, tem propriedades essenciais que incluem a capacidade para a
expressão pessoa, pensamento racional e acção moral. A maturação destas
capacidades são aperfeiçoamentos da sua natureza e por isso,
contrariamente ao que Giubilini e Minerva defendem, o feto humano pode
ser injustiçado ainda antes de ter consciência de que o foi.
Imagine, por exemplo, que um cientista cria
vários embriões através de fertilização in vitro. Depois implanta os
embriões em úteros artificiais e, enquanto se desenvolvem, obstrui os
seus tubos neurais de maneira a que nunca adquirem funções cerebrais
superiores e por isso nunca se podem tornar aquilo que Giubilini e
Minerva consideram “pessoas”. O médico age desta forma para poder colher
os órgãos destes fetos.
Imagine que, depois de saber desta
experiência terrível, um grupo de radicais pró-vida entra no laboratório
do cientista e transporta todos os úteros artificiais, com os embriões
intactos, para outro laboratório, localizado nas caves do Vaticano. Ali,
vários cientistas pró-vida injectam os embriões com medicamentos que
restauram os seus tubos neurais, permitindo que os seus cérebros se
desenvolvam normalmente. Depois de nove meses os ex-fetos, agora
recém-nascidos, são adoptados por famílias.
Se considera que aquilo que os cientistas
fizeram foi não só bom, mas um acto que justiça requer, então resulta
que acredita que os embriões são seres de natureza pessoal, ordenados
para certas perfeições que, quando obstruídas, resultam numa injustiça.
Mas nesse caso os embriões não são pessoas em potência, são só pessoas
com potencial.