Estavam aglutinados ao redor de
um rude tronco seco e carcomido que se alargava numas ásperas hastes espinhosas
das quais pendiam abundantes carvões, mais escuros que o sombrio negrume do breu.
No sopé, uma gruta escabrosa, despojada, sinistra, patenteava arrogante a sua vacuidade
abjecta. Numa caótica cacofonia guinchavam multiplicados alaridos raivosos
contra os sequazes reunidos em jubilosas celebrações festejando o feliz Nascimento,
aquela Luz intolerável que irrompera, sem a molestar, na concavidade cerrada da
Mulher, construindo-Se da sua carne, nutrindo-Se do seu sangue, dela brotando
sem ofender a sua integridade, e, que num abraço de união, Se cravara na árvore,
e, nela padecendo e morrendo, a reverdecera para sempre, e Se oferecera, dela
pendendo, como Fruto de imortalidade, suco de amorosos inebriamentos gozosos, sabor
de suavidades pacíficas, nutrimento de inteireza eterna.
As fúrias urravam com o propósito
de esvaziar a gruta, grunhiam reivindicações esterilizadoras, bramiam matanças
de inocentes. O Maligno não suspeitara e, por isso, Herodes não se antecipara, falhando
ignominiosamente a sua missão. O Inocente passara despercebido, como se fora
filho da conjugalidade de José e de Maria, e não O Filho, sem pai na terra, sem
mãe no Céu.
Os ensanguentados olhos revirados,
os medonhos esgares coléricos, as orgiásticos agitações convulsas acompanharam
um rugido tremendo, um uivo pavoroso: Não há Deus! Nós temos como deusa a Sofia!
A grande fornicadora, a que tem comércio com a Besta prazenteira, potente e opulenta.
Só ela, devorando os tumores canalhas que invadiram os nossos ventres, nos exsuda
a liberdade! Resgata-nos da opressão! A virgindade é uma patologia! A castidade
é asquerosa! A maternidade é uma monstruosidade! A gravidez, uma pulhice infame!
Cancros nefastos da odiosa nupcialidade patriarcal! Uma deformidade soez de uma
evolução pervertida, que urge corrigir! E ouvia-se um gargalhar lúgubre,
horripilante.
E num frenesim voluptuoso grunhiam
diabolicamente paródias sacras - Desonra a deus nos céus e extermínio total das
pessoas do seu agrado. Nós te desprezamos, nós te amaldiçoamos, nós te execramos,
etc. -, enquanto giravam numa exaltação delirante ao redor de uma prenhe,
entretanto trazida, quase em ponto de parir. De repente, uma voz soturna bradou:
chegou a hora, é quase meia-noite! Então, num instante, com uma tranquilidade
fria, compuseram um ar profissional, envergaram batas, calçaram luvas de látex,
colocaram a grávida na disposição adequada, manobraram nas suas vísceras de
modo a que o nascituro invertesse a posição. Começaram então os esforços cuidadosos
para que iniciasse o saimento da sua morada pelos pés. Gradualmente conseguiram
extrair a quase totalidade do corpo até que somente a cabeça ainda permanecesse,
na sua maior parte, no corredor de saída. Em seguida recorreram aos utensílios
indicados para as incisões necessárias colheita, primeiro dos rins, depois dos
pulmões e logo do coração. Após estas subtracções, e o devido acondicionamento dos
órgãos, o principal fez uma incisão na nuca do nascituro, enfiou um tubo conectado
a um aspirador, ligou-o, e após o esvaziamento cerebral retirou a cabeça da
porta. Irrompeu, então, um aplauso geral com grandes hurras. Abriram-se garrafas
de champanhe, congratularam-se, abraçaram-se efusivamente, atolaram-se no lodo
da sua promiscuidade, fuçaram com volúpia nas suas lubricidades até à exaustão.
Depois, disseram-se: Já que não o
pudemos aniquilar há dois mil anos, eliminamo-lo na criatura feita à sua imagem
e semelhança, destruímo-lo na natureza que ele assumiu, estraçalhamo-lo
naqueles por quem deu a vida, assolamo-lo nos que quis fazer participantes da
sua natureza! Não há ódio maior do que tirar a vida aos seus amigos! A besta, o
toiro, o boi, o grande cobridor da Sofia é o grande deus a quem adoramos! É
dele que nos vem a vontade de potência, que nos dá o poder; a cobiça, que nos
enriquece; a sofreguidão dos prazeres ilimitados, que tudo nos autoriza.
15. 12. 2012