Foi apelidado de um “modesto primeiro passo” na legislação do aborto, um
projecto que visava preservar a vida de uma criança que sobrevivesse a
um aborto. Foi aprovado finalmente em 2002 sob o título Born-Alive
Infant’s Protection Act.
Os defensores do “direito ao aborto” pensaram tratar-se de parte de um
esquema para minar esse direito, e claro que era. Mas o desafio para os
defensores do aborto era explicar com que moral é que podem justificar
votar contra uma medida que visava proteger uma criança que nasceu com
vida.
Os nossos opositores ficam sempre ofendidos quando nos atrevemos a
levantar este tipo de questões, ou quando os enfrentamos com uma série
infindável destas perguntas. Depois de anos a fugir às principais
questões morais, acabariam por cair no tipo de argumentos que, como
efeito, iriam desfazer o próprio acto de raciocínio moral.
Tinham razão ao pensar que estávamos a tentar dissolver o sentido de
“direito” ao aborto, um passo de cada vez. Mas mesmo sendo esse o caso,
com que base é que aceitam que se mate uma criança nascida viva?
É verdade que caminhamos passo a passo. A cada passo que damos, pedimos
aos liberais que honrem os princípios que eles próprios tornaram lei. Se
não se pode discriminar contra os deficientes, como é que se justifica
que se possa matar no útero uma criança com síndrome de Down?
Com cada medida, com cada pergunta feita, os defensores do aborto
respondem com uma fúria crescente: Uma vez que, pensam, o aborto é do
interesse das mulheres e da sua saúde reprodutiva, cada desafio apenas
confirma para eles a maldade daqueles que gostariam de encontrar formas
manhosas de retirar esses direitos às mulheres.
Essa fúria voltou de novo agora que a Comissão Judiciária da Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos apresentou mais um desses passos
legislativos, a proposta de banir os abortos com base no sexo. A ideia
do Prenatal Nondiscrimination Act (PRENDA) existe há anos e voltou este
ano principalmente devido à tenacidade de Trent Franks (R-AZ), o
secretário da subcomissão para a Constituição, e o seu formidável e
imbatível assessor, Jacki Pick.
Têm-se avolumado as provas, tanto nos Estados Unidos como no
estrangeiro, de que com a difusão das ecografias – que nos trazem os
meios para descobrir o sexo da criança intrauterina – tem havido uma
tendência para preferir machos e abortar fémeas. O resultado tem sido
uma deturpação dos rácios de sexo, com efeitos pressagiosos.
Nicholas Eberstadt, que dedicou toda uma carreira à demografia, notou
que “o aborto selectivo assumiu uma dimensão comparável a uma guerra
global contra meninas bebés”. A situação é tão grave que a Índia, o
Reino Unido e até a China proíbem abortos baseados no sexo do feto. Mas
essas leis são mal aplicadas e chegou-se ao ponto de muitas pessoas
virem para os Estados Unidos para fazer abortos tardios deste género que
até no Leste são proibidos.
Temos assistido a escritoras feministas como Mara Hvistendahl a referir a
gravidade do problema, mostrando ter plena noção do errado que é matar
crianças no útero por serem do sexo feminino. Mas em vez de apoiar a
restrição do aborto, ela enfurece-se contra um obscuro professor de
Amherst College, que acusa de ser o génio malévelo por detrás desta
estratégia do “passo a passo” [referência ao póprio autor. Ver aqui].
Como sabemos, as feministas liberais na América não aceitam qualquer
medida que proíba o aborto com base no sexo do feto. As razões são
simples: Admitir que um aborto possa ser errado ou injustificado é
deitar abaixo a barreira legal que protege o direito ao aborto por
qualquer razão e em qualquer altura. É o princípio do fim, porque abre a
arena legislativa para todos os juízos a que chegam as pessoas normais,
sobre o tipo de aborto que se pode considerar injustificado e, por
isso, devia ser proibido.
O PRENDA foi discutida no plenário da Câmara dos Representantes no dia
31 de Maio e mais uma vez os rituais de evasão moral entraram em acção:
Este é mais um passo, ouvimos dizer, para fazer regredir o direito ao
aborto. Mas como é que pode ser “no interesse das mulheres” aceitar
matar mulheres em larga escala?
Mas deixemos de lado a “perda” de, por ora, milhões de mulheres no
mundo, e milhares nos Estados Unidos: Porque é que não consideramos
errado, por uma questão de princípio, matar bebés porque são meninas –
independentemente da quantidade de pessoas que o está a fazer?
O representante Jerry Nadler e os democratas insistiram que os
republicanos são hipócritas porque não votam a favor de outras medidas,
com programas mais liberais que dão benefícios às mulheres – como se
fosse preciso comprar o direito a banir a matança de mulheres, à custa
de mais apoio e financiamento a grupos feministas.
O PRENDA recebeu os votos favoráveis de 226 republicanos e 20
democratas; 161 democratas e 7 republicanos opuseram-se. Mas por razões
que terei de explicar noutra altura, a medida estava sujeita a aprovação
por dois terços para poder passar. Este foi claramente um teste. Mas o
que revelou, mais uma vez, foi a forma como as almas se têm distorcido
ao longo dos anos, à medida que as pessoas absorveram os rituais de
evasão aos argumentos morais.