segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A depressão deu lugar ao medo - por Pedro Afonso

A “depressão” tem sido usada diversas vezes para caracterizar o estado de espírito da nossa sociedade, neste período de crise. Porém, estamos a entrar numa nova fase: a depressão começa a dar lugar ao medo. As pessoas andam receosas, inquietas e encontram-se dominadas pela convicção de que algo negativo vai ocorrer nas suas vidas.

Este temor espalhou-se inexoravelmente como uma praga e revela-se de mil maneiras contra o desejo de todos. E cumpre-me dar testemunho do que vejo: Vejo jovens com mérito que se esforçaram com sacrifício pessoal para terminarem os seus cursos superiores, com medo do futuro e resignados à emigração forçada. Vejo gente simples, esmagada com dívidas, expiando erros do passado. Vejo idosos debilitados pela doença, expostos à ofensa da miséria, de receita na mão, dominados pelo receio de o dinheiro não chegar para pagar os medicamentos.

Vejo o olhar apreensivo de muitos indivíduos, aterrorizados com a vaga de despedimentos indiscriminados, sentindo-se um joguete do destino, expectantes e apavorados com a ideia de serem os próximos. Vejo temor no rosto dos pais idosos que acolhem de volta os seus falsos filhos pródigos, depois destes terem sido obrigados a devolverem as suas casas aos bancos por incumprimento dos empréstimos. Vejo medo no rosto das crianças ao colo dos seus pais exaustos, sujeitos à mais completa humilhação, pois aqueles que os deveriam consolar dos pesadelos noctunos têm olheiras fundas das noites mal dormidas pelo terror da dispensa vazia.

Diante de mim, vejo pequenos empresários, pequenos comerciantes, e profissionais liberais, mergulhados num abismo de desalento, traídos por um Estado míope e enlouquecido que os asfixia vagarosamente com a amarra dos impostos. Vejo muitos homens e mulheres derrotados pela vida, caídos na depressão e no desespero, perdendo cada vez mais o medo da morte, e tentados pela ideia do suicídio. Vejo temor num povo que em tempos ousou descobrir o mundo, mas que hoje se sente ultrajado por ter de pedir auxilio ao estrangeiro.

Aos poucos todos ficam dominados pelo medo. Este medo acaba por se tornar numa epidemia absurda e devastadora, já que conduz as pessoas ao isolamento e à impotência. É verdade que todos nós estávamos mal preparados para a desgraça, mas houve alguém que ludibriou e descurou a proteção dos mais fracos; houve alguém que sequestrou a nossa confiança, mergulhando-nos nesta incerteza. E muitos daqueles que irresponsavelmente nos trouxeram até aqui, e infectaram a sociedade com este medo, são os mesmos que agora nos prometem resgatar.

Mas que havemos de fazer? Debater até ao infinito as causas da crise e as vantagens e desvantagens das várias soluções para superá-la? É preciso, neste momento de medo e fraqueza, acreditar que o nosso futuro não está fatalmente escrito. Afinal, todo o ser humano possui um reserva de força que lhe é desconhecida. É justamente nos períodos de provação, como o actual, que somos surpreendidos pelos nossos talentos que, na prosperidade, teriam ficado adormecidos. Espera-nos, portanto, um caminho longo que será feito por uma porta estreita; resta a todos nós vencer o medo de atravessá-la.

Pedro Afonso
Médico Psiquiatra