1. Hoje a Igreja celebra a
Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, tradicionalmente
denominada O Corpo de Deus. Se é
verdade que a instituição da Eucaristia se celebra na Quinta-feira Santa não o é
menos que não poucas vezes está ela mais centrada na instituição do Sacerdócio
ministerial, essencial e qualitativamente diferente do Sacerdócio dos demais fiéis,
e no Mandato, isto é, no mandamento Novo que Jesus dá após a lavagem dos pés. Ademais
como esse dia não é Santo de Guarda, infelizmente, passa, nos dias de hoje,
algo despercebido pela maioria dos fiéis. Pelo que a Igreja, secundando as
revelações particulares de uma mística medieval, teve por bem instituir esta
solenidade para dar o devido relevo não somente ao Sacrifício da Eucaristia mas
também à Presença real no Sacramento do Corpo, Sangue, Alma e Divindade de
Nosso Senhor Jesus Cristo, em aparências de humildade, apresentando-se disfarçado
nas espécies de simples pão e vinho, para que a Sua Soberania, Majestade e Glória
não nos intimidasse a que d’ Ele confiadamente nos aproximássemos, para O adorarmos
e, devidamente purificados pelo arrependimento, propósito de emenda, e Confissão
Sacramental, O recebermos dentro em nós, de modo a n’ Ele sermos transformados;
nem nos aniquilasse por falta das disposições capazes da nossa parte de
suportar a visão dos infinitos resplendores da imensidade da Sua Glória. Acresce
que é um grande Bem dar testemunho público da Fé processecionando pelas ruas o
Senhor, Rei dos corações, das sociedades, das nações, do Universo para que
todos cheguem ao Seu conhecimento (união íntima), ou seja, da Verdade que Ele é,
e assim se possam salvar.
2. Quando abrimos um livro ficcionado
das aventuras de Astérix deparamos sistematicamente com uma página que nos
indica o mundo, então conhecido, inteiramente dominado pelos romanos com a exclusão
de uma pequeníssima aldeia, que de tão minúscula carece de uma lupa para ser
topada, na Gália. A excepcionalidade deste povo insignificante deriva de uma
poção, ou remédio, mágica, confeccionada com específicos ingredientes os quais,
juntamente com as porções e misturas, são somente conhecidos de um druida, cuja
acção é essencial para a produzir. Quem toma esta bebida adquire uma fortaleza
tal que se torna capaz de triunfar e devastar qualquer inimigo por mais
poderoso que seja. Daí a impotência do império romano em dominar aquela gente,
de si, frágil e insignificante.
Os autores desta banda desenhada,
provavelmente sem darem conta disso, impregnados como estavam da civilização
cristã europeia, na qual nasceram e foram educados, sugerem uma parábola da
Santíssima Eucaristia. Esta, de facto, era referida pelos antigos Padres da
Igreja, grandes teólogos e Santos que sucederam aos Apóstolos, como poção ou
remédio da Imortalidade, como bebida dos fortes, isto é, que torna fortes,
vinho, contrariamente ao natural, que gera virgens – a propósito, diziam que
enquanto a embriaguez de vinho (natural) tornava um homem numa besta promíscua
e violenta, a do Sangue de Jesus (a que chamavam inebriamento), no Santíssimo
Sacramento da Eucaristia (o Vinho Sobrenatural), transformava um homem num Anjo
puro e pacífico.
O império romano que sujeita e escraviza
o mundo significará o poder universal do pecado e da morte. O pequeno povo, em
comparação com a população mundial, indica os católicos. A poção, que
evidentemente não é mágica, mas sim sobrenatural, não obstante recorrer a
elementos naturais necessários, o pão e o vinho, só pode ser feita por Jesus
Cristo Ressuscitado através dos Seus Sacerdotes ministeriais (os “druidas”),
que Ele, sem mérito algum da parte deles mas por pura gratuidade, configurou Sacramentalmente
conSigo quando receberam o Sacramento da Ordem. Quem come desse Pão e bebe
desse Vinho Comunga com o próprio Jesus Cristo que Se faz nosso alimento para n’
Ele nos transformar e assim nos tornar capazes de vencer o pecado e a morte
eterna. Virgens, isto é, entregues a Ele como um coração fiel, uno e indivisível,
somos fortalecidos e capacitados para evitar a prostituição e o adultério, ou
seja, a entrega aos ídolos e ao pecado: ils sont fous ceux démons et ceux péchés!, Ils
sont fous aussi ceux Obamás, ceux Sócratós, ceux Cavacós, ceux Passós Coelhós
e ceux Portás! Caminhando tranquilamente
com o menir (“a rocha é Cristo”, como diz S. Paulo – 1 Cor 10, 4)) e “bebericando”
como o Astérix avancemos como Igreja militante - cujos membros nesta vida
constituem uma milícia, um exército que combate o mal -, batalhando sem
descanso pela verdade, pelo bem, pela justiça, pela vida, pelo amor.
3. Na Arquidiocese de Friburgo,
na Alemanha, no dia do S. Bonifácio, 5 do corrente, Bispo e mártir, 672-754/5,
evangelizador daquelas terras, e como “preparação” para esta festividade tão
solene que hoje celebramos o Inimigo arregimentou 140 sacerdotes, à semelhança do
que fez na Áustria, que assinaram um documento no qual
declaravam publicamente que nas suas paróquias autorizavam expressamente a concessão
da absolvição e a administração do sacramento da eucaristia “aos divorciados
recasados”.
Que alguém cujo casamento não foi
nulo, consciente e livremente, se tenha divorciado e posteriormente “casado”
pelo civil é certamente um pecado mortal mas não exclui essa pessoa da Igreja. Esta,
por seu lado, procura acompanhar com solicitude e amor estes seus filhos/as que
se encontram numa situação difícil de modo a que possam com o tempo através das
obras boas e da oração aproximar-Se de Jesus Cristo vindo a conformar-se
inteiramente com a Sua vontade.
Porém, admitir aos Sacramentos,
Confissão e Eucaristia, tais pessoas é muito mais grave do que a situação em
que elas se encontram. Constitui uma recusa objectiva da Revelação expressa de
Jesus Cristo sobre o casamento como união indissolúvel: “Não separe o homem o
que Deus uniu”. Aquilo que nos outros será uma expressão de fraqueza, de
fragilidade humana, é aqui erigido pelos sacerdotes num desprezo pela Palavra
de Deus, pela Verdade de Fé. Trata-se claramente de uma heresia. Ora o herege
formal está pura e simplesmente fora da Igreja. Ao não aceitar a Verdade Divina
em virtude da autoridade d’ Aquele que a revelou mostra que se constitui em árbitro
discricionário da Verdade, fazendo da sua opinião o critério de discernimento
da Revelação Divina. Por outras palavras, revela que não tem Fé sobrenatural.
É muito para reparar que essa
situação não é de modo nenhum igual à dos nossos irmãos separados, para usar
uma expressão do Concílio Vaticano II. De facto, herege é aquele que sendo católico
nega obstinadamente uma ou mais verdades de Fé. Porém, o que nasceu e foi
educado numa família não católica ou mesmo herege, como já ensinava Sto. Agostinho,
estando de boa-fé, em ignorância invencível, não pode ser arguido de herege. Pelo
que estes se encontram de algum modo ordenados à Igreja.
Nuno Serras Pereira
07. 06. 2010