A
ministra francesa dos direitos da mulher anunciou o propósito do seu governo de
abolir a prostituição. Trata-se de seguir o chamado “modelo sueco”, que vigora
desde 1999 e assenta na punição do proxenetismo e também do cliente de serviços
de prostituição; no apoio à reinserção social das mulheres prostitutas; e no
esforço pedagógico nos sentido de essa prática passar a ser encarada como um
atentado aos direitos humanos. Esse modelo é hoje também seguido pela Noruega
(desde 2008) e pela Islândia (desde 2009).
A proposta não recolhe, como seria
de esperar, um apoio unânime. Os argumentos contra este tipo de propostas são
recorrentes: há que reconhecer a liberdade de a pessoa dispor do seu corpo;
sempre haverá prostituição, que é um mal necessário até para evitar a violência
sexual; mais vale regulá-la para reduzir os danos próprios da clandestinidade.
Mas também são significativas, e
diversificadas, as vozes que apoiam esta proposta.
Uma delas vem de um portal dedicado
à divulgação da visão de João Paulo II sobre o amor e a sexualidade (www.theologieducorps.fr). Apesar
de ser também clara nesse portal a rejeição de outras propostas do governo
socialista (como a legalização da eutanásia e do casamento e adopção por pares
do mesmo sexo), nele se afirma o apoio claro a esta proposta. Invoca-se a
dignidade da pessoa como um limite à liberdade; a liberdade não pode servir
para renunciar à dignidade (como o reconheceu o Tribunal dos Direitos do Homem
a propósito de um célebre jogo de feira que consiste em atirar uma pessoa anã
como se fosse um qualquer objecto de arremesso). É de duvidosa autenticidade a
expressão de liberdade de quem se prostitui (como de quem vende os seus
próprios órgãos), na grande maioria dos casos sob pressão de graves
dificuldades sócio-económicas. Encarar a prostituição como um mal necessário é
fazer da mulher que se prostitui a vítima sacrificial da violência dos homens.
Uma proposta deste tipo também
recebeu apoio da revista Famille
Chrétienne (www.famillechretienne.fr, 7/5/2011).
Em Itália, a associação Papa João XXIII, que, desde a sua fundação pelo Pe.
Oreste Benzi, apoia a reinserção social e familiar de mulheres vítimas da
prostituição, também se pronunciou a favor da proposta do governo francês (Avvenire, 10/7/2012).
Mas não deve pensar-se que apoios a
este tipo de propostas vêm sobretudo de sectores católicos.
A associação Abolition 2012 reúne 45 movimentos, sobretudo feministas, mas
também de apoio social às mulheres prostitutas (entre outros, Le Mouvement du Nid, de que é congénere
o Ninho, activo em Portugal desde há
várias décadas), e parlamentares de vários partidos, sobretudo de esquerda. No
seu manifesto, esta associação denuncia a prostituição como uma forma de
violência e de exploração, baseada no ancestral domínio do homem sobre a mulher
e dos ricos sobre os pobres. O consentimento não é, na prostituição, livre, mas
sujeito a esse domínio.
Nesta mesma linha, um outro
manifesto Éradiquer la prostitution? Non,
l´abolir (ver www.mediapart.fr,
7/7/2012), cuja primeira subscritora é a filósofa Sylvianne Agacinsky,
considera a proposta como um avanço civilizacional, pois pretende pôr cobro a
uma prática que é expressão de uma ordem arcaica que permite a imposição de uma
relação sexual pela força do dinheiro, que garante ao homem com poder económico
uma mulher à sua inteira disposição para satisfazer os seus desejos. Como não
pode “roubar-se” um corpo, também não pode “vender-se” um corpo.
Apontam os críticos do sistema sueco
o facto de ele não ter feito desaparecer a prostituição, que se mantém de forma
clandestina e mais escondida. Mas também nos países que legalizaram a
prostituição a clandestinidade não desapareceu (além do mais, para evitar o
pagamento de impostos ou manter o anonimato). Os relatórios do governo sueco atestam
uma diminuição da prostituição para cerca de metade, o êxito dos programas de
reinserção social e o desvio das redes de tráfico para outros países. Será
utópico pensar que a prostituição será abolida apenas por causa da punição dos
clientes, sem o apoio à reinserção social e sem a transformação de
mentalidades. O sistema penal nunca fez, por si só, desaparecer a prática de
crimes (já é bom que a contenha dentro de limites aceitáveis). Mas estas leis
apontam para o caminho certo, um caminho semelhante ao que levou à abolição da
escravatura, prática que durante muito tempos também foi vista como inevitável.