A “depressão”
tem sido usada diversas vezes para caracterizar o estado de espírito da nossa
sociedade, neste período de crise. Porém, estamos a entrar numa nova fase: a
depressão começa a dar lugar ao medo. As pessoas andam receosas, inquietas e
encontram-se dominadas pela convicção de que algo negativo vai ocorrer nas suas
vidas.
Este temor
espalhou-se inexoravelmente como uma praga e revela-se de mil maneiras contra o
desejo de todos. E cumpre-me dar testemunho do que vejo: Vejo jovens com mérito
que se esforçaram com sacrifício pessoal para terminarem os seus cursos
superiores, com medo do futuro e resignados à emigração forçada. Vejo gente
simples, esmagada com dívidas, expiando erros do passado. Vejo idosos
debilitados pela doença, expostos à ofensa da miséria, de receita na mão,
dominados pelo receio de o dinheiro não chegar para pagar os
medicamentos.
Vejo o olhar
apreensivo de muitos indivíduos, aterrorizados com a vaga de despedimentos
indiscriminados, sentindo-se um joguete do destino, expectantes e apavorados com
a ideia de serem os próximos. Vejo temor no rosto dos pais idosos que acolhem de
volta os seus falsos filhos pródigos, depois destes terem sido obrigados a
devolverem as suas casas aos bancos por incumprimento dos empréstimos. Vejo medo
no rosto das crianças ao colo dos seus pais exaustos, sujeitos à mais completa
humilhação, pois aqueles que os deveriam consolar dos pesadelos noctunos têm
olheiras fundas das noites mal dormidas pelo terror da dispensa
vazia.
Diante de mim,
vejo pequenos empresários, pequenos comerciantes, e
profissionais liberais, mergulhados num abismo de desalento, traídos por um
Estado míope e enlouquecido que os asfixia vagarosamente com a amarra dos
impostos. Vejo muitos homens e mulheres derrotados pela vida, caídos na
depressão e no desespero, perdendo
cada vez mais o medo da morte, e tentados pela ideia do suicídio. Vejo temor num
povo que em tempos ousou descobrir o mundo, mas que hoje se sente ultrajado por
ter de pedir auxilio ao estrangeiro.
Aos poucos todos
ficam dominados pelo medo. Este medo acaba por se tornar numa epidemia absurda e
devastadora, já que conduz as pessoas ao isolamento e à impotência. É verdade
que todos nós estávamos mal preparados para a desgraça, mas houve alguém que
ludibriou e descurou a proteção dos mais fracos; houve alguém que sequestrou a
nossa confiança, mergulhando-nos nesta incerteza. E muitos daqueles que
irresponsavelmente nos trouxeram até aqui, e infectaram a sociedade com este
medo, são os mesmos que agora nos prometem resgatar.
Mas que havemos
de fazer? Debater até ao infinito as causas da crise e as vantagens e
desvantagens das várias soluções para superá-la? É preciso, neste momento de
medo e fraqueza, acreditar que o nosso futuro não está fatalmente
escrito. Afinal, todo o ser humano possui um reserva de força que lhe é
desconhecida. É justamente nos períodos de provação, como o
actual, que somos surpreendidos pelos nossos talentos que, na prosperidade,
teriam ficado adormecidos. Espera-nos, portanto, um caminho longo que será feito
por uma porta estreita; resta a todos nós vencer o medo de
atravessá-la.
Pedro
Afonso
Médico
Psiquiatra